Refleti sobre a sua carta. Tentei me imaginar em seu lugar. Fiz esse exercício diversas vezes. E o fato é: você está convivendo com uma situação realmente complicada. Tudo indica que o seu marido, talvez por sentir-se responsável pela felicidade dos pais, não consegue se impor diante das chantagens emocionais e financeiras. Se eu pudesse resumir o seu relato em uma única frase, seria assim: filho acredita que é o único responsável por garantir a felicidade de seus pais. Soa como exagero ou de fato representa a sua agonia?

De acordo com o seu relato, tanto ele quanto a irmã não partiram para construir as próprias vidas e continuam do lado da mãe e do pai, sem perceber que ele tem tanto direito quanto qualquer outra pessoa de construir uma família, um novo núcleo e de ser feliz no amor.  Sem culpas, sem cobranças, sem ter que pagar um “sonho” dos pais, cada vez que realiza um sonho próprio, da sua nova família. Aqui entra um conceito que defendo muito, quando no casamos formamos uma família e os nossos pais e irmãos passam a ser a nossa “família de origem”. Parece algo sem sentido, apenas um jogo de palavras, mas na vida real faz muita diferença. E eu procuro sempre fazer essa distinção na prática. Tenho a minha família, ou seja, meu marido e meus filhos e tenho uma família de origem, ou seja, meus pais, irmãos e sobrinhos. Reforço sempre esse ponto. Em primeiro lugar, os envolvidos têm que entender essa distinção e respeitarem os seus lugares, os papéis que representam na nossa vida. Os problemas começam quando o limite é desrespeitado. Quando queremos mais espaço do que nos permitem, quando queremos mais responsabilidade do que é necessário, quando participamos mais do que somos chamados.

 

Para aliviar o seu coração e minimizar a questão, digo, com tranqüilidade, que se trata de uma situação muito conhecida e já vivenciada por muitos. Ou seja, você não está sozinha. Parece que a mãe do seu marido vive a relação com o filho como se fosse casada com ele. Isso não é incomum e acontece bastante quando, como no caso dela, a mulher é “ignorada” pelo marido, segundo suas próprias palavras. O que significa nesse caso não ter mais a atenção deste ou o interesse e acaba transferindo todo o seu amor para os filhos. E o pai, por sua vez, acha cômoda essa situação de “terceirizar” todo o trabalho com as carências da mãe para os filhos. Nada melhor do que ter o apoio dos filhos para suprir a mãe em suas carências. E, no fundo, o pai também acaba se aproveitando da situação e também recebendo os benefícios de toda a chantagem emocional existente. Devo confessar que são atitudes que evidenciam bastante egoísmo e egocentrismo. Se essa fosse a sua família de origem com certeza você teria uma tolerância bem maior, do que vem demonstrando com essa situação. Já que, como você diz a sua família de origem é distante e não exige atenção, muito antes pelo contrário. E aqui te chamo para reflexão, o que te incomoda tanto é o excesso de carinho e atenção que a família de origem dele exige de vocês ou a ausência de atenção por parte da sua família de origem? Muitas vezes, não suportamos ver no outro as nossas fraquezas, o outro sempre funciona para nós como um espelho. Não gostamos de ver nos outros as nossas fraquezas ou deficiências. E por ironia do destino é muito mais fácil perceber no outro o que na verdade está conosco e precisamos mudar. Talvez você ainda não tenha percebido, mas o que mais nos incomoda nas outras pessoas são vê-las possuir características que não temos e gostaríamos de ter (em menor freqüência) e, principalmente, identificar nos outros as nossas próprias fraquezas.

Se você o ama o bastante para enfrentar uma situação que exige a máxima diplomacia, tolerância e paciência, deve tentar conversar com ele de uma forma madura e, quem sabe, até sugerir que vocês marquem uma consulta com uma terapeuta de família para pedir orientação sobre o melhor modo de agir em relação a este problema. Não estou dizendo que é uma tarefa fácil, mas tem se mostrado um bom caminho para seguir adiante e juntos. A decisão mais fácil de todas seria se separar e eliminar esse problema da sua vida. Mas talvez essa decisão seja a mais fácil, mas não a que te deixaria mais feliz. Seguir sozinha é sempre mais fácil, não depender de ninguém financeiramente ou emocionalmente, porém não necessariamente traz mais felicidade. Os seres humanos precisam desenvolver o “coração”, amar. É para isso que viemos a esse mundo, para crescemos como seres humanos. E o universo é muito sábio, os desafios que existem na nossa vida são realmente os que precisam ser enfrentados. Estamos recebendo exatamente o que precisamos para o nosso crescimento nesse plano. O difícil é aceitar que o que recebo é o que eu preciso. Aqui precisamos sair do controle dos fatos e praticar a “entrega”, acreditar que é o que precisamos.

Entretanto,  para seguirem juntos, parece que você terá que estabelecer os seus limites e o quanto está disposta a ceder e a suportar. Mesmo amando esse homem, é importante verificar se ele conseguirá escapar do controle dos pais e das suas chantagens emocionais e financeiras. Não é uma situação simples, pois envolve um dos relacionamentos mais complexos: o de pais e filhos. Para você conseguir imaginar a complexidade dessa situação, faça um teste: diga às pessoas que você não gosta de seus pais e veja a reação das pessoas. A sociedade acredita que todos os filhos devem venerar os pais e ver defeitos neles é algo inaceitável pela sociedade. Daí a força que você precisará para que o seu marido entenda que gratidão não necessariamente tem que significar escravidão. Hoje eu tenho clareza de que os nossos pais são os portais para a nossa vinda ao mundo e pronto. Nada mais do que isso. Essa compreensão não é assim tão espontânea ... não a espere de seu marido nesse momento.

O ponto mais delicado dessa questão e que talvez não te conforte agora é que isso é algo que só ele poderá resolver, verdadeiramente. Não é você quem deve agir. E caso ele não consiga escapar desse domínio, não estará livre para viver com ninguém. O ideal seria que ele, a irmã e os pais fizessem uma terapia familiar, a fim de que seus pais compreendessem que estão tentando ocupar um lugar que não lhes pertence mais e, desta forma, impedindo que a vida do filho prossiga normalmente.

 

Com certeza, em nenhum momento, agindo assim, eles estão pensando na felicidade do filho e no futuro dessa nova família, que seria você e seus filhos. Já que vocês estão apenas no começo de uma longa jornada e precisam se planejar para todos os obstáculos que irão surgir. E, digo financeiramente também. Atualmente, a educação é uma tarefa mais árdua e mais cara que antigamente.  O mundo caminha para uma seleção natural bem maior do que você encontrou há tempos atrás.  E mesmo que você estivesse bem tranqüila em relação à questão financeira, o fato é, que, é preciso respeito. Os filhos não devem assumir a responsabilidade de “pagar” a felicidade dos pais. É uma inversão total de valores. Acredito que não se trata de abandonar os pais, mas é uma questão de priorização, de atuar no que é essencial  e não no supérfluo.  Nada contra o filho realizar alguns sonhos dos pais, é perfeitamente normal. O que não é normal é o fato dos pais sempre buscarem retornos e oportunidades para pedirem e colocarem as suas cobranças.  O que eles nunca pensam é que o filho deles se casou com uma mulher, assim como um dia eles o fizeram. E que, portanto, assumiu um compromisso com essa nova família. Digo financeiramente e emocionalmente.

 

Não sei se deveria e aqui faço uma inferência: a pessoa envolvida diretamente, nesse caso, o seu marido, deve achar que tudo aqui relatado é um exagero. Que, na verdade, as coisas não acontecem assim, que nada é imposto ou obrigatório. Que tudo que ele pensa e faz vem de dentro do seu coração. São idéias dele. E quando, na verdade, são sugeridas sempre direta ou indiretamente pelos próprios pais e todo o ciclo é mantido. É como se, no fundo, o seu marido, se sentisse na obrigação de pagar pela sua criação, assim como funciona um crédito educativo, é um reembolso. Não sei se serve de alívio para você nesse momento de descrença, te digo que é uma situação bastante comum e delicada. E com certeza, até aqui, você já deve ter se desgastado bastante com essa história e o desgaste pode ter chegado ao seu casamento. Do fundo do meu coração, espero que não seja o caso.

 

Tendo trabalho todos esses anos e como gosto da área de relacionamento humano, já ouvi muitas questões relatadas por meus amigos e colegas de trabalho. E digo a você, com convicção, que ninguém, nem mesmo você poderá solucionar essa situação. A única pessoa capaz de reverter todo esse quadro e distribuir corretamente os papéis e responsabilidades de cada um dentro da sua vida é o seu marido. Dele depende a sobrevivência do casamento de vocês. Ele precisa analisar o que o faz agir assim, quais os furos que ele pretende preencher com tantos presentes e tanta preocupação, o que ele está devendo. Ele precisa eliminar todas as “dívidas” que absorveu desde criança e sair de cena. Deixar que os seus pais vivam independentes, como adultos que são. Ele precisa focar na sua nova família e demonstrar para os pais que cada um é responsável por sua felicidade e o quanto você é importante na vida dele. Ele precisa demonstrar o quanto, determinadas posturas e situações, a desagradam para que os pais não tenham dúvidas da escolha que ele fez e, a partir daí, passar a respeitar os limites, e aqui, volto a ressaltar tanto emocionalmente, quanto financeiramente.

 

Sei que te dizer que depende dele e não de você não deve ser algo que você gostaria de ouvir. Com certeza você gostaria de poder atuar e resolver essa situação, mas não é o caso. Mas posso te dar algumas dicas e te alertar para alguns pontos, se você me permite. Existe um lado que você pode e deve fazer. Manter o respeito pela família de origem de seu marido, afinal de contas, se ele é uma pessoa maravilhosa, de caráter, trabalhador e dedicado a você e seus filhos, com certeza ele recebeu muito amor e uma boa formação dos pais. E isso você precisa reconhecer, antes que seja tarde demais. Não existe um ditado popular que diz que um bom filho é sempre um bom marido?

Querer se separar agora, ainda amando esse homem, talvez não resolva a questão. É importante que você não aceite todas as condições que ele te impõe, como presentes caros, restaurantes, viagens constantes e sempre incluí-los em todos os programas. Aqui entendo que o simples fato de sugerir que eles sejam incluídos já significa que está sempre se sentindo responsável pela felicidade deles. Apenas porque os pais sabem como pressioná-lo para realizar todos os seus sonhos ou mesmo para concordar com todas as suas atitudes.

 

Não quero desenhar um quadro em que os pais dele estão agindo de caso pensado e de má fé para separar vocês e conseguirem o que querem. É puro egoísmo e sentimento de posse que muitos pais vivenciam quando os filhos se vão e constituem novo núcleo familiar com novas regras. Estou afirmando que eles não estão se dando conta que agindo assim estão minando o relacionamento de vocês, eles estão destruindo a felicidade de vocês. É preciso que eles saibam o poder devastador que causam quando transferem as suas responsabilidades para as costas dos seus filhos.  Mas cabe ao seu marido, se ele realmente se interessa em manter você, de interromper esse ciclo. De fazer as suas escolhas..


Escolha você também o que deseja para a sua vida, seja honesta com você mesma e saiba que será responsável pela escolha que fizer. Se ele não for capaz de assumir a vida amorosa sem a sombra dos pais, será que você conseguirá ser feliz ao lado dele? Eu te vejo sofrer muito.

Não se deixe aprisionar pelo medo de romper e começar de novo, ou pelo medo de desagradá-lo. Trata-se da sua vida e você deve buscar a felicidade. Seja amiga, converse bastante, apoie o seu marido nesse processo de libertação emocional dos pais, mas não se iluda. À medida que os pais dele perceberem essa iniciativa, com certeza vão redobrar as chantagens e reforçar um sentimento de ingratidão no seu marido. O que vai exigir muito dele. A grande dica para se ter tolerância e paciência é tentar se colocar no lugar dele, se imaginar sofrendo essa mesma pressão dos seus pais. Assim você vai se tornar mais forte e terá mais sabedoria para entender que a falta de ação dele não necessariamente está ligado à burrice, cegueira ou medo. Mas, dizer NÃO para os sonhos dos nossos pais, nos exige uma maturidade, uma capacidade de separar o forte cunho emocional da vida prática. Portanto, talvez, até mesmo você hesitaria. Pense nisso.

 

Arrisco a dizer que tanto você quanto ele tem comportamentos semelhantes. E aqui, estou inferindo novamente sobre o seu relato, pelo pouco que te conheço. Tanto você quanto ele foram criados por pais rígidos, personalidade forte, que deram pouco amor e atenção a vocês e tudo mais. Porém você, mediante a essa situação resolveu por “agir” como se não precisasse do amor deles ou da atenção deles. E o seu marido, por sua vez, mediante a mesma situação, resolveu por comprar o amor e a atenção não recebidos dos pais. Olha só: você eliminou e ele tenta comprar. São dois lados de uma mesma moeda.

Cabe a ele resolver esse conflito, primeiramente dentro dele mesmo (e esse é o ponto mais importante), depois, tomando uma atitude em relação ao modo como os pais se comportam, sinalizando sempre que todas as decisões serão tomadas pelo casal, envolvendo você e atribuindo a você a devida importância. E digo mais, financeiramente também, passando um longo período sem presentes, sem “pagar” ou querer comprar o amor deles. É importante deixar claro que amor e atenção não são e nem devem ser demonstrados por coisas materiais. Não é pelo valor que um presente se torna significativo para nós.

 

O casamento necessita de harmonia, amor, respeito, confiança, admiração. Se vocês não puderem construir uma relação saudável, de amor e de cumplicidade, qual o sentido de ficar casada com ele? Se ele está “dando” presentes sem que você saiba, se existe um acordo paralelo, me parece pouco saudável.

Impondo seus limites amorosamente, mas com firmeza, você estará mostrando a ele que não aceita ser relevada a segundo plano, sem nenhum poder de decisão. Observe como os conflitos se desenvolvem, mostre-se aberta e receptiva ao diálogo e a entender os seus pontos de vista, mas não se deixe iludir.  Se o relacionamento com o homem que você ama não traz felicidade a você, será que vale a pena insistir na relação? Não se precipite, pense bastante sobre tudo, converse com honestidade e clareza com ele, mas saiba que se você não se amar, em primeiro lugar, não poderá ser feliz com ninguém.

 

Espero tê-la ajudado, simplesmente compreendendo toda a situação relatada. Você deve sim dizer tudo o que te incomoda e falar abertamente com o seu marido.  Mas pelo seu relato, muito bem descrito, detalhado, vejo que é uma conversa que já ocorreu algumas vezes. Você me diz estar perdida, mas não é o que seu relato demonstra. Você tem clareza da situação que a cerca e conhece o tamanho do amor que tem pelo seu marido.  Não saberia te dizer o quanto eficaz seria uma nova tentativa. Mas eu sempre prefiro acreditar que é possível, que o amor consegue tudo. Caberia também ao seu marido agir. E fica claro pelo seu relato, que ele conseguiu impor alguns limites e mudar algumas questões.  Ou seja, de certa forma, ele tomou uma atitude, ele vem demonstrando o amor que sente por você a cada dia, a cada atitude. Entenda que o tempo e a velocidade dele com certeza são distintos dos seus. Resta saber se é suficiente para renovar e revitalizar o amor de vocês. Torço para que vocês encontrem um caminho. Li a sua história e realmente me encantei por ela. Na verdade, foi uma série de “não coincidências” ao longo de anos que culminaram em uma linda história de amor. E eu te confesso, que me emocionei ao lê-la. E espero, que os pais de seu marido, se rendam a esse amor em detrimento aos  interesses e vaidades próprias.

 

O que mais os pais deveriam prezar senão pela felicidade dos seus filhos?