O reconhecimento dos que não tem caráter

Por Felipe Milano Riveglini | 08/12/2015 | Sociedade

             O que é mais importante, o caráter ou a reputação? Claro que uma coisa não anula a outra obrigatoriamente, mas quando consideramos as relações sociais as quais nos submetemos, caráter e reputação se mostram mais conflitantes do que complementares.

            Caráter diz respeito a tudo que praticamos cotidianamente pautados em nosso senso de justiça, ou seja, quando agimos de modo ético. Ética é necessariamente um gesto de empatia, e empatia é a habilidade de se colocar no lugar do outro.

            É a empatia que viabiliza, por exemplo, um ato impulsivo que chamamos de compaixão. Em outras palavras, sempre que uma pessoa não suporta observar com indiferença o sofrimento alheio e se movimento no intuito de solucionar, ou ainda minimizar tal sofrimento, está agindo por compaixão, em função de uma relação de empatia, por conta do que entende ser ético, a partir de seu senso de justiça, o que mostra que essa pessoa possui caráter.

            O caráter é um movimento de resultado individual, pois as ações geram uma relação de tranquilidade consigo. Em contrapartida, a reputação nos conduz ao processo inverso, pois diz respeito aos olhares alheios que recebemos, sendo uma relação de tranquilidade submetida ao critério da boa imagem que possuímos diante das demais pessoas. Em outras palavras, a reputação traz reconhecimento, enquanto que o caráter traz autorreconhecimento.

            Reconhecimento é uma palavra de significado óbvio que raramente significamos. Trata-se do ato de conhecer novamente, ou seja, submeter algo que se tem conhecimento à uma nova verificação, certificando-se de que aquele conhecimento é de fato certo.

            Quando alguém é reconhecido, o que está sendo dito a essa pessoa é: “eu estava certo sobre suas qualidades”. E na medida em que isso cresce, consolida-se uma reputação. Já o autorreconhecimento, traz a certificação para si de suas próprias qualidades, ou seja, traz a certeza de seu caráter.

            O conflito entre caráter e reputação hoje, está na necessidade latente que desenvolvemos em torno do reconhecimento, somada à fatalidade de que isso nos distanciou do autorreconhecimento.

            Vivemos tempos de interconectividade em rede, e esse novo espaço de convivência nos expõe, promovendo grande impacto na a construção de nossa reputação. Estamos, portanto, tentados a priorizar a reputação ao invés do caráter.

            O impacto desse processo é tão grande, que ações como trabalhos voluntários, resgates de animais, doações e até orações, são registrados para fins de compartilhamento. O que isso significa? O que deveria ser um movimento de caráter se tornou um movimento de reputação.

            Mesmo que caráter e reputação não sejam conceitualmente conflitantes, na atual relação interpessoal em que vivemos, há um fetiche sobre a reputação que desestrutura nosso caráter. Queremos tanto o reconhecimento que passamos a ignorar o que pensamos de nós mesmos. Vivemos sob a preocupação constante com os olhares alheios, permitindo que a maneira como seremos vistos determine quem somos com maior peso do que a maneira como nos vemos. É isso que a falta de caráter faz, aliena. É nisso que uma sociedade alienada se transforma, um bando de gente sem caráter.