O racismo sutil por trás das palavras: a influência da Educação Infantil para com uma sociedade antirracista.

Por Jéssica Georgia Rosa Barros | 10/10/2023 | Educação

O racismo sutil por trás das palavras: a influência da Educação Infantil para com uma sociedade antirracista.  

Atualmente, apontam estudos que, por dia, um indivíduo é capaz de pronunciar mais de 20 mil palavras por dia. No entanto, é importante pensar no significado dessas palavras dentro do vocabulário, especialmente no ambiente escolar, e em quantas vezes são reproduzidas, mesmo sem a intenção, expressões e conotações racistas ou que reforçam estereótipos. Na maioria das vezes, alguns termos podem aparentar ser meras “brincadeiras” ou uma forma casual de locução, todavia, tem potencial de carregar conteúdos ofensivos, com raízes da época colonial. Durante esse período da história do Brasil, os negros foram trazidos da África para serem submetidos à escravidão, deixando marcas profundas que ecoam até os dias atuais.  Sendo assim, alguns meios de manifestação da linguagem contribuem de maneira significativa para a desvalorização dos negros – seja crianças, jovens e adultos, que constituem a maioria da população brasileira. Além disso, ela fortalece inconscientemente na mente coletiva da sociedade a conexão preconceituosa entre a negritude e ideias negativas. Muitos brasileiros reproduzem essas frases sem compreender plenamente seus verdadeiros significados, inadvertidamente contribuindo para a persistência do racismo no país. Por isso, o objeto do presente estudo é, em tese, influenciar os cidadãos a refletirem e conscientizarem-se acerca da utilização de determinados vocábulos preconceituosos, de modo a inibi-los completamente e, assim, construir uma sociedade igualitária.

 

Introdução 

A linguagem consiste em um sistema de símbolos ou sinais empregados para transmitir ideias, valores e sentimentos por meio da comunicação. É visível notar, todavia, que a linguagem reflete profundamente a cultura preconceituosa que permeia nossa sociedade, já que expressões racistas frequentemente são normalizadas e incorporadas nas estruturas das relações étnico-raciais. 

Tais expressões têm o propósito de menosprezar e desaprovar a população negra, marginalizando tudo o que está associado a ela. Isso resulta na redução da imagem social dos negros, perpetuando e consolidando, no subconsciente coletivo da sociedade brasileira, a ligação preconceituosa entre negritude e negatividade. Em contraste, conotações positivas frequentemente são associadas a modelos e representações de pessoas brancas. 

Diante disso, é imperativo refletir e repensar sobre o preconceito subjacente às palavras, que se manifesta por meio da linguagem, reforçando constantemente a imagem social dos negros, muitas vezes relegados a posições sociais subalternas definidas sob uma perspectiva europeia. Frente a isso, este trabalho apresentará uma gama de palavras e discursos que estão presentes no vocabulário cotidiano e que fazem a sociedade reproduzir referenciais preconceituosos. 

 

  1. Criado mudo  

A expressão "criado-mudo" é comumente usada para se referir a um móvel baixo, frequentemente colocado ao lado de uma cama, que serve para apoiar objetos como livros, óculos, relógios, entre outros. Todavia, esse termo associa-se à um determinado período histórico, onde no passado, os negros eram escravizados e normalmente designados para atender as necessidades de seus senhores, o que incluía ficar próximo à cama durante a noite. Ou seja, era o indivíduo que permanecia de pé ao lado da cama durante toda a noite, em completo silêncio, muitas vezes segurando água e utensílios para atender aos desejos dos homens brancos. 

Devido a isso, considera-se o termo "criado-mudo" insensível ou ofensivo, uma vez que ele evoca lembranças do tratamento desumano que os escravizados sofreram. Ao invés disso, muitas pessoas optam por utilizar expressões alternativas, como "mesa de cabeceira" ou "mesa de apoio", para evitar a analogia com essa época da história. 
 

  1. Mulata 

O termo remete à mula, que é um animal proveniente do cruzamento entre um burro e uma égua; basicamente, relaciona-se com o racismo e a objetificação da mulher negra. 

Durante o período de escravidão, muitas mulheres escravizadas eram vítimas de abuso por parte dos "senhores" e, como resultado, frequentemente engravidavam. Os filhos dessas mulheres eram denominados de "mulatos", devido à mistura entre um homem branco e uma mulher negra. Essa terminologia se torna ainda mais ofensiva quando é utilizada a expressão "mulata tipo exportação". 

 

  1. Cor do pecado 

A enunciação “cor do pecado” é utilizada, erroneamente, como elogio, para se referir a beleza de mulheres negras, hipersexualizada, reiterando a visão do corpo feminino como mercaria.  

Além disso, a Igreja Católica justificava a escravidão como um castigo divino, ou seja, todos os negros eram tidos como pecadores, tão somente pela cor de sua pele. 

 

  1. “Tem caroço nesse angu” 

A frase “tem caroço nesse angu” é uma expressão idiomática usada na língua portuguesa para indicar que algo está suspeito. Entretanto, sua origem remonta a um estratagema adotado pelos escravizados para aprimorar suas refeições. Em ocasiões em que o prato consistia em angu de fubá, o que era frequente, a pessoa escravizada que os servia ocasionalmente conseguia guardar discretamente um pedaço de carne ou alguns torresmos sob a camada de angu. 

 

  1. Cabelo ruim/duro/pixaim  

Os termos "cabelo duro" e "pixaim" são exemplos de expressões que foram historicamente usadas de maneira pejorativa e preconceituosa para se referir aos cabelos crespos e afrodescendentes, negando a beleza existente. Essas palavras foram absurdamente empregadas para depreciar a aparência das pessoas negras, perpetuando estereótipos negativos e promovendo o racismo. 

Nos dias de hoje, há um movimento significativo para promover a aceitação e o orgulho dos cabelos crespos e afrodescendentes, bem como para desafiar a discriminação racial e os padrões de beleza eurocêntricos. 

 

  1. Doméstica 

Sua origem remonta às mulheres negras que desempenhavam suas atividades nas residências das famílias brancas, sendo muitas vezes rotuladas como "domesticadas". Essa designação derivava do contexto em que as pessoas negras eram frequentemente comparadas a animais, perpetuando a visão discriminatória de que necessitavam ser domadas. 

 

  1. “Não sou tuas negas” 

"Não sou tuas negas" é uma expressão que remete a uma época em que a escravidão era uma realidade, onde pessoas negras eram naturalmente tratadas como propriedade e não tinham autonomia sobre suas vidas, reforçando a ideia de que elas eram subalternas e passíveis de serem controladas. Essa frase, quando usada, perpetua uma mentalidade de inferiorização e submissão entre diferentes grupos étnicos. 

 

  1. Denegrir 

A palavra "denegrir" tem origem no latim "denigrare", que significa "tornar negro" ou "tornar escuro". Inicialmente, era usada de forma literal para se referir à ação de escurecer algo fisicamente. No entanto, ao longo do tempo, o termo adquiriu uma conotação figurativa, passando a ser utilizado para descrever o ato de difamar, caluniar ou manchar a reputação de alguém ou algo. 

O motivo para evitar o uso do termo "denegrir" está relacionado à sua etimologia e ao fato de que, historicamente, a cor da pele escura foi frequentemente associada a conotações negativas, estereótipos e preconceitos raciais. Dado o contexto atual, o termo carrega uma carga simbólica que pode evocar essa associação negativa, reforçando ideias discriminatórias. 

 

  1. Serviço de preto 

A expressão “serviço de preto” faz analogia ao trabalho realizado por pessoas negras, considerando-os como trabalho sujo ou mal feito. Isso reforça e perpetua estereótipos negativos associados à população negra. 

 

  1. Lista negra/Mercado negro/Humor negro 

Nesses casos, a utilização da palavra “negra” refere-se a algo pejorativo. 

A “lista negra”, primeiramente, é empregada para caracterizar indivíduos que, devido a circunstâncias desfavoráveis, encontram-se fora de determinados círculos sociais, ou ainda para denotar que alguém está sendo alvo de hostilidade; 

Ademais, a expressão “mercado negro” é compreendida para se referir a um sistema de compras clandestino, isto é, ilegalmente. 

Por fim, usada para caracterizar um estilo de humor ácido que incorpora piadas de natureza desrespeitosa, abordando assuntos mórbidos, sérios ou tabus de maneira politicamente inadequada. 

Embora algumas dessas expressões possam ter se originado sem a intenção de serem prejudiciais, é importante entender que o uso delas pode causar impacto e reforçar padrões de discriminação.  

 

Conclusão  

A questão do racismo sutil, muitas vezes mascarado por meio de expressões aparentemente inocentes no dia a dia, é um tema de crescente importância e análise crítica. Esse tipo de racismo, que se esconde por trás de palavras e gestos que parecem inofensivos à primeira vista, revela sua influência insidiosa na formação das mentalidades desde a mais tenra idade, especialmente no contexto da Educação Infantil. 

Dessa forma, a Educação Infantil, como o primeiro passo formal na jornada educacional, desempenha um papel crucial no desenvolvimento cognitivo e social das crianças. Não obstante, o ambiente educacional nem sempre é imune às tendências sociais e culturais que perpetuam o racismo velado. Expressões que aparentam ser normais podem, de fato, transmitir mensagens que reforçam estereótipos raciais e, consequentemente, contribuem para a internalização precoce de preconceitos.  

A influência da Educação Infantil nesse contexto é de extrema relevância. Crianças são esponjas que absorvem informações do ambiente ao seu redor. O que é ensinado nas primeiras etapas da vida cria uma base para a compreensão do mundo. Quando expressões carregadas de conotações raciais são proferidas por educadores ou mesmo pelos colegas de classe, elas podem moldar atitudes, crenças e comportamentos futuros. 

Desafiar o racismo sutil requer uma abordagem multifacetada. Educadores desempenham um papel fundamental na promoção da consciência crítica entre as crianças, ajudando-as a identificar expressões prejudiciais e compreender a importância da igualdade e da diversidade. Além disso, a seleção cuidadosa de materiais didáticos e a promoção de ambientes inclusivos podem combater a perpetuação inadvertida de estereótipos. 

Portanto, conclui-se que uma conscientização sobre as implicações dessas expressões, combinada com uma educação comprometida com a equidade e a justiça, pode contribuir para uma geração futura mais sensível, tolerante e verdadeiramente inclusiva. 

 

  1. Jane Gomes de Castro : Graduação Ciências Biológicas e Pedagogia; Especialização: Ecoturismo e Educação Ambiental
  2. Adriana Peres de Barros: Graduação  Pedagogia; Especialização em Educação Infantil e Psicopedagogia.

 

 

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