CHOVE
"Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim...
De pensada, mal vivida...
Triste de quem é assim!

Numa angústia sem remédio
Tenho febre na alma e, ao ser,
Tenho saudade, entre o tédio,
Só do que nunca quis ter...

Quem eu pudera ter sido,
Que é dele? Entre ódios pequenos
De mim, 'stou de mim partido.
Se ao menos chovesse menos!"
(Fernando Pessoa, 23-10-1931)

O poema de Fernando Pessoa mostra a angústia de uma pessoa que parou para pensar sobre a vida, suas realizações e seus desejos perdidos. Ela não se responsabiliza pelo que fez, mas sim que foi a própria vida que a levou a fazer ou deixar de fazer algo. É um momento íntimo em que ela percebe que poderia ter feito suas escolhas e que poderia ter sido diferente, que poderia ter vivido mais "o hoje".

Por muitas vezes nos sentimos assim, angustiados, deprimidos, indecisos e infelizes. Mergulhados em nossa própria dor, sofrimento e decepção. É uma condição existencial de se perguntar os "por quês e comos" da vida, um momento de descoberta, de crescimento e de talvez respostas que antes nunca tenham sido encontradas, não que elas tenham surgido do nada, mas que talvez nunca tenham sido de fato procuradas. A velha mania de achar que elas surgem e assim deixa a vida me levar!

Essa chuva que cai, é a tempestade dentro de nós nesses momentos de reflexão individual e que são muito importantes para o amadurecimento. É uma dor necessária para dar forças para situações futuras. É uma dor que é preciso sentir para saber como é! É a dor que fará ver o quanto podia ter sido diferente e como diz no poema não tem remédio, simplesmente é preciso senti-la e deixá-la passar.

Essa conversa particular com o nosso mundo próprio ajuda a conhecer essa pessoa que muitas vezes nos esquecemos: nós mesmos. É um momento de exclusiva atenção individual com um toque de egoísmo necessário para que a partir dele também possa se pensar no mundo humano e no circundante, pois apenas entenderá os outros e o mundo, a partir do momento, que entender a si próprio. É preciso conhecer e entender a sua realidade para poder enxergar outras fora de você.

O poema fala de dor, mas não apenas esse sentimento que é preciso sentir intensamente, afinal temos que viver o hoje seja ele feliz ou triste. Aprendendo com as experiências sejam elas quais forem!

Não adianta alguém chegar e dizer que sente muito e que não é para você ficar assim. É claro que é! É o seu sentimento, o seu momento e ninguém pode saber o que se passa dentro de você. Pode imaginar, mas nunca sentir o mesmo. Afinal, é a sua realidade individual, sua experiência.

Portanto, é nessa angústia, de tempos em tempos, que aprendemos a viver por nós mesmos, sem achar que sempre foi algo ou alguém que impediu de atingir um objetivo, mas que fizemos o possível para fazê-lo e que por mais que digam que entenderam determinada situação, só você sabe o que está sentindo naquele momento, porque é a sua verdade e só você pode realmente saber como é. Talvez muitas vezes você não consiga fazer parar de chover, mas possa fazer apenas garoar em sua vida. Pois a vida é cheia de mistérios, surpresas, alegrias, tristezas e obstáculos a cada dia.

No mesmo dia você passeia pelos mais diversos sentimentos, passa pelas mais diversas situações, fala de variados assuntos, encontra inúmeras pessoas, e ainda pode sentir-se só. Pensa em coisas boas, ruins, importantes e fúteis. Pode ser amado, adorado, humilhado, magoado, encantado, injustiçado e idolatrado. E no final desse dia, depois de tudo isso, você é um bravo sobrevivente. E se não terminou exatamente do modo como queria, pense assim: "O que não me mata, só me fortalece." Para buscar novos desfechos e encarar de cabeça erguida tudo de novo amanhã, pois a vida é cheia de surpresas todos os dias.