O que se perde com as mudanças que se perdem.

Um outro dia, conta a história, um senhor idoso de aparência serena, apesar de sua  simplicidade no vestir e no falar, conversava com uma criança sobre a realidade sua escola. O senhor admirava a desenvoltura com que aquela criança fala sobre o dia a dia da sua turma. Ali, ele falava de forma empolgada sobre as peripécias que ele e seus colegas praticavam na sala, suas peraltices, suas saídas, suas respostas para cada questionamento... O senhor, sem querer ser indelicado, fazia tudo para melhor entender o que a criança falava e, para ele, tudo parecia muito diferente de sua experiência de suas vivências, de suas posturas. Aos poucos o garoto foi percebendo que o senhor ficava calado à medida que a prosa avançava.

- Por que o senhor ficou calado, sério. Eu disse alguma coisa errada

-Não pequeno, eu me perguntava aqui aos meus botões, onde fica a sua professora enquanto vocês fazem toda essa farra.

-Ora, ela está na sala, gente apronta porque sabe que ela não fica brava e, se ficar, a gente inverte a história e conta pra diretora que foi ela quem começou tudo.

-Como assim, se ela for considerada culpada pode ser punida.

-Que nada, mas se for vem outra que por não nos conhecer, aí fica mais difícil descobrir que nós é que mandamos no pedaço. Escola é assim: eles são obrigados a nos aguentar, pois se a gente não quiser mais ir, o pior vem para o nossos pais que ão ser chamados e até punidos pela policia, pelo conselho tutelar, pelo bolsa família... um bocado de leis bem legais que dão a nós muitos direitos.

-E se a escola for de ricos, então os meninos agem de forma correta porque ali, o ensino é mais puxado, e os professores são mais rigorosos. Lá com certeza, as crianças agem dentro do respeito...

-Que nada! Lá, é mais fácil enganar, é mais fácil aprontar, porque a escola é paga e os pais exigem da escola, que seus filhos aprendam sem ser constrangidos, os repreendidos... Não estudo lá mas tem uns moleques ricos que saem com a gente e contam, lá a coisa é pior.

-Como pior do que o que vocês fazem, pode ter coisas piores.

-Ah, como é possível, uma criança enganar a professora, que está ali só para ajudar a aprender, como termina tudo isso, se a professora não é respeitada, quem vai colocar ordem nas coisas dos jovens.

-Não moço, o que eles fazem não é nada sério não. Eles ligam o celular, eles enfiam um grampo nas tomadas, eles apagam a lu para os colegas caírem, eles trocam as provas na hora que percebem que não sabem de nada, dizem que estão com vontade de ir ao banheiro e lá deixam a torneira aberta para culpar a servente, jogam o rolo de papel na privada, tiram as pilhas do controle da TV para não ter aula, tiram foto da professora quando está brava e colocam nas redes sociais. A diretora para atender aos pais, demite a professora. Aí é bom porque vem outra boba que já vem sabendo que não pode contrariar a turma, que não impedir que eles façam nada, senão será mandada embora também.

O senhor, preferiu considerar que aquele papo, precisava ser encerrado, porque a cada trecho da conversa, a criança ia mostrando para o velho interlocutor, que tudo mudou entre a criança, a escola, a família, a sociedade e os desencontros que ele estava percebendo entre o garoto, que representa o hoje e o idoso  que está se sentindo “desatualizado”.

            Considerando que esse trecho reflete uma conversa entre pessoas de idades e realidades diferentes, os dois personagens se descolam do plano real e ficam como que pedaços de um tecido de memória que traz retalhos de situações fictícias ou reais que ilustram a crônica daqueles que se sentem “deslocados” quando assistem a um fato ou problema envolvendo respeito ou a falta desse; escala de valores ou valores invertidos. É possível que se reportem a um questionamento pessoal que vem sendo objeto de um tema em discussão, o que tem norteado o eixo: onde estão os pais de hoje. Como recuperar valores que se deterioram a cada dia; como atualizar agendas entre pessoas de gerações diferentes, cada um com o seu modo de ver a agir.

            Surge um novo posicionamento: as crianças estão além dos pais em termos de reflexão, informação, raciocínio lógico e informações. Então seria ocaso de reconhecer que os pais é que estão despreparados para lidar com os filhos. Na escola, seriam os professores o que precisam acompanhar o ritmo da criança de hoje que tem a cesso a um rol de informações que faz deles um ágil pensador, um reflexivo protagonista de uma história de sucesso por conta da dos avanços da tecnologia.

Ora, se prevalece que as crianças estão à frente do nosso tempo, os adultos, pais, professores e cuidadores precisam refazer o seu caminho de volta para poder igualar-se às crianças... Em torno da questão, confira-se o tema deste reflexivo: o que se perde com as mudanças.  

Em quaisquer situações em que é preciso inovar, retomar pontos básicos, atualizar-se, repaginar-se, inovar-se, adaptar-se para sobreviver, necessário se faz uma avaliação entre os custos e os benefícios que esta ou aquela ajuste vai custar. Se o homem foi capaz de evoluir, por necessidade ou por ânsia de poder, atropelando tudo o que possa vir a ser impedimento de avanços, ele teria esquecido o preço que terá que pagar pelas novas conquistas em detrimento de estruturas consagradas que serviram de sustentação para a espécie humana, ao longo de tantas gerações.

Diante de tantas questões em aberto  a respeito das diferenças marcantes entre o comportamento das criança de um passado não distante, comparado com o quadro atual, há de se reconhecer que muito mudou. Essas mudanças têm influído definitivamente nos conceitos que se faz entre a capacidade de raciocínio lógico e a desenvoltura cm que a criança cibernética reage; da maneira como ela enfrenta  determinadas situações que envolvem o uso das tecnologias, surpreende a todos. Que fantástico! As crianças de hoje não se sujeitam a julgamento de seus superiores, eles são auto-suficiente em buscar soluções para os seus conflitos. E como buscam, onde buscam, com quem buscam.  Conflitos!!! Há registro de situações e que o garoto no dia a dia de sua escola, não sabe lidar com dificuldades, mas reage como se não tivesse que dá conta dos limites. Agem como se bastassem, como se respondessem por si mesmo. Mas quando a situação foge do seu controle, ele não é mais o garoto preparado, do garoto que sabe respostas... e se torna o indefeso menino que recorre aos pais para que venham em seu amparo.

Aí surge o primeiro embate: eles são preparados ou são tão fracos eu preferem não refletir sobre os seus atos, suas consequências e de que forma serão pontuadas alternativas e possiblidades de solução. Os pais, travestidos de uma autoridade questionável, se presentam como verdadeiros defensores dos direitos dos seus filhos. Ah, aqueles mesmos filhos que em casa decidem o que comem, o que fazem, quando dormem, quando se recolhem, quando estudam, quando desafiam a natureza social se achando  “ o rei” da situação, raro quando não usa a autoridade financeira do pai, a quem cabe puni-lo quando erra; ou a desautoridade da mãe quando não participa das decisões que envolvem, ou que deveriam envolver a sua educação, a sua verdade, o seu futuro.

Se as crianças evoluíram tanto, a ponto de se nos distanciar em todos os aspectos, em todas as escalas de valor, em todos os comportamentos, hábitos e práticas educativas, isso implica reconhecer então, que os adultos que estudaram, que “evoluíram” e que elaboraram todas as pautas de estudos, pesquisas, evoluções e revoluções precisam rever suas práticas, suas posturas, seus discursos, seus valores, sua história, sua família...falharam e perderam o rumo da sociedade e de sua preservação, nos moldes a que estamos habituados a agir e reconhecer.

Alguns pais atribuem o seu fracasso no processo de educar, exemplar, punir, se for o caso, à velocidade e ao volume de informações e conhecimentos que a juventude adquiriu à frente do seu tempo. Há de se respeitar esse raciocínio,porém, reconhecendo que a crianças pensam mais rápido e melhor que os adultos, entregam-se os pontos. Tudo cai por terra, sim, porque as crianças que hoje são consideradas os gênios do presente e os agentes do futuro, todos os fracassos, medos, frustrações, dependências, depressões, suicídios, isolamentos que ficam entre a infância e a vida adulta irão seguramente comprometer o futuro dessa geração que sabe tudo sobre “esquemas”, jogadas e armações, mas desconhecem o valor de um “não” dado por um pai, como um alerta diante de um risco iminente; de uma severa repreensão, a título de educar, de um decisivo “faça o que eu mando, sem discutir”... Esses pequenos “aprendizes” não incluem em seus vocabulários e repertórios, o respeito pelo outro, o respeito pela vida, a importância do trabalho, a força da honradez, a estrutura da ética e dos princípios morais.

Há de se estabelecer um hiato entre os resquícios da formação dos velhos pais e o quando esses garotos de hoje forem pais. Ter-se-á uma geração perdida, um vácuo entre o que deu certo, o que resta e o que há de vir.

 Algumas perdas serão registradas. Alguns prejuízos serão reconhecidos como lapso da história que não tem retorno, mas não dá saltos que possam suprimir falhas humanas que deformaram o ser transformando-o em espectro de uma sub-raça que não valorizando os valores do humano, pulam de satisfação, reconhecendo uma inteligência artificial em detrimento daquela inteligência emocional que resulta de relações, de afetos, de contatos, de reconhecimentos, de afagos que o tempo não afoga, não abafa, são sufoca.

É chegada a hora da verdade: deixa as crianças soltas, rebeldes, independentes, sem frustrações nem constrangimentos, amargas, desconfiadas e inseguras, frias e calculistas, futuros gênios da insensatez ou temos que reagir e decidir quem dá a última palavra, que decide o que deve ser feito, lido, ensinado, aprendido, realizado, confirmado, reafirmado, feito, refeito, desfeito, com o único propósito: devolver aos pais, a exclusiva responsabilidade de gerar, orientar, formar e forjar homens e mulheres que dignifiquem a espécie humana, um dos maiores projetos da história divina na terra.

* Sebastião Maciel Costa