O QUE PRETENDEM OS REVOLUCIONÁRIOS DE ESQUERDA NA VISÃO “CONSERVADORA” DE ROGER SCRUTON, RAYMOND ARON E OLAVO DE CARVALHO.  

Por Werner Leber

 

 

Quando tudo o que hoje se escreve no Brasil tiver se desfeito em farrapos, quando até mesmo os melhores tiverem se tornado apenas verbetes de uma enciclopédia jamais consultada, as palavras de um pensador brasileiro ainda estarão vivas para mostrar, sobre as ruínas dos tempos, a perenidade do espírito humano. Ninguém neste país ergueu mais alto o estandarte da inteligência nem levou o pensamento de língua portuguesa mais perto de uma universalidade supratemporal do que o filósofo paulista Mário Ferreira dos Santos -1903-1968 (CARVALHO, 1997, p. 63).  

 

PALAVRAS INICIAIS

 

Colocar três autores desse porte em um só texto para uma análise sumária sobre como eles analisam as teorias políticas da esquerda não é muita pretensão? Certamente que é. Porém, não o faço porque me considero um genuíno exegeta das primorosas e fecundas ideias deles. Longe disso. Mas sim porque, pela profundidade com que elaboraram seus tratados a respeito da esquerda, leva-me a considerar que as investidas desses autores é o que temos de melhor para contrapor ao imenso desiquilíbrio que está ideologicamente favorável às posições políticas da esquerda mundial (o globalismo), e também para desmistificar algumas versões que se encontram em nosso dia a dia sobre essa temática. Refiro-me, como é notável,  ao que atualmente entende-se por conservadorismo e progressismo, como se o primeiro termo sempre estivesse ligado ao abominável, o abjeto “direitismo” que deve ser varrido do mapa, e o segundo, representasse a libertação da opressão, ou seja o benéfico e admirável mundo novo, livre da opressão, da miséria e de todas as mazelas que historicamente marcaram as gerações até nossos dias. Que sonho lindo a esquerda nos traz! Pena que seja falso. Quero lembrar, logo de início, que considerar as ideias políticas de Roger Scruton, Olavo de Carvalho e Raymond Aron “conservadoras” já constitui uma concessão indevida aos termos dos analistas e intelectuais da nova esquerda sobre aqueles autores. Veremos mais adiante que as acusações que a “esquerda libertadora” imputa à “direita retrógada e opressora” é feito por um arranjo de linguagem, um artifício intelectual que Scruton (2017; 2018) denomina “Novilíngua”. Trataremos mais adiante as implicações desse problema e o porquê de Roger Scruton empregar este termo para definir a forma como os intelectuais da esquerda ou na nova esquerda se referem ao que em geral se considera conservadorismo. Uso o termo “conservadores” apenas pragmaticamente. Esclareço que não concordo com a forma que eles são empregados pelos intelectuais de esquerda passada e presente (Althusser, Derrida, Lacan) e, por extensão, por todos e todas que comungam explícita ou implicitamente daquelas assertivas com esta respectiva conotação. De modo direto, dizer que Carvalho, Scruton e Aron são conservadores equivale, na perspectiva senso comum da linguagem ligeira, a estabelecer uma diferença qualitativa, entre o socialismo e o capitalismo como se o primeiro representasse o Bem, ao passo que o segundo, o Mal. Desse modo, por extensão, transformando em malignos, em ditadores e opressores todos que ousam pensar diferente das fileiras intelectuais libertárias e humanistas majoritariamente presentes no meio intelectual e artístico de quase todas as partes do mundo – o marxismo como aporte intelectual (CARVALHO, 2012). Por linhas muito diferentes, na mesma época em que Marx redigia seu O Capital, Nietzsche já apontava os erros dessa simplificação grosseira, em Sobre Bem e Mal: visão Extemporânea. Mas ouse dizer que isso é um messianismo muito antes de ser uma construção racional e avaliada com equidade? Ora, que Maniqueísmo é esse!

 

MANIQUEÍSMO CONCEITUAL

Alongarei ainda um pouco minha breve exposição sobre essas diferenciações não simplesmente porque elas não possam existir. Em um sentido diferente do acima mencionado, é óbvio que existem e se justificam. Todavia, seu emprego da forma usual e corrente que constamos atualmente está de antemão torta e cheia de intenções que indicam um quadro caricato. E engana-se quem pensa que essa é uma questão menor. Com meu texto, tenho o propósito de apontar que esse embate não está em vias de se esvair, mas bem ao contrário, está crescendo. E mais do que isso: por trás disso estão as ideias de esquerda, ainda que seus adeptos não confessem, muitos deles às vezes nem saibam, e outros mais finjam não saber.[1] Não concordo quando os socialistas (globalistas) utilizam a expressão “conservadores” com o propósito de diferenciar pensamentos e pressupostos ditos liberais ou neoliberais dos pressupostos marxistas ou globalistas, estabelecendo uma hierarquia fraudulenta. Como ironizei acima: que Maniqueísmo seria esse? Nesse caso, os globalistas (socialistas) utilizam aquela expressão “conservadores” com o firme e claro propósito de conferir aos primeiros (os liberais) o rótulo de ditadores e opressores da humanidade, enquanto aos segundos caberia o oposto, isto é, representar aquilo que a vida política e econômica tem de melhor a oferecer à humanidade: a liberdade, a paz e a justiça social. Como se de um lado estivessem os terríveis liberais, a esquadra do Mal, donos do grande capital auferido de modo ilícito às custas da exploração do trabalho proletário. E do outro, a esquadra do Bem, defendendo a humanidade ao trazer o socialismo, ou seja, a igualdade, a justiça e a paz entre os povos.[2] Não é um quadro perfeito dos filmes de Bandido versus Mocinho? Ambas as representações, desse modo aligeiradas, são falsas e não passam de caricaturas grosseiras. Mas a apropriação do primeiro modo que apontei acima, foi e é amplamente utilizada nos meios mediáticos em geral para se referir às obras de Aron, Carvalho e Scruton e seus legados. Aos defensores do socialismo em nossos dias, é muito natural que enxerguem as coisas como acima descrevi. Eles falam tanto em denunciar a “naturalização das diferenças sociais” que, segundo eles, as teorias sociológicas conservadoras sempre mantiveram estrategicamente em evidência, que nem questionam esse problema, quando o caso se aplicaria aos seus círculos. Naturalizaram algo que é apenas conceitual e interpretativo. Caíram no que sempre imputam aos seus adversários da direita. E zombam de todos que ousam discordar e pôr em xeque aquelas diferenças ontológicas, grosseiramente estabelecidas. Grosseiramente, é um elogio. O mais adequado seria dizer explicitação acrítica de uma acefalia autorreferida. E consideram-se os denunciadores dos abusos fascistas da direita e isso e aquilo e bum e bum e bum. Nessa mesma perspectiva estão também de acordo que os três pensadores que analiso, não são só conservadores, mas velhos caducos e ultrapassados, dignos de serem varridos para a cova do ostracismo. E se não isso, então são “revisionistas perigosos e reacionários”, uma espécie de detratores da verdade contida na justiça da esquerda – a boa nova anunciada aos profetas do socialismo -, que veio trazer a harmonia eterna a esse vale de lágrimas, usurpado pelos terríveis capitalistas, oligarcas, opressores e fascistas.[3] Penso aqui agora em nossas redes sociais, sítios eletrônicos, Blogs e nos jornais de nossa tevê aberta. Ora, esse quadro que descrevo é bem caricato também porque é tão somente a mesma coisa que disse antes, com outros agentes. Qual indignado não fico eu e muitos outros ao perceber que esse quadro patético não é uma exceção, mas a regra em nossos meios virtuais de comunicação, as tais redes sociais e seus congêneres.[4]  Nesses meios tecnológicos e virtuais, dos quais já não conseguimos escapar, não é difícil ver gente simpatizante de “ideias revolucionárias”, implicitamente autointitulando-se reservas intelectuais e guardiães da pureza original do legado marxista - o politicamente correto; a novilíngua da nova esquerda. Zombando com ar de superioridade quando alguém fala em Bacon, em Mises, Orwell, em Descartes, em Platão ou diz algo de Olavo Carvalho. Bem, desse último então, sobram todos os adjetivos desabonadores do mundo. E esses impropérios são quase sempre desferidos por gente que nunca sequer leu um linha de suas obras. Valem-se de alguma vociferação mais raivosa que o Olavo tenha feito pelo YouTube e pronto. Esse é o pensamento crítico da esquerda mediática: julgar as ideias políticas e filosóficas de uma pessoa pela roupa ou por algum comentário infeliz. Mas quando os seus pares se expressam de modo equivocado ou apelativo, estão sempre prontos a bancar os apologetas da companheirada.[5]

Tal perspectiva é também facilmente constatada em jornalecos e panfletos com foice e martelo estampados em suas capas e distribuídos em escolas e outros pagos.  Foice Martelo pode; mas Bolsonaro não. Fazer apologia de bandeiras leninistas e stalinistas pode. Mas faça o mesmo em relação a Hitler? Existe lei que o proíba. As medidas adotadas têm pesos e medidas diferentes porque o establishment político mundial é de esquerda. E não só a esses três pensadores que aqui menciono são endereçados os títulos de conservadores em sentido depreciativo, mas de modo geral a todos os pensadores considerados liberais, ou a todos e todas que ousem discordar daqueles entabulamentos que a esquerda delineia. A implicância da mídia com dois ministros de governo de Bolsonaro na atualidade, para ficar em um exemplo sintomático, o caso de Salles e Weintraub, se dá muito mais porque eles não se afinam com o discurso “libertador” do progressismo político que propriamente por suas ações na pasta ou por suas possíveis incompetências. O mesmo ocorre com Damares Alves, que é mulher, mas não mulher “progressista” no sentido de dar vazão às teorias libertárias do feminicídio, da defesa do aborto, empoderamento feminino e outras coisas que compõem o corolário dessas fileiras. Ela “não serve” para fazer Marketing à causa feminista em sentido “engajado libertador”. Ela é apenas uma Ministra, simples e discreta, querendo dar conta das demandas de sua pasta e não uma militante. Daí se segue que recebe todo tipo de críticas, é atacada pelos movimentos sociais progressistas e “antifascistas” com os mais variados e indecorosos adjetivos. Mesmo sendo uma pessoa muito bem avaliada pelos olhos internacionais por seu simplismo e seu total desapego às modas políticas, atingindo inclusive as camadas mais populares que antes votavam na esquerda.[6] Talvez seja esse mesmo o problema. Os “revolucionários” da esquerda radical consideram-se a si mesmo especialistas em entender as massas. Não suportam que uma pessoa simples, que nunca mendigou os holofotes da imprensa, consiga ter sucesso e atingir camadas da população para as quais, conforme os esquerdistas, ela não teria competência. O que é isso, afinal? Para mim, escrachado preconceito, no mínimo. Mas ouse dizer isso! Ouse questionar, por exemplo, cotas étnicas para os mais variados concursos, discordar de termos como “lugar de fala”, feminicídio ou Bullying? Ouse, como faz a ministra Damares Alves, tratar o problema LGBT sob uma ótica não favorável ao establishment do globalismo internacional? Não estou a dizer que esses assuntos e problemas seriam irrelevantes, ou que não mereçam consideração. É óbvio que são temas importantes e que devem receber atenção política pela incisividade que tem.[7] Estou, isto sim, dizendo que as respostas a esses problemas já estão quase sempre determinadas por quem se julga de posse de teorias melhores, mais bem fundamentadas, de princípios mais eficazes para descrever e apontar as raízes desse problemas bem como também trazer a solução.[8] Estou dizendo que, apesar do problema ser real e merecer atenção dos governos, foi encapsulado por uma ideologia de esquerda, que não permite de forma alguma que se pergunte ou faça alguma consideração a respeito, diferente do que já está implicitamente pré-determinado, e que assim deve ser aceito.[9]  Ainda mais agora, quando se constata a crise da democracia liberal, que é em essência um projeto político do velho liberalismo em sua versão mais recente, o neoliberalismo e a social democracia, cujas raízes se encontram na formação dos Estados Modernos europeus, que também seriam os responsáveis pelo surgimento e fundamentação jurídica e estamental do capitalismo (CASTELLS, 2018). Bem, no que diz respeito à crise de representação da democracia liberal, isso não pode ser ignorado. Há, certamente uma crise na democracia e na forma liberal de governar e pensar a economia e os negócios mundo afora. O mundo mudou e tornou-se uma aldeia conectada. Sem poder comentar, mas apenas frisar que nomes como, por exemplo, Alan Touraine, Sigmund Bauman, Norberto Bobbio além do próprio Roger Scruton não se deixaram sem testemunhas sobre a crise da democracia liberal e o possível fim do Estado-Nação. Todavia não é este o problema que analiso, pelo menos não diretamente, ainda que sua importância seja clara e capitular.

Voltando ao tema, por trás do emprego do termo “conservadores”, quando assim utilizado por eminentes marxistas aferrados ao messianismo que a teoria comunista traz consigo, ou quando vemos e ouvimos blogueiros e jornalistas sempre ávidos por fazer marketing de si mesmo nas redes sociais,  implicitamente e ás vezes até sem pudor algum autoproclamando-se “progressistas”, evidentemente existe aí então um só propósito: denegrir e ofuscar qualquer ideia que não esteja na ordem majoritária das ideias correntes progressistas – o politicamente correto - que de antemão devem ser antiburguesas e antiliberais, denunciando o fascismo brasileiro recente, pouco importando o quanto dessas ideias correntes sejam só senso comum de folhetins rasos ou de mídia ligeira. Tornou-se uma alcunha amplamente aceita e assim divulgada por onde se esteja, e em várias partes do mundo. Por essa razão, deixei o termo entre aspas. O que está por trás dessa alcunha não é pouco. Uma exegese meticulosa ou um escrutínio minucioso levaria muito tempo e não sinto-me a altura de levar esse empreendimento ao lugar que mereceria. Não sou um Manuel Castells, um Pascal Bernardin ou Raymond Aron. Não é o tempo que me falta, mas a profunda competência e a enorme erudição que um trabalho de tal envergadura exige e merece. Quero tão somente valer-me de umas poucas indicações destes três “conservadores” e mostrar por meio deles que o emprego do termo revolucionário, progressista, libertário, inovador, democrático ou algo que o valha, quando empregado no sentido de opor-se ao pensamento liberal tão somente para o desqualificar e assegurar a superioridade do primeiro, torna-se falso e cheio de armadilhas, de truques, de falácias, de contradições imensas. E mais do que isso. Muitas das vezes, essas ideias libertárias, inovadoras, humanistas, não passam de programas ideologicamente muito piores que aqueles aos quais supostamente querem se opor, e pensam que de fato se opõem.[10] Mas diga isso aos defensores do politicamente correto de nossos blogueiros profissionais e seus seguidores apologetas, para ver como reagem feito conversos, cheios de termos prontos a mostrar que você é anátema da humanidade.[11]

Todavia, o termo “conservadores” se justifica amplamente quando empregado de maneira diferente, Por exemplo, quando se constata o eminente colapso dos pressupostos políticos que formaram os Estados Nacionais, os Estado-Nação, como o faz Castells (2018) ao apontar “[...] a autodestruição da legitimidade institucional pelo processo político” (p. 26), por meio de campanhas difamatórias que visam tão somente implodir a democracia liberal colocando em seu lugar um grande poder – o globalismo – mantido exclusivamente pelo “[...] terrorismo global: a política do medo (p. 29). Se considerarmos que Locke, Ricardo, Adam Smith, Hobbes são os pais de um modelo político de Estado que agora dá os últimos suspiros, então seria aceitável considerar estes pensadores conservadores em relação ao pensamento globalista. Mas note, conservador nada tem pior ou melhor. Não se trata de hierarquizar e julgar valor interno das ideias.  E mesmo Scruton (2017, p. 70) emprega o termo “conservadores britânicos” para tratar de uma situação do século XIX da era vitoriana, quando a compara à situação dos trabalhadores do século XX. Mas nesse caso, o termo “conservador” como no caso mais acima, não surge contraposto de modo pejorativo ou inferior a outras possibilidades. O termo surge na fala desses autores como uma maneira demarcar diferenças, e não para glorificar um lado e demonizar o outro.

 

CONCEITOS ENVIESADOS: INGENUIDADE OU VIGARICE? 

Não poucas vezes, como veremos nos parcos excertos de Olavo de Carvalho, de R. Aron  e de R. Scruton que vou citar, os esquerdistas e libertários, em um sem-número de vezes, estão presos a conceitos ultrapassados de esquerda e de capitalismo que quase não percebem o que estão a fazer, ainda que estejam com o dedo em riste, sempre denunciando as ideologias dos “outros”. As suas, bem essas, “não existem” porque eles professam a mais genuína teoria da história, revelada a uns poucos profetas materialistas como Marx, Engels, Feuerbach e Lenin, que incorporam por uma catarse mística e que os dota de nobreza ao mesmo tempo que confere-lhes a  missão de libertar a pobre e oprimida humanidade da tirania liberal conservadora.    

Ademais, evidentemente que aqui apenas expresso uma breve opinião, valendo-me de umas poucas passagens das obras destes três autores, cujos legados eu considero bem mais significativos e importantes que nossa intelectualidade acadêmica está disposta a aceitar. Daí se segue que apenas delineio aqui uma pequena análise, bem precária e cheia de lacunas, a respeito das ideias que esses autores têm divulgado, e que contrastam com a ideias  revolucionárias e libertárias, assim consideradas por um amplo universo de público, do letrado ao que apenas segue o fluxo da boiada.  De um modo geral, de analfabetos funcionais a jornalistas, juristas e professores universitários, está cada vez mais claro entre a opinião corrente desses círculos que as ideias marxistas, gramscianas permanecem como modernas, inovadoras e democráticas, ao passo que todas aquelas que não estiveram em consonância com estas, configuram-se como retrógadas, perigosas, fascistas, opressoras, imperialistas e sei eu quando adjetivos desabonadores mais são ali enfileirados. De modo direto, quando a opinião corrente e ginasiana que ocupa nossos folhetins políticos emprega o termo “conservadoras” para referir-se às ideias dos autores aqui mencionados ou de outros de mesma matiz, com raríssimas exceções,  o que explicita ou implicitamente se quer dar a entender é o sentido de “atrasadas, “ultrapassadas” e “ditatoriais”, defensores de ideais incompatíveis com a democracia e a cidadania.

Saindo um pouco de rota, nossos jornais televisivos, aqueles para a massa, tratam tudo de modo parcial. Um desaforo gritante é a facilidade com que associam o termo “ciência” a borboletas, montanhas, minhocas, flores e rios, como se ciência se reduzisse à fisicalidade naturalista. Isso é parte da ciência, é muito fácil verificar que as crianças adoram esses cenários. Está errado? Não, claro que não. No entanto, é fácil apresentar o “óbvio”. Difícil mesmo é apresentar a verdade das relações e suas complexas elaborações. Desse mesmo modo, sem qualquer crítica mais aprofundada, surgem os termos “vacina” e “ciência” agora em tempos de covid-19. Precisamos de critérios científicos, ouve-se. Ok, eu concordo. Mas de que ciência, pergunto eu? Pois, tanto os próprios cientistas, químicos e médicos, como os filósofos e epistemólogos estão convictos de que nada é mais confuso que aquilo que se quer dizer quando se emprega o termo ciência. Mas diga isso a um sem-número de pedagogos e pedagogas, que agora estão com a bola toda! Aquele famoso livrinho de Thomas Kuhn, que veio a público em 1963 - Estrutura das Revoluções Científicas - nunca foi devidamente apropriado para ser ensinado em nossas aulas de filosofia, a não ser apresentado de modo muito sucinto e empobrecido.  Ali, logo nas primeiras páginas, Kuhn desfaz a ideia comum que se tem de cientistas e de ciência. E mesmo depois de Bertrand Russell, Julia Annas, Edmund Husserl, Karl Popper, Allan Chalmers e tantos outros terem apontado que a ciência nunca foi uma grande unidade, nunca foi uma comunidade de pastores da verdade em sentido mitológico, mas tão somente a ciência é o que funciona dentro da provisoriedade das demandas técnicas, isto é, ciência é o que traz resultados. Portanto, a ciência poderá nos trazer uma vacina, mas ninguém sabe se os métodos até agora usados e conhecidos serão capazes disso. E longe dos consensos que o senso comum pensa existir, os meios de comunicação e as escolas continuam a falar em ciência apenas de modo unidimensional, mais criando um mito que desenvolvendo a capacidade crítica de pensar.  Precisamos de ciência, claro. Mas muito mais da imaginação que de tábuas gastas. A ciência não tem um método eterno, algo que seja fixo e perene. Ela se desenvolve na caminhada arrastando consigo toda sorte de ideias, de dúvidas e de teorias. Os grandes cientistas sabem disso. Os pesquisadores sérios sabem o quão árdua é a missão. E os poucos consensos que se consegue, quase nunca são duradouros. Daí que manter a desconfiança, a humildade e a perseverança, como fazem os abnegados cientistas,  é bem outra coisa que uma caricatura de ciência como salvação da humanidade, apresentado de maneira simplista pela mídia em geral. Mas quem disse que é isso que se busca no ensino, ainda que os documentos oficiais sempre estejam recheados das boas intenções a favor da ciência, da pesquisa, do conhecimento crítico? Faz tempo que os professores e os sistemas de ensino tornaram-se meros executores de atividades ditadas por interesses nem sempre muito claros (RUSSELL, 2000; BERNARDIN, 2013). Aqui no Brasil, sob essa ótica em particular, o positivismo filosófico francês de direita casou-se com as intenções de uma esquerda ideologicamente suspeita e politiqueira.[12] Mas quero então ainda dar outro pitaco. Nunca foi o forte da esquerda o desenvolvimento da ciência em suas várias direções pelos conflitos que daí surgem. Como sabemos, a esquerda detesta divisões que possam alterar a visão de unidade que o senso comum sustenta. Antes que me perguntem, já confesso meu pressuposto aqui: minha suspeita é que a forma tacanha e uníssona de ciência, ou do que seja conhecimento científico, que se divulga nos mais variados segmentos sociais, pelo menos aqui no Brasil, tem o aval da esquerda, explícita ou implicitamente. Aqui o globalismo fincou suas raízes. Percebo isso a cada dia mais fortemente. Pode-se falar em ciência para defender uma caricatura de ciência, um simulacro que esteja a contento do politicamente correto. Precisa-se “politizar” a ciência para causas humanitárias e ambientais, no dizer do analista, seria algo como “aplicação da psicologia social na educação” (BERNRDIN, 2013, p. 33). É claro que é necessário o conhecimento meticuloso para dar conta das demandas que nos cercam neste vasto mundo degradado por ações empresariais e governos omissos, mas a forma como isso chega aos meios de ensino, dá o tom do quanto a esquerda fala em crítica, quando no fundo quer impor um plano duradouro de dominação por meio de ideias previamente gestadas nos centros de inteligência de órgãos como a Unesco, OCDE, Conselho da Europa e ONU.[13] Logo na primeira página de seu texto, Bernardin (2013) comenta a função de organismo coma a Unesco e a dominação psicológica que existe para impor uma maneira única de pensar. Mas, conforme o autor, isso é tratado como uma questão ética que visa “[...] estabelecer uma sociedade intercultural. A nova ética não é outra coisa senão uma sofisticada representação da utopia comunista” (p. 09).  Todos esse movimentos, desde ONGs a partidos políticos de esquerda, por mais que discordem entre si, são todos facetas da esquerda mundial, que muda seus discursos, escapando de termos tradicionais e sempre criticando tudo e todos que não estejam dispostos a lhe fazer concessões.  

 

REVOLUÇÃO E MITO: RAYMOND ARON

Os partidos de esquerda, e todas as associações alinhadas às ideias ditas revolucionárias como, por exemplo, sindicatos em geral e defensores do direitos humanos, via de regra, vivem a alardear sobre a Revolução necessária para derrubar a burguesia, implantar um governo popular que coloque os trabalhadores definitivamente no poder. Quem já não ouviu esse slogan em greves e manifestações? E nunca faltam pessoas comprometidas com a causa, a subir no palanque, tomar o microfone e descer o pau nos capitalistas, nos burgueses, na classe média. Em nome dessa “ideologia pura e necessária” para acabar com a opressão mundial e as classes sociais oprimidas pelo grande capital oligopolista e imperialista, invocam todas a prerrogativas, como invasão de fábricas, de escolas, passeatas com os mais diversos protocolos e do que for necessário para “destruir” a “opressão que o capitalismo exerce”.[14] E mesmo que vivam falando da paz, dos esquecidos, dos desvalidos, dos direitos das mulheres, dos oprimidos, dos sem-teto, dos foragidos de guerra, da proteção das baleias e da natureza, estão sempre convocando atos e reuniões para lutar contra alguém. Não faltam ONGs para isso. E essa luta é sempre contra a polícia, os banqueiros, os monopolistas, a burguesia, os governos, as instituições privadas, o imperialismo e por aí vai. Enfim, sempre há uma causa em vista a favor da qual se deve lutar para manter os ideias revolucionários acesos e suas bandeiras de luta estampadas em todas as esquinas que o mundo tiver. Cabe aqui a indignação em forma de perguntas, assim expressas pelo comentador:

 

As revoluções merecem ser tão valorizadas? Os que assim pensam não são os mesmos que as fazem. Os que as começam raramente assistem ao seu epílogo, a não ser no exílio ou na prisão. Será a revolução verdadeiramente o símbolo de uma humanidade senhora de si, uma vez que ninguém se reconhece na obra resultante desse combate de todos contra todos? (ARON, 2016, p. 48).

 

Uma causa em mente que aparente ser moderna e contra a situação supostamente retrógrada e opressora do presente, contra a qual se coloca como proposta e com discursos de melhorar o mundo e erradicar de uma vez por todas as mazelas que atormentam a humanidade desde tempos imemoriais, é o corolário dessas empreitadas revolucionárias. Mas o mito da revolução permanente precisa ser mantido. Voltando a Aron (2016. 47), lemos o seguinte “o mito da esquerda contém implicitamente a ideia de progresso e sugere a visão de um movimento contínuo. O mito da revolução tem um significado complementar e oposto, alimentando a expectativa de uma ruptura com o ritmo ordinário das coisas humanas”. Provavelmente as teorias que invocavam rupturas sempre existiram na trajetória humana em variadas épocas, mas ficaram muito mais evidentes depois de Revolução Francesa de 1789. Porém, acima de tudo com Marx e Engels no século XIX, depois que estes dois transformaram a economia e a política em um problema messiânico que deveria ser resolvido por uma luta de classes dramática entre burgueses e proletários. E as consequências possíveis desse projeto messiânico são sempre invocadas pelos seus seguidores, que não por acaso, portam-se como profetas daquelas mensagens. Eis a revolução permanente! E esse profetismo chegou ao século XXI, mesmo que a queda do Muro de Berlin o tenha posto sob suspeita, tão forte como sempre esteve e com uma roupagem nova, revestida com termos estranhos e de difícil entendimento para os normais, isto é, para os não iniciados, como indicará Scruton (2018), ao descrever os rede moinhos da novilíngua de filósofos de esquerda como o francês Louis Althusser.

 

A NOVILÍNGUA DA ESQUERDA: ROGER SCRUTON

Como notou o filósofo britânico nos discursos da nova esquerda do século XXI - e que não é tão diferente da esquerda de antes da queda do muro de Berlin - a implantação das ideias revolucionárias precisa de uma língua nova – batizada por ele de novilíngua – e a explica com os seguintes termos:

Devemos o termo novilíngua ao estarrecedor retrato de um fictício Estado totalitário pintado por George Orwell. Mas a captura da linguagem pela esquerda é muito mais antiga, começando com a Revolução Francesa e seus slogans[...] A novilíngua ocorre sempre que o objetivo primário da linguagem – descrever a realidade – é substituído pelo objetivo rival de exercer poder sobre ela. O fundamental ato de fala é apenas superficialmente representado por essa gramática assertória (SCRUTON, 2018, p. 20-21).

 

É importante estar ciente dos termos que foram herdados de defuntas teorias. Podem ter uma aura de autoridade, mas também distorcem as percepções e oprimem a consciência com aquele tipo de “novilíngua” satirizada de maneira brilhante por George Orwell em 1984. O propósito de Orwell ao escrever o livro era mostrar que o jargão desumanizador da marxismo também produz um mundo desumano no qual as pessoas se tornam abstrações e a verdade é um mero instrumento na mão do poder (SCRUTON, 2017, p. 89-90).  

 

O problema é que a novilíngua vem carregada de mistérios, de trejeitos, de insinuações que visam provavelmente somente disfarçar a destruição necessária para implantar o que julgam novo, melhor, a nova sociedade, sem dor e opressão, sem classes. “A novilíngua não apenas impõe um plano como também elimina o discurso pelo qual os seres humanos podem viver sem um” (SCRUTON, 2018, p. 25). Percebam que a novilíngua não quer manter só antigos conceitos marxistas em voga, mas também uma visão de capitalismo, que é evidentemente reducionista e falsa, mas é relevante para deixar o projeto socialista em pé. Contrapondo-se a essa falsa visão propositalmente mantido no jargão socialista atual, o filósofo britânico diz

 

E esse objetivo nunca deve ser esquecido pelos conservadores, que precisam escapar das teorias do século XIX que procuravam tornar as posições por eles defendidas não apenas obsoletas, mas, de alguma maneira, inexpressivas. Precisamos contemplar o mundo com um novo olhar usando a linguagem natural das relações humanas (SCRUTON, 2017, p. 90).

 

Ainda nesse mesmo texto, que agora não é possível destrinchar em seus lances principais, o filósofo britânico aponta que a esquerda moderna e atual, opera com duas frentes sobre as quais despeja inverdades o tanto quanto pode. E o faz encobrindo qualquer possibilidade de discutir seriamente os problemas mundiais, quase sempre aproveitando-se das dificuldades do Estado de Bem-Estar Social, advindas das crises na União europeia em torno das finanças da Grécia, Espanha e Portugal. Como sabemos, já no alvorecer do século XXI e agravadas com a grande crise de crédito de 2008, esses países entraram em colapso financeiro, aspectos também analisadas por Castells (2018). Recentemente, esses problemas geraram, direta ou indiretamente, a saída do Reino Unido da União europeia.[15] A primeira frente, conforme o filósofo britânico, é a própria verdade sobre a economia e sistemas de financiamentos que, se tornada pública, poderia virar um problema sem limites para qualquer Governo da União europeia. E por quê? Simples explicar. Para a esquerda, finanças são só detalhes. Por exemplo, peguemos o caso brasileiro recente sobre a Previdência. “Não existe falta de dinheiro”, ouve-se de defensores de sindicalistas brasileiros, mesmo depois de estar claro que há um rombo gigantesco na Previdência Social brasileira. Lá na Europa ocorre o mesmo. É rombo para todos os lados, mas os governos majoritariamente de esquerda – a social democracia – não podem fazer contas como um neoliberal e mostrar que os gastos precisam ser condizentes com o que se arrecada. Fazer isso é ser “fascista” e conspirar contra a liberdade e contra os estrangeiros. Por que a direita cresce no Reino Unido e na Áustria? E a segunda, e é aí que residem as trapaças da esquerda conforme o comentador, seria a origem do Estado. Mas o que há com o Estado? Deixemos que nosso filósofo fale:

Quando Marx escrevia O Capital e o Manifesto Comunista, parecia natural referir-se à divisão de classes em um estilo bélico. Na visão marxista, o proletariado, que não possui nada além de sua força de trabalho, é explorado pela burguesia que, por ser a proprietária dos meios de produção, pode extorquir as horas de “trabalho não remunerado” das quais se apropria como “mais-valia”. Para Marx, a relação entre burguesia e o proletariado era essencialmente antagônica. [...] Contudo, essa luta de classes eclodiu somente onde os intelectuais foram capazes de fomentá-la – na Rússia com Lênin e na China com Mao, países que não possuíam uma verdadeira classe trabalhadora urbana. As guerras do século XX nos colocaram a par da verdade fundamental de que as pessoas lutarão por seu país e se unirão em sua defesa, mas raramente lutarão por sua classe, mesmo quando os intelectuais os incitam (SCRUTON, 2017, p. 73).  

 

Mas mesmo a esquerda sabendo e percebendo que as coisas mudaram muito desde os tempos de Marx, o dogmatismo revolucionário impede de mudar a tônica. Os mitos, como lembra Arão (2016) precisam ser mantidos, tanto O mito da Esquerda (p. 14), O Mito da Revolução (p. 46) e o Mito do Proletariado (p. 78). Preferem falsear a aceitar que as coisas mudaram e que esquerda hoje não pode mais manter-se petrificada em slogans do passado.[16] A luta anticapitalista posterior ao colapso soviético de 1989-90 pode não mais repetir as palavras de ordem de Marx e das Internacionais dos Trabalhadores do século XIX. Todavia, o discurso básico dos socialistas mantém a ideia central: a sociedade atual deve ser destruída e para isso todos os meios devem ser empregados. Tudo isso por conta de algo que Raymond Aron chamou “idolatria da história” (2016, p. 115). E não precisamos ir longe para perceber que essa tática se encontra em todos os lugares onde asseclas de “ideias de revolucionárias” estejam presentes. Pode até ser mesmo em um jornaleco de esquina, com Foice e Martelo estampado de modo grosseiro, repetindo velhas tábuas de salvação do velho projeto sócio comunista soviético, cubano ou chinês, e aproveitando-se da pandemia coronavírus (crise do covid-19) para ver nela apenas mais uma chance de lembrar das palavra de ordem da revolução necessária.[17] Mas mais uma observação é diga de nota. A palavra “luta” tornou-se um slogan da intelectualidade esquerdista. “Desde os primeiros dias, o movimento comunista lutou com a linguagem e apreciou as teorias marxistas parcialmente porque forneciam rótulos para marcar amigos e dramatizar o conflito entre eles” (SCRUTON, 2018, p. 20). E dessa forma adentramos à arena do discurso da esquerda revolucionária, sempre pronta a varrer do mapa os vestígios burgueses, capitalistas, imperialistas. “Morte aos burgueses”, “morte ao capital” e “morte ao imperialismo” sempre foram e ainda são palavras que facilmente se encontram em qualquer jornaleco ou Blog de adeptos do marxismo e suas variações. Esse foi o protocolo para fazer a Revolução na Rússia, que resultou na URSS e, posteriormente, gerou um bloco de países, nos quais foram praticadas ações de destruição da cultura anterior. Mas a eliminação de pessoas que não comungassem dos novos “ideais revolucionários” nunca é admitida. Sobre isso não faltam exemplos, desde a própria Rússia mesma, como Polônia, República Tcheca, Cuba, China, Coreia do Norte.

 

O PERIGO DO SINGULAR AO VIRAR LEI: OLAVO DE CARVALHO E ROGER SCRUTON

É interessante como as pessoas alinhadas à esquerda (ou ao que dela sobrou de modo transfigurado) aqui no Brasil estão sempre pontos a denunciar as “mortes da terrível ditadura” brasileira de 1964-1985, mas calam-se diante das mortes que El Chê e Fidel praticaram para implantar “a revolução popular” em Cuba, ou mesmo a perseguição recente e eliminação de “inimigos” feitas por Chaves e Maduro na Venezuela. Sem falar dos russo e chineses que, para implantar a verdade do comunismo, trucidaram todos os dissidentes sem qualquer piedade (CARVALHO, 1997; 2012). Diante desse quadro cabe a incisiva argumentação do pensador brasileiro “sem diploma”:

Qual, por exemplo, o direito que um ser humano tem de eliminar do rol dos vivos um outro ser humano em nome da mera promessa de um futuro melhor para a sociedade, sem nenhuma garantia de que, falhada eventualmente a realização da promessa, o morto será restituído à vida? Em contraste com as filosofias políticas antigas, que só admitiam revoluções para a restauração de direitos tradicionais usurpados, todas as ideologias revolucionárias modernas assentam-se na premissa absurda de que a mera hipótese de novos direitos, tão logo enunciada, deva conferir a seus porta-vozes o direito de matar para realizá-los: o direito à revolução torna-se ele mesmo a norma fundamental da qual derivarão todos os demais direitos. E a revolução, sendo o primeiro dos direitos, não tem de esperar que o estado de coisas se torne insuportável: é revolução permanente, empenhada em destruir não apenas um determinado mal, mas todo bem que não seja de natureza revolucionária, isto é, todo o bem que, inalteravelmente, exista desde o começo dos tempos. Assim, sempre que uma revolução terminar em banho de sangue e recrudescimento da tirania (como todas terminam), o teórico dirá que isso aconteceu porque ela não foi suficientemente revolucionária, e que é preciso começar tudo de novo e em maior escala. A mística da revolução mostra que a tendência da modernidade à idealização sentimentalista do mal traz consigo a perda do senso das proporções e o embotamento completo da inteligência moral. (CARVALHO, 1997, p. 25-26).

 

Ora, analisando a intelectualidade brasileira, o autor percebe que esse pressuposto sempre esteve no horizonte de nossos intelectuais, majoritariamente de esquerda desde os anos cinquenta. Mas, como ele pergunta, em nome de que tal revolução visa eliminar quem não pensa do mesmo modo que a ideologia que quer se impor? Cabem ainda aqui as palavras que antecedem aquela citação:

Pois se existe no fundo dessas aspirações insensatas algum núcleo de sensatez que possa validá-las em algum sentido, por indireto e metafórico que seja, é algo que só se pode revelar à luz de princípios universais e de um senso global das proporções; ao passo que, pretendendo-se incondicionais e autofundantes, elas acabam por privar-se mesmo da quota mínima de fundamento e razão que poderiam ter (CARVALHO, 1997, p. 25).

 

Não se trata de não reconhecer que possa haver ideais revolucionários e que eles são necessários e salutares, ou que não se deva lutar por mudanças. Mas essas mudanças precisam acontecer quando as pessoas se sentem assim e não querer que as ideias intelectuais simplesmente se imponham, seja de que forma for, como se certas interpretações econômicas, políticas e filosóficas fossem dogmas infalíveis em nome dos quais vale matar e destruir todos os sinais civilizatórios para fazer triunfar o que é apenas contingente e particular.[18] Nesse sentido o comentador observa que é “[...] o casuísmo, que consiste em elevar um caso peculiar, uma situação contingente, um anseio momentâneo, ao estatuto de norma universal, e em remodelar por ele o edifício inteiro da cosmovisão e das leis” (CARVALHO, 1997, p. 26-27). Ainda dentro dessa perspectiva de quem pensa possuir as verdades que devem ser estabelecidas de cima para baixo, de modo burocratizado e até autoritário, as palavras do filósofo britânico explicam essa fórmula com certo grau de ironia:

 

Dessa forma, parece-me não ser acidental que o triunfo do modo esquerdista de pensar tenha tão frequentemente levado a governos totalitários. A busca da abstrata justiça social caminha de mãos dadas com a visão de que as lutas pelo poder e as relações de dominação expressam a verdade de nossa condição social e de que os costumes consensuais, as instituições herdadas e os sistemas legais que trouxeram paz às comunidades reais são meramente disfarces usados pelo poder. O objetivo é tomar esse poder e usá-lo para libertar os oprimidos, distribuindo todos os ativos da sociedade de acordo com os justos requerimentos do plano (SCRUTON, 2018, p. 27).

 

É claro que o comentador está ironizando a situação. Ele, obviamente, não faz qualquer concessão a esse tipo de assertivas dos pensadores da nova esquerda. Ao contrário, todoo texto de seu livro tem como objetivo, antes de qualquer outro, denunciar o que considera fraude, defendida com afinco por intelectuais que se consideram críticos e libertários. Cabe também comentar uma importante observação em relação aos truques de determinados intelectuais de esquerda sempre utilizaram para não aceitar um debate franco sobre a verdade. Mas antes, sistematicamente, valeram-se de artimanhas que evitam qualquer debate, que evitam qualquer análise de veracidade sobre o que desejam e fomentam, ainda que aparentemente finjam fazer o contrário. E quando o aceitam, o engambelam em um cenário perverso e cheio de ardilosidades nas quais “[...] nenhuma pergunta pode ser feita e nenhuma resposta é oferecida, exceto em termos quase incompreensíveis para aqueles que não renunciaram a sua capacidade de pensar fora deles” diz Scruton, (2018, p. 222). Ele comenta aqui o caso de Althusser, importante e influente pensador marxista francês, e que, segundo o filósofo britânico, encobre o argumento que emprega com uma espécie de dogma cujo núcleo seria autorrevelador por si só, sem precisar aceitar ou defender-se de ideias contrárias. Vai assim o texto:

 

Para conseguir esse novo tipo de verdade, é importante evitar a refutação, mas não como a ciência o faz, cortejando e sobrevivendo aos contra-argumentos. É preciso se esquivar da refutação, para que a verdade no interior do dogma possa ser protegida da malícia contida nas coisas reais. [...] Assim, elogia a teoria do valor-trabalho e pretende estar persuadido de sua verdade. O que faz, então, em relação à extensa literatura que a critica? Exatamente nada (SCRUTON, 2018, p. 222-223).

 

Comentando os arranjos de Althusser com a linguagem - a tal novilíngua -, o comentador britânico continua a mostrar os becos e ruelas em que o marxismo de Althusser está alicerçado. Referindo-se à obscuridade e ao fato de o filósofo francês insinuar que a obra de Marx estaria encoberta como que por algo místico, sagrado, que só poderia ser entendido pelos iniciados, o que equivale a imaginar, pelos devotos que já aceitaram as conclusões por meio da crença. Essa perspectiva de Althusser, o comentador britânico apresenta de uma maneira hilária, quase uma piada, com a habitual perspicácia ácida e humor refinado, digna de gargalhadas: “Leia o Capital, insiste ele (ele, no caso, seria Althusser – grifo meu), olhe para o texto, olhe intensamente para ele, segure-o de cabeça para baixo, de lado, bem alto, mas não tire os olhos deles. Então, e somente então, a grande reversão ocorrerá” (SCRUTON, 2018, p. 225). Alguém já imaginou que a obra Das Kapital (O Capital) de Karl Marx só pode ser entendida por quem se entrega a ela como quem se entrega aos textos sagrados? Se Roger Scruton não abrisse meus olhos, eu nunca teria notado que a dinâmica do materialismo, as forças produtivas do processo capitalista e as relações de poder na ótica de um influente marxista como Althusser, só poderiam ser entendidas se você aceitar as prerrogativas que Marx delineia em O Capital como “crença” antes de interpretá-las.  Nunca imaginei que a máxima de Santo Agostinho, “creio para entender”, pudesse ser aplicada aos “textos sagrados” de Karl Marx. Bem, para um dos mais importantes pensadores marxistas franceses, esse seria um método muito bom, conforme visto. Será que o estruturalismo de Althusser era só um disfarce? Seria por isso que Althusser nunca foi bem aceito entre os marxistas aqui no Brasil? Creio que não. Essa da crença nem Olavo de Carvalho imaginava. E olha que em “Jardim das aflições” ele tratou da Ressurreição de César e de Materialismo Civil.

 

O CONSÓRCIO E SEUS MENTORES: OLAVO DE CARVALHO

Adentraremos agora ao terreno teórico do mais enigmático pensador sobre a esquerda brasileira e mundial, e também o único autor ainda vivo dos três.  De Olavo de Carvalho são dignas de nota obras como O Jardim das Aflições: de Epicuro à ressureição de César, A Nova Era e a Revolução Cultural, A filosofia e seu Contrário, O futuro do pensamento brasileiro e Os EUA e a Nova Ordem Mundial – um debate com Alexandre Dugin, além de artigos vários e materiais de curso para os grupos de estudo que ele orienta. Tem ainda uma ampla publicação de textos jornalísticos que ele escreveu quando ocupava páginas de vários brasileiros, sempre com opiniões incisivas, questionadoras, emblemáticas e críticas e seu sentido mais profundo. Seu alvo sempre foi a ideologia da esquerda e seus partidários. Não obstante sua vasta erudição e sua produção cultural relevante, ele tem um defeito grave, e por isso não é reconhecido pelas cortes universitárias nacionais: ele não tem diploma universitário. E isso é o suficiente para relegá-lo à condição de indigente. A meu ver, ele é, certamente, o mais incisivo autor brasileiro em reivindicar o título de assassinos para os revolucionários de esquerda. Como é um autor atual, às vezes polêmico, porém engajado e participativo em Blogs e Lives desde a Virgínia nos Estados Unidos, onde está instalado, é fácil encontrar vídeos no Youtube apontando que certas frases e, sobretudo, ideias comunistas deveriam ser proibidas, como se faz com as ideias nazistas e seus seguidores. Para Olavo de Carvalho, o protocolo da esquerda deveria ser eliminado por sua proposta mais profunda não buscar a verdade de modo sério e honesto, isto é, lutar por um mundo justo em um diálogo aberto e franco, mas tão somente lutar por um projeto amplo de um Governo Socialista Mundial (CARVALHO, 2012).[19] Conspirar contra a verdade e pôr em descrédito tudo que venha de pessoas não comprometidas com os ideias marxistas, seriam os ideais da esquerda no mundo, conforme seus muitos textos asseveram. Tenham esses ideais se transmutado o quanto for, tenham eles adquiridos os nomes que quisessem, ou estejam revestidos de tintas modernas, mesmo dentro dos Estados Unidos, o brasileiro está convicto de que tudo é jogo de cena para esconder os reais objetivos da esquerda, que seria instaurar um Governo Mundial. Olavo de Carvalho apresenta informações tão excêntricas para quem se acostumou a falar em capitalismo e socialismo de modo comum, que se não pudéssemos ler o ele escreveu, nem poderíamos imaginar que algum ser humano foi capaz de buscar nas sutilezas de textos jamais lidos pela maioria das pessoas, os verdadeiros motivos que fazem a esquerda se manter, e se manter mais viva do nunca. E por mais excêntricas que possam ser certas análises, a forma com argumenta e as respectivas notas nos dão segurança de que ele tem razão.

Alguém em sã consciência imaginaria que uma faceta socialista está entranhada no capitalismo mundial, ajudado propositalmente pelos capitalistas e banqueiros do Planeta?  Esse seria o caso do Consórcio, explicada por ele com os seguintes termos: “[...] uma entidade caracteristicamente supranacional, formado por famílias de nacionalidades diversas, independente e soberana em face de qualquer interesse nacional possível e imaginável” (CARVALHO, 2012, p. 82). Alguém e sã consciência poderia imaginar que o Consórcio existe? E mais, que “o consórcio é a organização de grandes capitalistas e banqueiros internacionais, empenhados em instaurar uma ditadura mundial socialista” (op. cit., p. 79)? Mas os textos são tão bem documentados por uma lista extensa de notas e comentários que fica difícil supor que ele possa ter inventado tudo isso. E aqui estou tomando umas poucas referências, apenas para demonstrar que o “conservadorismo político”, esquecido ou propositalmente alijado do público, está a elaborar.  O que ocorre, segundo o analista brasileiro, é que estamos acostumados a pensar de uma maneira equivocada sobre as intenções da esquerda e sua relação com o grande capital financeiro mundial. Vejamos essa afirmativa:

 

Toda a bibliografia existente sobre o Consórcio atesta que o objetivo dele é a instauração de uma ditadura socialista mundial. Mas pessoas que desconhecessem essa bibliografia, e ademais estão acostumadas a raciocinar com base nos significados usuais das palavras, sem ter em conta a tensão dialética entre estas e os objetos reais que designam, encontram uma dificuldade medonha em entender que capitalistas e banqueiros possam desejar o socialismo (CARVALHO, 2012, p. 82-83).

 

Descontextualizados, os termos acima citados indicariam que o Olavo de Carvalho enlouqueceu, não é mesmo? Mas todo seu raciocínio aqui está inserido em um amplo debate com o russo Alexandre Dugin, que havia feito divisões geopolíticas e caracterizado o tal “consórcio” como um empreendimento capitalista. Carvalho, para mostrar que o socialismo, longe de ser um projeto antigo e esquecido, apenas conhecido por nomes tradicionais, transfigurou-se tanto, assumiu tantas faces que mesmo os habitantes do mais capitalista dos países ocidentais, se não forem devidamente avisados,  passam achar o contrário,  isto é, dar razão ao discurso dos comunistas, dando a entender que o consórcio é um projeto “[...] pró-capitalista, anticomunista, americanista, antirrusso, antichinês e anti-islâmico. Feito isso, estão prontos admitir que a divisão do mundo tal qual a delineia o Prof. Dugin é a pura expressão da realidade” (op. cit., p. 83). Não mudam e mantém os traços sempre rígidos de suas fronteiras demarcatórias, mesmo quando flertam com termos bonitinhos e mais atrativos. Disso eles não abrem mão. Olavo está consciente de que suas teorias despertam desconfianças as mais diversas, seja entre os capitalistas e entre os socialistas. Mas alerta que essa desconfiança só ocorre porque no mais das vezes as pessoas enxergam os objetivos do socialismo (ou comunismo) dentro de conceitos tradicionais, isto é, estatização da produção, restrições à iniciativa privada, controle do mercado financeiro, controle da mídia e por aí vai. Nesse sentido ele afirma: “quem quer que tente fazer isso com a definição de ‘socialismo’ chegará a conclusões que, para o raciocinador mecânico e leitor devoto de mídia popular, parecerão chocantes e aterradoras” (id. Ibid., p. 83). O socialismo teria se sofisticado de tal modo, que mesmo Alexandre Dugin, um socialista e globalista, antigo comunista filiado à KGB não percebeu ou finge não entender, indica Olavo. O socialismo infiltrado nas esteiras do capitalismo global, está tão disseminado que já não precisa mais da propriedade como posse legal, como prevê a lei dita burguesa. O socialismo está acima dela, o que leva o analista brasileiro a dizer que

 

O governo “revolucionário não pode ser um “proprietário no sentido em que eram os burgueses. Estes eram proprietários para a ordem legal, garantidos por ela e responsáveis diante dela. O governo socialista não é um proprietário: é um controlador absoluto, independentemente e acima de qualquer ordem legal (CARVALHO, 2012, p. 85).

 

Por essa razão que, conforme o autor citado, aquelas instituições pertencentes ao Consórcio Mundial, não aparecem de modo claro e natural. Legalmente eles não existem daquela forma, não tem propriedade, não tem certidão, não tem ata, mas estão acima de toda ordem, de toda lei de toda resolução. Preferem ficar veladamente “ilegais”, o que lhes garante penetração no capitalismo sem serem notados porque os capitalistas tradicionais nem sequer desconfiam da existência delas. E passam a ter vantagens sem ter de arcar com os compromissos legais e institucionais, como ocorre com os capitalistas burgueses tradicionais. Desse modo, o Consórcio subsidiou o socialismo e a subversão da esquerda de modo sistemático desde os anos 40, na visão do analista brasileiro. E ele ainda faz outra afirmação que faria qualquer socialista tupiniquim desavisado ou qualquer Trump arrogante morrer de rir. Vejamos: “É fato inegável que a construção do parque industrial soviético, bem como da sua força militar, foi devida substancialmente a dinheiro americano (de membros do Consórcio), que para lá fluiu sem perspectiva de retorno” (CARVALHO, op. cit., p. 89-90).[20] Ainda que no socialismo oficialmente não haja ordem legal acima do Partido, pelo menos em tese, isso não acontece dessa maneira, mas “[...] os socialistas revolucionários têm orgulho em proclamar que é assim”, diz Carvalho (2012, p. 84-85). E continua com seus argumentos contra o socialista Alexandre Dugin, dizendo que

[...] o florescimento industrial da China desde os anos de 1990, e sua transfiguração de favela continental no mais poderoso inimigo potencial dos EUA, seria impensável sem os investimentos dos EUA e sem a autodestruição planejada do parque industrial americano. [...] Os russos, responsáveis maiores pelo advento do comunismo, foram tratados nas últimas décadas com uma generosidade escandalosa, e ainda reclamam de que, extinto o regime assassino, não ganharam tanto dinheiro quanto queriam, não receberam por seus crimes hediondos o prêmio que esperavam do Ocidente (op., cit., p. 90-91).

 

Penso ter sumariamente apontado como, na opinião de Olavo de Carvalho, a própria esquerda ou seus comentadores e militantes, quando apenas pensam de modo mecânico, e bipolar como ocorre entre nós aqui no Brasil, não se apercebem do que de fato a esquerda é atualmente. Nessa especulação descrita pelo brasileiro, de cuja eu apenas apontei um pequeno trecho, estaria um aporte cultural vindas das ideias de António Gramsci, pensa Olavo. Mesmo que abertamente nenhuma pessoa de esquerda abertamente fale disso. Mesmo que os socialistas de sindicato e seus rebanhos nem sequer consigam pensar sobre isso, os mais intelectualizados sabem disso. As ideias de Gramsci operam em sentido parecido ao do Consórcio. Elas não aparecem abertamente, mas veladamente são a estrutura toda. Assim escreve Carvalho (2014, p. 77): “Gramscismo conta menos com a adesão formal de militantes do que com a propagação epidêmica de um novo senso comum. Sua facilidade de arregimentar colaboradores mais ou menos inconscientes é, por isto, simplesmente prodigiosa” Se Carvalho estiver correto em sua análise, infelizmente para mim e outros anticomunistas, e felizmente para muitos, já estaríamos em uma sociedade dominada pela linguagem e pelos ideais totalitários do programa de esquerda.

Em minha opinião, para a qual ainda não tenho fundamentos mais bem entabulados, já vivemos sob a égide de uma sociedade totalitária no Brasil. Os prenúncios foram dados agora recentemente. Os últimos acontecimentos aqui no Brasil, feitos pelo STF, dão a clara visão de que os princípios civilizatórios liberais, os princípios mínimos de razoabilidade e respeito à individualidade das pessoas, acabou. Bem-vindo ao novo mundo ditatorial russo-chinês. A eurásia de Dugin está viva e o velho comunismo, disfarçado e ainda mais opressor, avança para nos engolir. E não faltam saudadores da nova ordem, certos de que tempos melhores estão por vir quando os últimos vestígios do Estado liberal burguês estiverem definitivamente sepultados. Não consigo estar de acordo com essa perspectiva. E é exatamente por não querer essa dicotomia simples e grosseira que se avizinha, que os autores aqui por mim parcialmente selecionados, levantaram suas bandeiras. Mas eles não as levantaram agora. Aron escreveu seu famoso texto - “O ópio dos intelectuais” - na década de 1950. Boa parte dos tetos de Roger Scruton são bem anteriores à queda do muro de Berlin. Os de Carvalho remontam aos anos de 1980 e 1990, mas já apontavam naquele momento, momento esse em que parecia que a esquerda estava fora de cena, que ela voltaria forte. Sempre foi a intenção de Carvalho chamar a atenção para um projeto mundial dos socialistas, cheio de artimanhas, desenvolvidos pelos asseclas contratados para isso e infiltrados nas sociedades que eles denominam democracia burguesa, contra a qual estão sempre em luta. E, se Olavo tiver razão, como creio que sim, o organicismo intelectual de esquerda, explícita ou implicitamente, é amplamente divulgado pelos estrategistas da educação: os intelectuais dirigentes que executam seus programas através do Estado, ideologicamente aparelhado por suas escolas e, sobretudo, pelas universidades. Desnecessário dizer que essas são ideias do intelectualismo orgânico de Antônio Gramsci, venerado pela intelectualidade “revolucionária” de um sem-número de nossos professores universitários e intelectuais os mais diversos, artistas de televisão e cantores.[21] Sobre esse aspecto, cabem bem as observações a seguir:

 

O número de adeptos conscientes e declarados do gramscismo é pequeno, mas isso não impede que ele seja dominante. O gramscismo não é um partido político, que necessite de militantes inscritos e eleitores fiéis. É um conjunto de atitudes mentais, que pode estar presente em quem jamais ouviu falar de Antonio Gramsci, e que coloca o indivíduo em um posição tal perante o mundo que ele passa a colaborar com a estratégia gramsciana mesmo sem ter disto a menos consciência. Ninguém entenderá o gramscismo se não perceber que seu nível de atuação é muito mais profundo que o de qualquer estratégia esquerdista concorrente (CARVALHO, 2014, p. 78).

Deve ser por essa razão que a maioria dos escritores brasileiros, novelistas, cineastas e estudantes universitários sempre estejam a cumprir um pauta geral mais favorável às ideias de esquerda. No Brasil, temos um eminente sociólogo, que virou o “ópio” de nossos intelectuais.[22] E creio que isso ocorra no mundo todo, sobretudo nos países mais capitalistas do mundo. No entanto, muitos o negam ou não aceitam provavelmente por estarem inconscientes de que participam e ajudam um projeto, uma linguagem, uma estratégia do socialismo mundial. Também por esse motivo, partidos sociais-democratas, partidos de esquerda com o PT e partidos radicalmente da esquerda revolucionária como o PSOL, não aceitam que estejam todos sob um mesmo objetivo. Se dissermos que o PSDB brasileiro é de esquerda, tanto a turma do PT como a do PSOL protestarão, pois se consideram ontologicamente distintos entre si, e ainda muito mais em relação àquele. Mas essa é uma falsa sensação de ambas as partes, pois o objetivo final da cultura esquerdista é desenvolver a grande e sistemática cultura do “gramscismo universal” (CARVALHO, 2014, p. 87).  Em outra passagem da mesma obra, o comentador brasileiro refere-se esse estranho sintoma dizendo que “[...] a esquerda cresce por cissiparidade, ou esquizogênese, dividindo-se contra si mesma para tomar o lugar de quaisquer concorrentes possíveis, que hoje se reduzem a nada” (Op. cit., p. 181). 

Mesmo que as agremiações partidárias de esquerda no Brasil chamem uma a outra de traidora, de vendidos, de burgueses, como a turma do PSOL e a “esquerda marxista” fazem agora com o PT, eles são farinha do mesmo saco. Ou como os sites de esquerda, caso de brasil247 e DCM, que agora resolveram voltar suas metralhadoras contra o PSDB paulista, por mais diferentes que sejam, o PSDB não é um partido neoliberal ou de direita. Mas ouse dizer isso a quem está na “extrema esquerda”! Por mais que a esquerda marxista ache que o PSOL já é burguês também, que Guilherme Boulus tenha se aburguesado, eles cumprem aquele papel de se dividir, mas depois se unir novamente, o que Olavo, ver citação acima, chamou de esquizogênese.   Foi assim que o PT ficou sozinho e sem nenhum partido de esquerda que lhe fizesse frente em 2018. Bolsonaro não era o melhor que havia para o Brasil, mas a única força não de esquerda capaz de encarar os arranjos da esquizogênese.

 

EDUCAÇÃO LIBERTADORA OU PEDAGOGIA LIGEIRA: A ONU E A UNESCO

Um pensador mediano como Paulo Freire, foi alçado ao título de “maior educador brasileiro e do mundo” na literatura pedagógica de nossos pagos. Considerado entre muitos pedagogos como o “filósofo da educação”, quase um príncipe. Para mim, está mais para sapo. Um pensador monumental, um verdadeiro filisteu da cultura e do saber como Mario Ferreira dos Santos, não aparece nos livros didáticos nem em rodapé. Ele tinha uma doença grave: não era comunista. Mas Sartre, Derrida, Foucault, Althusser, Deleuze, Lacan, José Arthur Giannotti, Marilena Chauí, Maria Arruda Aranha, Emir Simão Sader e agora o Jessé de Souza, estão em todas as partes na cultura nacional. Glauber Rocha e Augusto Boal sempre foram mais bajulados por artistas e intelectuais de cinema do que Antunes Filho. Por que será? Peguem documentos protocolares das Secretarias de Educação de nossos Estados. Qualquer projeto político e pedagógico está carregado das insígnias de Freire, senão abertamente, mas implicitamente. O sociointerativismo ou sociointeracionismo é apenas uma possibilidade entre outras e não a Bola de Cristal, o mito, o oráculo de Delfos da Educação brasileira.[23] Mas aqui foi alçado à condição de dogma pedagógico nacional. Bem entendido, Paulo Freire tem seus méritos e não é justo atirá-lo ao ostracismo. Mas ele não é melhor que muitos outros, deixados estrategicamente fora de cena. Essa discrepância leva a enganos e manipulações, que com o tempo transformam as escolas em simulacros da hipocrisia. Mas quem o percebe? Quem está disposto a dizer não, quando tudo isso parece ser tão bom, tão libertador, tão democrático? Só eu e mais uma minoria desacreditada e metralhada pelas armas de que a esquerda possui, além desses intelectuais que vez por outra surgem aqui e acolá contra o pensamento único (Arendt, 2000).[24] A trucidação dos lances mais decisivos dos processos culturais, quando determinados por quem não tem interesses em desenvolvê-los em sentido plural e verdadeiramente emancipatório, mas ensinar para formar adeptos e seguidores, gera o que se vê, acefalia desmensurada e idolatria de programas externos aos sistemas educacionais. E os resultados? [25] Mas a “revolução” pretende isso mesmo: destruir de vez a memória e calar quem que pensa diferente. Mas são eles que vivem falando em processo “histórico”. Só quando convém, aí a história é válida. Mas quando a história desmente toda propaganda socialista, apontando a fraude, então está se diante de um “revisionista”, um inimigo do futuro brilhante ao qual classe trabalhadora estaria predestinada.  Qualquer pensamento contrário precisa ser caluniado, acusado e posto nos tribunais onde se julga e pune subversivos, pessoas que não estão dispostas a contribuir com a democracia e a cidadania. Que lindo! Daí o paternalismo, patético e bajulador, com aprendentes de nosso ensino público (e privado também), institucionalizado por decretos sistemáticos que visam tão somente burocratizar as atividades pedagógicas ao passo que tira dos mesmos estudantes a chance de aprender e defrontar-se com os vários níveis implicados nos conhecimentos civilizatórios. Afirma-se o contrário, evidentemente. Tem professor convicto de que “sua atuação faz a diferença”. Até faz, mas não da maneira tradicional e sim como subsídio ao que já está previamente previsto no plano desses órgãos controladores da educação. Essa é a estratégia prevista no programa gramsciano, a tal intelectualidade orgânica. Se eu disser isso em um assembleia de pais e professores, levar-me-iam ao sanatório ou seria explicitamente desacreditado por quaisquer meios que fossem possíveis. Seria perseguido pela direção, por colegas ou então colado em suspensão como uma pessoa perigosa, chata, alguém que não quer “ajudar a nobre missão”. Seguiria o preceito anunciado por Nietzsche: procurar o exílio para poder falar o que pensa. Ensino paternalista é uma fraude porque não permite que o estudante confronte-se com o saber histórico e científico erigido historicamente de uma maneira profunda e honesta, mas o torna fácil, elegante, tudo para manter os novos agentes dos projetos nas escolas e nos sistemas de ensino. É claro que pais acham isso ótimo, e os estudantes, mais ainda. E professores acham lindo quando vem algum intelectual desses a dar palestras. Babam feito bezerro comendo sal. Na grande maioria das vezes, aqueles especialistas nada dizem além do óbvio. Só fórmulas baratas.

A meu ver, um bom número de pessoas não percebe o perigo desse jogo dissimulado. Todavia, como já indiquei, o que se diz é bem outra coisa. Insiste-se no protagonismo, conhecimento científico, na ética, na responsabilidade. Para mim, tudo isso é uma patacoada, uma educação fajuta, apenas revestida de dinâmicas moderninhas.[26] Esses programas encontram-se largamente difundidos entre nós por folhetos, cadernos e programas que a ONU, ONGs e a UNESCO divulgam sem pudor, crente de que estão educando para a cidadania e para o “protagonismo juvenil”. Oxalá, fosse! Infelizmente não é. Quando o ensino deixa de ser a bandeira verdadeiramente crítica, a luz de popa, a vanguarda da esperança que sacode a sociedade, e transforma-se apenas em um simulacro para manter os continuadores da “causa revolucionária” como o dedo em todas as ações governamentais, o comunismo chegou, e o complexo de vira-lata se solidificou. Dali para frente, o ensino não representará mais nada que não seja entorpecimento do cérebro e intoxicação da cultura toda, travestido com termos da Novilíngua esquerdista. E não é difícil, pelo menos para mim que sou professor de filosofia no ensino médio público, encontrar gente suficiente ávida para acreditar nisso e fazer propagandas, achando que está contribuindo à cultura nacional, que é “sujeito da educação” e dos destinos da nação. Até mesmo B. Russell, um filósofo brilhante da matemática e da lógica, militante engajado nos direitos humanos do período pós Segunda Guerra, percebeu o perigo que está nos sistemas de ensino.[27] Assim escreveu ele em 1950:

No mundo actual, altamente organizado como é, deparamo-nos com um novo problema. Toda a gente recebe algo que se designa por educação, algo que, geralmente, é dado pelo Estado [...]. Na grande maioria dos casos, o professor transforma-se então num servidor civil, obrigado a cumprir ordens de homens que não tem os seus conhecimentos, que não possuem qualquer experiência de relação com a juventude e cuja única atitude face à educação é a de propagandistas. [...] É óbvio que a educação estatal é necessária, mas é igualmente óbvio que acarreta perigos contra os quais importa estar precavido (RUSSELL, 2000, p. 72-73).

 

Mesmo que o autor, acima citado, esteja se referindo à Europa pós-guerra, ele está falando de uma situação em que os nazistas (que não eram esquerdas) e os soviéticos transformaram a educação em propaganda de Estado e de divulgadores de idolatrias para bajular as massas. E o que quer a esquerda hoje? O mesmo de ontem, no que ela não se diferencia do populismo de direita. Apenas mais dissimulada, mais ardilosa, com intelectuais bem treinados e preparados para o ofício. Outros apenas arregimentados para a causa sem entender muito bem o jogo. O populismo estará sempre na ordem do dia, onde a esquerda estiver. Pode ver, o ódio da esquerda contra Bolsonaro não é tanto pelo possível mau governo dele em si. Mas muito mais porque o populismo bolsonarista disputa com a esquerda, as massas, as mais pobres, sobretudo. Não é uma crítica de quem quer ajudar ou de quem tem responsabilidade com a civilização. Não. É uma crítica para derrubar, para tirar da frente, convencida que está de sua superioridade, pois o poder precisa estar com os “democratas e libertadores” que ficaram anos sendo sufocados pela ditadura militar. Precisa destruir e arrancar o que não estiver de acordo com seus protocolos. Uma coisa é discutir se Bolsonaro é ou não um bom governo. Outra bem diferente é não aceitar o que as urnas determinaram. O perigo está nas 50 ou 60 milhões de pessoas que o Bolsonaro teve e tem a seu lado. Logo que Bolsonaro foi eleito, nada mais nada menos que Zé Dirceu, vejam vocês, falou que era preciso dialogar com os eleitores de Bolsonaro. Por quê? Porque esse é um pressuposto elementar da esquerda: exercer o poder político hegemônico sobre as massas. Transformá-las em estradas pavimentadas por meio das quais os burocratas comunistas assumem o controle político e econômico do Estado. Depois que estão no poder esquecem as massas. O PT ficou 13 anos sem se lembrar delas. Depois quando sentiu que o Impedimento de Dilma era eminente, tratou de convocá-las. É um jogo pragmático de tipo meios/fins.

 

SUSPEITAS E PALAVRAS FINAIS 

Voltemos ao tradicionalismo conceitual, se é que ele ainda faz algum sentido ante as invertidas que Carvalho deu nos termos mais aceitos sobre assunto. Quero finalizar voltando ao conservadorismo de Scruton, pois seu texto também aponta para algo muito grave nos acordos dos tempos de Obama, o “Obamacare”, digno de dar crédito às desconfianças que Carvalho apontou (SCRUTON, 2017, p. 74). Trata-se de um imenso documento burocrático de mais de 2000 mil páginas cujo teor nunca foi suficientemente esclarecido para a população americana e para ninguém. Esse documento seria um conjunto de provas cabais das falcatruas que os democratas fazem nos Estados Unidos, aliados ao globalismo político internacional. Entre esses arranjos, estariam também as costuras políticas que levaram Obama a Presidente dos EUA. A esquerda continua viva, sempre obstaculizando qualquer programa em que não leve vantagem, seja falseando conceitos como, por exemplo, a origem da pobreza, a função do Estado ou mesmo promovendo “revoluções” para ver seus fins atendidos ou implantados. A denúncia de que estiveram infiltrados como agentes conspiradores na recente eleição americana, pode ser só mais um capítulo nebuloso e perverso das ações globalistas, por trás das quais estariam os socialistas. Quem não ouviu falar da influência russa na eleição de Donald Trump? Conspirar, manter um ideal de luta mesmo que falso, denunciar o que não interessar e nunca aceitar uma verdade quando ela depõe contra os ideais burocráticos e ideológicos do socialismo, simular e dissimular em um sentido tão frio e calculista a ponto de fazer de Maquiavel uma historieta infantil, é o ideal do socialismo ainda e sempre foi.[28] E sempre que alguém dentre seus pares se afasta desse núcleo dogmático e sistematizado, ao qual todos os adeptos e convertidos devem se render, esse alguém ou é eliminado (até mesmo fisicamente, se for o caso) ou então passa a ser vítima de calúnias e difamações para desacreditá-lo. Que a visão burguesa está apodrecida, que precisa de arejamento, que o Estado-Nação está se desmanchando, é notório e merece uma análise adequada, é o que Castells (2018) apresenta em seu curto, mas bem documentado texto.[29] É também óbvio que não apenas a cultura de esquerda tem seus ranços mortificidas (CARVALHO, 2012).[30]  Porém, estou convicto de que nenhuma outra teoria política moderna aferrou-se tão dogmaticamente às verdades internas de seus postulados, como o marxismo. E, por conta da proteção desse “dogma infalível”, foi capaz de fazer o que muitas religiões no passado fizeram, e que no presente ainda fazem: matar em nome de Deus ou em nome da ideologia. Só no século XX, o socialismo produziu 140 milhões de mortos por questões políticas. Não me alongarei sobre isso aqui agora. O farei ainda em outro momento.   

 

REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. A crise na educação. In: Quatro textos excêntricos: Hannah Arendt; Eric Weil; Bertrand Russell; Ortega y Gasset. Prefácio, seleção de textos e tradução de Olga Pombo. Lisboa, (Portugal): Relógio D’água Editores, 2000, p. 21-53. 

ARON, Raymond. O ópio dos intelectuais. Tradução de Jorge Bastos. São Paulo: Três Estrelas, 2016.

CARVALHO, Olavo. A nova era e a revolução cultural. 4ª edição revista e muito aumentada. Campinas, SP: VIDE EDITORIAL, 2014.

_______ . O futuro do pensamento brasileiro: estudos sobre nosso lugar no mundo. Rio de Janeiro: Faculdade da Cidade Editora, 1997.

_______ . Os EUA e a Nova Ordem Mundial: um debate entre Alexandre Dugin e Olavo de CarvalhoCampinas, SP: VIDE EDITORIAL, 2012.

CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. Tradução de Angélica d’Avila Melo. 1ª edição. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

BERNARDI, Pascal. Maquiavel pedagogo: ou o ministério da reforma psicológica. Tradução de Alexandre Müller Ribeiro. Campinas – SP: Ecclesiae e Vide Editorial, 2013.

RUSSELL, Bertrand. As funções de um professor. In: Quatro textos excêntricos: Hannah Arendt; Eric Weil; Bertrand Russell; Ortega y Gasset. Prefácio, seleção de textos e tradução de Olga Pombo. Lisboa, (Portugal): Relógio D’água Editores, 2000, p. 71-85.  

SCRUTON, Roger. Como ser um conservador. 6ª edição. Tradução de Bruno Garshagen. Revisão técnica de Márcia Xavier de Brito.  Rio de Janeiro: Editora Record, 2017.

_______ . Tolos, fraudes e militantes: pensadores da nova esquerda. 2ª edição. Tradução de Alessandra Bonrruquer. Rio de Janeiro: Editora Record, 2018.

 

NOTAS 

[1] Esse rasteirismo conceitual verifica-se também na ala dos simpatizantes e defensores da direita política, com blogueiros e blogueiras, jornalistas às vezes só reacionários, apenas alimentação um confronto sem sentido, falso e demagógico tanto quanto o da esquerda, pois quase sempre se nivelam ao discurso sindicalista do segundo. No facebook isso é notório e visceral. Todavia, quando você analisa os sítios acessados por ambas as ideologias, encontra-se também sites de direita, com opiniões conservadoras e revanchistas. É o caso, por exemplo dos seguintes sítios virtuais [https://br.sputniknews.com/tags/keyword_direita_conservadora/; e https://portalconservador.com/]. Mas eu não considero estes dois sítios conservadores tão pobres e imparciais quanto o são os articuladores dos sítios que defendem o dogma da esquerda. Não podemos ignorar os canais de tevê, ligados majoritariamente ao conservadorismo religioso católico e evangélico, cujo objetivo é também só criticar o socialismo, quase sempre com argumentos rasos e apocalípticos. No fundo a grande maioria deles, seja de esquerda ou de direita, não fazem outra coisa que defender seus governos e seus interesses, nem que seja inventando fake News ou o que for para manter a verdade a seu lado. Veja, por exemplo, a seguinte opinião: Há alguma diferença entre os blogs de esquerda e os de direita? Disponível em: https://www.moneyreport.com.br/agenda-liberal/ha-alguma-diferenca-entre-os-blogs-de-esquerda-e-os-de-direita/ Acesso em 05/07.2020. Há também textos com análises bem pontuadas, apontando erros e acertos de ambos os lados. Por exemplo, o texto de Carlos Arouk, “Opinião: não podem mais silenciar a direita”, disponível em: https://jornaldebrasilia.com.br/politica-e-poder/opiniao-nao-podem-mais-silenciar-a-direita/. (Acesso em 05/07/2020). 

[2] A visão dicotômica e empobrecida, raivosa e maquiavélica da esquerda sobre a direita ou a tudo que não contenha as insígnias “ideológicas do marxismo libertador” ou do “marxismo radical” encontram-se em sites como, por exemplo,  https://www.brasil247.com/]; https://www.diariodocentrodomundo.com.br/. Há outros. Quando você lê as reportagens e as respostas lambe-botas dos simpatizantes destes sites às reportagens e opiniões veiculadas pelos articuladores destes Blogs ou Sítios virtuais, percebe-se claramente que a única função dos mantenedores do site é criticar a direita, “o conservadorismo burguês”. Mas não criticar como ocorre em qualquer democracia. Claro que não. A democracia é um valor burguês que precisa ser varrido do mapa. Tanto as reportagens quando as respostas “aceitas” são sempre no sentido de manter a militância, manter o telos libertador do marxismo, ou dizendo de outro modo, do intelectualismo de esquerda como superior , mais preparado para governar o mundo. Cheio de dogmas prontos da maneira mais piegas possível.

[3] O mais interessante é que esse sítios eletrônicos se autointitulam democráticos, quando na verdade querem implantar um pensamento único, quer dizer autoritário. No caso do www.brasil247.com, por exemplo, aparece escrito na capa “Seu jornal progressista e democrático, 24 horas por dia, 7 dias por semana”. Acessos feitos em 05/07.2020.  Observo que as opiniões e textos ali veiculados põem-se a uma distância tão grande de tudo, tão afastada de tudo, que eles estarão sempre certos. E quando alguns de seus pares dão sinal de fraqueza, por exemplo o PT e PSOL, com quem flertaram durante muito tempo, então já são burgueses também, são vendidos também. São traidores da causa operária, da justiça perene descoberta por Karl Marx e revelada aos nobres sábios da humanidade que se tornaram seus seguidores. O establishment político mundial hoje é de esquerda, mas os articuladores desses sítios fingem que não. Mantém a velha máxima da luta pelos trabalhadores e pela causa socialista, atacando seus pares para dar a aparência de que se diferenciam substancialmente uns dos outros. Porém, esse é o jogo de cena, o disfarce previamente calculado que Carvalho (2014. P. 181) chamou de crescimento por “cissiparidade ou esquizogênese

[4] Não sendo injusto, também há os imbecis da direita, tão os mais patéticos que esse protocolo dos adeptos de princípios da esquerda política blogueira. Como neste texto, a minha intenção é apontar como Aron, Carvalho e Scruton se portam diante dos ideários políticos da esquerda mundial, esses meus comentários introdutórios sobre o patetismo e os comportamentos caricatos expressos sobre teorias políticas nas redes sociais funcionam apenas para formar uma moldura de meus deslaces e da dos autores que passarei a apresentar.

[5] Quero deixar claro que essa visão patética não pode ser imputada a intelectuais como, por exemplo, Eric Hobsbawm e Terry Eagleton, influentes pensadores marxistas contemporâneo. Mesmo que seus postulados, talvez não de modo direto, sejam visados pelas críticas de Scruton, Aron e Carvalho.  Mas nunca são visadas apenas para denegri-las ou maculá-las sem lhe reconhecer os méritos. E creio que essa também é a postura de intelectuais de esquerda como, por exemplo, Otto Maria Carpeaux e György Lukács em relação ao pensamento da direita. Incluem-se aí também autores ainda vivos como Jürgen Habermas e seus já falecidos companheiros da escola de Frankfurt como Adorno, Horkheimer, Marcuse.  

[7] Sobre a gravidade do Bullying ver (https://escoladainteligencia.com.br/bullying-na-escola/) Outro trabalho significativo e sério sobre o assunto é a Tese de Doutorado em Psicologia de Nilza Catini, que se encontra disponível no seguinte endereço:  http://www.bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/tde_arquivos/6/TDE-2012-03-15T050938Z-1719/Publico/Nilza%20Catini.pdf (26/07/2020).

[8] Por esse motivo, uma ministra simples como Damares Alves não pode ser competente para os progressistas. Ela é uma caricatura digna de piadas e chacotas por possuir defeitos incorrigíveis e inaceitáveis para a pasta, conforme se expressam sobre ela os seus adversários. Basta ver os comentários nos Blogs para se certificar disso. Sobre isso, indico o BLOG DO PICHONELLI, “Popularidade de Damares precisa ser entendi para além da caricatura”. disponível em: https://matheuspichonelli.blogosfera.uol.com.br/2019/12/19/popularidade-de-damares-alves-precisa-ser-entendida-para-alem-da-caricatura/ (acesso em 25/05/2020).

[9] No fundo, nem creio que gerações mais novas de estudantes, profissionais, professoras e professores ajam assim por maldade sempre. No fundo estão convictos e convictas de suas boas ideias e de que o remédio que estão recomendando não tem efeitos colaterais perigosos e está assepsiado da malícia burguesa e opressora, como também isento de qualquer elemento desabonador. Nem percebem que repetem um jargão de um circuito autoblindado. Mais adiante veremos como Roger Scruton mostra que esses circuitos fechados do saber já se encontravam no marxismo de Althusser, cujo legado chegou às gerações mais novas. As gerações mais novas, repetem um ideário dentro do qual foram doutrinados e doutrinadas, sem o perceber de modo mais evidente. Aqui vale o que o “burguês” Nietzsche falou: “Somente depois que tiverdes vos afastado da cidade, vereis a que altura as torres dela se elevam acima de vossas cabeças”. Mas ouse dizer isso a quem está embotado da verdade! Só as malícias da direita, da burguesia devem ser denunciadas. As demais, nem sequer existem, posto que tudo que se opõe ao ideal opressor burguês já é, por isso mesmo, bom e justo em si mesmo. Mas isso não é ideologia né?

[10] Por exemplo, Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul, ex-prefeito de Porto Alegre e ex-ministro de Lula, disse hoje o seguinte: “Bolsonaro deveria ser deposto sobre declaração sobre Queirós”. Ver: https://www.brasil247.com/regionais/sul/tarso-genro-ao-247-bolsonaro-devia-ser-deposto-por-declaracao-sobre-queiroz. Que moral tem ele para falar quando até hoje não foi capaz de avaliar honestamente os erros de seu governo no Rio Grande do Sul e suas atuações como ministro da Justiça? (Acessado em 05/07/2020).

[11] Sítios eletrônicos como esse www.247brasil, https://theintercept.com/brasil/e outros, não se cansam de defender Lula, Dilma e atacar o ex-juiz Sergio Moro. Os erros de Moro, são sempre destacados e politizados em favor da causa libertária que ele teria traído. Mas dos erros de Lula e Dilma, nada é dito. E quando são mencionados apenas o são para dizer que foram vítimas do império americano. Por exemplo, o texto de Pepe Escobar, cujo título é: Como Lula e Dilma não perceberam o ataque do império contra o Brasil? Ver em: https://www.brasil247.com/midia/pepe-escobar-como-lula-e-dilma-nao-perceberam-o-ataque-do-imperio-contra-o-brasil. Não se cansam de acusar Jair Bolsonaro de submisso aos Estados Unidos, ver https://www.brasil247.com/poder/celso-amorim-ve-crime-de-responsabilidade-em-comemoracao-de-bolsonaro-na-embaixada-americana, cujo título é: “Celso Amorim vê crime de responsabilidade em comemoração de Bolsonaro na embaixada americana”. Ele fazia o que quando Lula, de cujo governo foi ministro, politizou as finanças em favor de uma causa socialista, roubando, associando-se a empreiteiras e nelas jogando dinheiro público para fins de esquivar-se da legalidade fiscal, defendendo a Venezuela e o Irã?

Acesso em 05/07/2020. Os textos são de 03/07/2020 e 05/07/2020, respectivamente. Recentes portanto.

[12] As escolas públicas e as universidade brasileiras são recentes. Desenvolveram-se a partir de inícios do século XX, quando o Positivismo francês, uma corrente de pensamento europeia de August Comte, encontrava-se no auge.  O Positivismo queria reduzir todos os saberes ao pragmatismo técnico e experimental das ciências naturais e matemáticas. Passaram a ver o conhecimento científico reduzido a uma fórmula matematizável e só se poderia considerar conhecimento o que pode ser demonstrado de maneira empírica e técnica. Virou uma ideologia e transformou a ciência em ideologia. Hoje, a pedagogia estreita da esquerda segue os mesmos passos do Positivismo burguês. Não é uma contradição?

[13] Ver Pascal BERNARDIM, Maquiavel pedagogo. Campinas: SP: Vide Editorial, 2013.

[14] Nem sempre as ideias revolucionárias são de esquerda. Temos também as ideias religiosas que muitas vezes precisam destruir todos os sinais anteriores para implantar a sua visão genuína e pura de Deus, imaginando sempre a superioridade de sua teologia em relação aos valores sociais anteriores. Exemplo típico disso foi a destruição dos Budas Gigantes feitos pelo Talebã no Afeganistão. Aquelas estátuas datavam de 507 a. C.  [https://exame.com/mundo/como-o-taleba-explodiu-estatuas-centenarias-de-buda/]. Acesso em 24/06/2020.

[15] E os adeptos de teorias historicistas de esquerda deliram. A cada evento desses, “a crise do capitalismo” se aproxima do grande dia da catástrofe final, quando, enfim, raiará o Sol esplendoroso da justiça e da plenitude, desde sempre reservada aos que lutaram pelo socialismo. Haja drama e delírio!

[16] Scruton, Como ser um conservador, 2017, Capítulo 4 - A verdade no socialismo -, páginas 69-87, é inteiramente dedicado a verificar a esquerda antiga e a atual. Não será possível esmiuçar esses aspectos agora.

[17] Por exemplo, o artigo do Jornal Esquerda Marxista intitulado “Uma nova situação mundial se desenvolve. As tarefas da organização revolucionária”. O texto é de Março de 2020. Disponível em https://www.marxismo.org.br/uma-nova-situacao-mundial-se-desenvolve/ (Acesso em 24/06/2020).

[18] Exemplo disso é que o sítio eletrônico de esquerda como o https://theintercept.com/brasil/ faz ao deleitar-se sobre a retirada de uma estátua do Presidente Roosevelt do Museu de História Natural de Nova Iorque. O artigo é de John Schwartz e recebe o título de: “A estátua de Theodore Roosevelt vai cair. Este é seu passado sombrio”. A estátua deve ser retirada porque ela é ladeada por um escravo e por um índio a pé, enquanto Roosevelt está a cavalo. Certo, a estátua representa o atualmente não é aceitável. Mas julgas assim é fácil. Com esse mesmo discurso, em Portugal a poucos dias atrás, a estátua do Padre António Vieira apareceu pichada. Pena que a esquerda, sempre aliada a defuntas teorias do século XIX, seja crítica só com o que não vai a favor dos seus interesses. (Acesso ao site em 05/07/2020).

[19] Esse texto reproduz um debate entre o russo Alexandre Dugin e o brasileiro Olavo de Carvalho. É muito importante perceber que Carvalho não só ataca os comunistas em suas carnificinas produzidas no passado, como também condena todos os argumentos do russo a favor de uma Nova Ordem Mundial capitaneada pela euroasiática, como quer Dugin. Em várias passagens do debate, Olavo faz duras críticas ao capitalismo e condena a direita americana estadunidense e protestante pelos ataques e infâmias dirigidas aos católicos americanos. Por exemplo, página 192, onde afirma: “O professor Dugin, com toda a evidência, desconhece a imensa bibliografia raivosamente anticatólica despejada todos os anos no mercado pela direita política americana, um fenômeno que me entristece mas cuja essência não posso negar”.  

[20] Essa peremptória afirmação apoia-se em um estudo de três volumes do economista britânico Antony Sutton, sobre o financiamento do desenvolvimento soviético. Notas 7, 8, 9 e 10 da página 90. Por exemplo, um desses estudos é intitulado Wall Street and the Bolshevik Revolution. É possível acreditar nisso? Confesso que se eu não conhecesse Olavo de Carvalho de outros textos, e tivesse que o julgar por essas passagens apenas, eu o chamaria de Fukuyama brasileiro.

[21] Por exemplo, analisem os programas e as entrevistas de Pedro Bial nos últimos 2 anos, na Rede Globo. Analisem quantas vezes ele entrevistou pessoas que não fossem ligadas à novilíngua da esquerda? Exceção honrosa feita à entrevista com Olavo de Carvalho, quando viajou aos EUA para esse propósito, e mais uma ou outra. No caso do Olavo, só o fez pelos dividendos que naquele momento essa entrevista poderia render à emissora dos Marinho, uma vez que o Governo Bolsonaro estava ainda no começo e Carvalho já despontava com suas polêmicas contra certas pessoas de esquerda infiltradas no Governo brasileiro recém-empossado. Para Olavo, Bolsonaro tinha de tomar cuidado inclusive com certos militares, nos quais confiava. Olavo tinha indicado um ministro para a pasta da Educação. Aquilo deu o que falar. Não faltavam polêmicas e o Bial, foi lá entrevistá-lo. Mas só por isso. 

[22] É o caso de Jessé de Souza, um eminente intelectual com doutorado em sociologia na Alemanha, ligado à esquerda brasileira, notoriamente ao PT, aparentando ser um apologeta deste partido e suas assertivas. Tendo escritos vários livros, entre eles o muito comentado “A elite do atraso”, com o qual senta a pua em pensadores como Gilberto Freyre, na Lava a Jato, apontando o escravismo como a principal questão que assola o Brasil. Não se pode negligenciar muitas coisas que ele apresenta. Critica o Impedimento de Dilma, chamando-o de Golpe como qualquer sindicalista senso comum, mas o que diz sobre os erros e roubos daqueles governos petistas? Nada. Ou melhor, nada não, eles seriam uma coisa menor em meio à herança que a escravidão deixou, ou seja, o ódio de classe. Ver https://istoe.com.br/a-doenca-do-brasil-e-o-odio-de-classe/. Acessado em 06/07/2020. A corrupção não é um problema sério, para ele. Em outro livro, “A tolice da inteligência brasileira”, põem-se a criticar Gilberto Freyre, Raimundo Faoro, Roberto DaMatta, acusando-os de serem defensores da escravidão e de terem feito uma leitura torta da obra de Weber. Via de regra, sempre que pode, desvia-se dos erros do governo petista, com enredos dos quais mais dá para pressupor que a culpa desses erros, conforme ele, seria do imperialismo internacional, da classe média do sudeste brasileiro, que dos atos do governo brasileiro. Os dois livros que menciono nesta nota, eu li e, se possível, farei um comentário sobre eles.

[23] Para Bernardin (2013), o interacionismo e o suposto historicismo civilizatório sempre invocado para promovê-lo à condição de baluarte da educação mundial, está alicerçado em um rigoroso e meticuloso programa de controle psicológico que a esquerda faz na educação mundial. Nos casos das dinâmicas de grupo, por exemplo, o que se visa é apenas o controle emocional e psicológico por meio de psicopedagogias para formar ideias massificadas que irão servir um longo e bem estruturado projeto de controle e “[...] manipulação da cultura” (p. 47).

[24] Artigo denominado “A crise na educação”, escrito em 1961, páginas 21-53, é de um primor inestimável a respeito dessa temática.

[25] PISA. Programa que avalia os conhecimentos de Matemática, Ciências e Leitura de jovens de 15 anos em 79 países.  O Brasil ficou na turma do fundão. Em uma década, praticamente nada de se alterou. Os dados são de 2018. Ver: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50646695. Ficar na frente da Argentina, foi nosso consolo. https://educacao.uol.com.br/noticias/2019/12/03/pisa-brasil-fica-entre-piores-mas-a-frente-da-argentina-veja-ranking.htm. Acessos em 26/07/2020.

[26] Os temas são nobres e importantíssimos. Minha suspeita, porém, é que eles apenas figuram de modo veladamente secundário. Mesmo que se insista em manter esses assuntos em evidência, a intenção é, primeiramente, criar uma cultura de massa homogênea, pouco importando a “apropriação” cultural que o estudante tenha auferido. O termo “crítico” é só jogo de cena. Seja mesmo crítico e discorde com argumentos consistentes para ver o que acontece? Quase sempre, procuram ignorar ou desmerecer por todos os meios para manter a aparente versão que veladamente já se tinha. A mobilização das massas escolares foi para referendar o que já estava decidido.

[27] Artigo denominado “As funções de um professor”. Quando o Estado, ao invés de promover a educação em suas várias demandas científicas, tecnológicas e humanas, transforma-se ele (o Estado) no agente determinador da pauta de ensino aparelhado pelos intelectuais da educação e de outras instituições para os interesses ideológicos, a educação fica muito longe de oferecer alternativas   

[28] Por caminhos diferentes, os autores que analisei procuram mostrar que percurso hegemônico da esquerda já encontra-se em marcha há muito tempo. Aron, Scruton e Carvalho estão empenhados em desmontar o que consideram uma farsa intelectual. Uma análise honesta não permite afirmar que o poder político será entregue ao historicismo messiânico que o marxismo inaugurou. O fato de o capitalismo e a democracia liberal apresentarem-se cheias de injustiças, nada garante que o marxismo e as prerrogativas da esquerda garantam uma melhora substancial a todas as pessoas. Olavo de Carvalho, apontou que marxismo intelectual, mantida por meio de aparelhamentos ideológico das instituições públicas, o afamado gramscismo, a esquerda se mantém mais viva do nunca. Mesmo que os partidos ditos de esquerda no mais das vezes nem percebam a profundidade dessa engenharia política.   

[29] Castells está longe de ser conservador nos moldes em que se utiliza este termo para Scruton ou Carvalho. Muito antes, Castells está mais para defensor do globalismo, que o oposto. Porém, não se furta a fazer críticas incisivas aos erros e falcatruas que a nova esquerda comete, e nem deixa de reconhecer os imensos benefícios que a socialdemocracia (a democracia burguesa) trouxe para muita gente.

[30] Na p. 196, Carvalho apresenta um dado com o qual eu também estou estupefato. Embora já tenha lido este texto minuciosamente, sempre me surpreendo. Segundo ele, os protestantes calvinistas criaram a primeira sociedade totalitária da era moderna, com a qual exerciam um poder draconiano sobre a vida social e até puniam com prisão e morte quem se rebelasse. Essa informação de Carvalho vem acompanhado de uma nota (nº 51) de um trabalho em inglês de Michael Watzer, The Revolution of the Saints. A Study on the Origins of Radical Politics. Harvard University Press, 1982. E depois vem outra informação ainda mais incisiva, na página 197, e que cito integralmente: “A Reforma inglesa, que começou matando em um ano mais que do que a Inquisição em muitos séculos foi essencialmente um empreendimento do governo civil, e resultou numa igreja estatal que, em nome da liberdade da consciência teve entre suas prioridades a perseguição implacável aos que ousassem exercê-la em sentido pró-católico”. Isso evidencia que Olavo não está tão afinado com o individualismo norte-americano, com o protestantismo e a maçonaria, conforme pensam seus detratores comunistas e globalistas da Nova Ordem Mundial.