O RACISMO EXPLÍCITO

João Francisco Neto

         Acalentada pelo mito da igualdade racial, a sociedade brasileira viveu durante séculos fazendo de conta de acreditava que não havia racismo por aqui; isso seria coisa de povos malvados como os americanos e os nazistas alemães, e, como nós somos um povo “cordial”, o racismo seria absolutamente improvável de ser praticado no Brasil. Todo mundo sempre soube que isso não era verdade, mas, nos últimos tempos, temos assistido a uma escalada de atos explícitos de racismo: são jogadores e árbitros de futebol que sofrem agressões racistas; são pessoas e trabalhadores comuns (negros), sujeitos a tratamento desigual; são outros cidadãos, sempre negros, que são presos pela polícia, “confundidos” com bandidos, etc. Aliás, basta verificar se cidadãos loiros são presos, por “engano”, no lugar de outras pessoas. Isso praticamente não ocorre. Porém, como bem apontou o cantor e compositor Martinho da Vila, em recente artigo publicado no jornal “Folha de S. Paulo” (02/03/2014), no Brasil, sempre que ocorre um roubo, desde que não seja desvio de dinheiro público, um negro é o suspeito. O mito da democracia racial provou não ser mais do que um mito, uma fantasia, que serviu para anestesiar, durante séculos, o enfrentamento desse grave problema nacional. A ideia aqui era que as relações raciais no Brasil seriam menos opressivas do que a de outros países – como os Estados Unidos -, por razões histórias e culturais, como o elevado índice de miscigenação. Contudo, no Brasil, de forma dissimulada, vigora um verdadeiro apartheid social, que relega aos negros, pardos e mulatos as piores posições dentro da sociedade. Não é preciso ir longe: basta dar um giro pelos condomínios e shoppings mais elegantes das capitais, restaurantes mais sofisticados, ou boas universidades públicas, que veremos uma população totalmente europeizada; nesses locais, os negros estão confinados aos serviços de limpeza, segurança, etc. Disso decorre outro grave problema: de tanto conviver com essa desigualdade sócio-racial, o brasileiro mediano perdeu a capacidade crítica, passando a considerar natural e normal que os negros ocupem as posições subalternas da sociedade. Ninguém acha estranho que uma mulher negra seja empregada doméstica, e nunca uma promotora de justiça ou juíza de direito; que homens negros possam ser seguranças, trabalhadores braçais, mas não diplomatas ou procuradores da República, etc. É preciso dizer que nem todos são racistas, porquanto os racistas brasileiros odeiam ser taxados como tal. Quando são pegos com a boca na botija, saem-se logo com argumentos e expressões bem surrados, do tipo: “não sou racista, pois tenho vários amigos negros”; “imagine, tenho até uma bisavó que era negra”, etc.

            As teorias raciais, em geral, têm origem na eugenia, uma ciência que cuida do aprimoramento da raça humana, e que teve seu auge no período nazista. Para os eugenistas do nazismo, os russos, poloneses e ucranianos, embora muito brancos, eram considerados uma “raça inferior”. As coisas não paravam por aí, não. Caso vencesse a guerra, e superada a “questão judaica”, Hitler tinha planos para promover um grande expurgo racial em toda a Europa, separando os “povos inferiores” dos arianos, a começar pela França, onde grande parte da população (principalmente os latinos do sul) não era considerada de “raça pura”. Este é mais um dos exemplos da estupidez a que se pode chegar, com base em falsas teorias raciais. Muita gente achava que, com o tempo, a Humanidade iria evoluir e superar essas questões, mas os incontáveis (e maus) exemplos a que temos assistido vêm demonstrando que não, o mundo ainda não aprendeu que os seres humanos são iguais, independentemente de cor ou raça. Lamentavelmente, diante das crescentes manifestações racistas, por um instante, ficamos com a impressão de que pouco adiantou a luta de lideres como Mahatma Gandhi, Martin Luther King e Nelson Mandela, entre tantos outros. Algo tem de ter feito já; afinal, como dizia o filósofo irlandês Edmund Burke (1729-1797), para que as coisas fiquem piores, basta que os bons não façam nada.

João Francisco Neto

Mestre e doutor em Direito Financeiro (Faculdade de Direito da USP)

[email protected]