O QUE ESTUDAMOS É REALMENTE RELEVANTE?

Wallas Cabral de Souza

Temos um sistema de educação que não consegue conscientizar os estudantes para caminhos que levem à interpretação de texto, de imagens, de ideias, de mundo e de si mesmo na sociedade. É grave! No Anuário de Competitividade Mundial 2020 (World Competitiveness Yearbook – WCY), o Brasil está em último lugar, com a trágica 63ª (Sexagésima terceira) posição. Situação pior que em 2019.

Na maioria das vezes, o estudante não consegue interpretar um texto simples. Mas o currículo escolar, que contém disciplinas como a língua portuguesa, gasta-se muito tempo com regras gramaticais e literatura, ao invés de provocar a competência interpretativa de forma interdisciplinar. A leitura, até para literaturas brasileira, se torna vaga. A partir do momento que matemática, geografia, história, biologia etc não estiver em comunhão com as habilidades da linguagem, o sistema permanecerá quase que inútil nessa posição de ranqueamento; e a situação da educação nas escolas, principalmente na rede pública, ficará sujeito a projetos muitas vezes distante da realidade do que o aluno precisa no seu dia a dia na habilidade de interpretação de texto. E fica sempre a questão: estudar esse conteúdo para quê? Há problemas na escolarização (exatamente este termo) tanto no conhecimento da arte, da comunicação como da prática da ciência. Há muitas opiniões e pouca discursividade e foco. Refiro-me à grande massa. E, nesse sentido, vem a deficiência quanto a questão primordial da prática da linguagem.

As habilidades da linguagem são inúmeras. Nela temos a interpretação da linguagem verbal e não verbal. Há, aqui, alguns aspectos que gostaria de chamar a atenção na prática da comunicação, usada em praticamente toda forma de conhecimento: oratória, retórica, dialética e hermenêutica. Estamos em volta a todo momento dessas palavras.

Entende-se oratória como a arte de expressar em público bem as palavras. Lembrando que falar bem não é sinônimo de inteligência. Posso fazer uma menção de alguma coisa, sem objetivo algum, mas com termos técnicos, “sofisticado”. Isso é infantilidade. Tolice! Falar bem é uma das formas que às vezes parece ser inteligente, escondendo na verdade a abstração do conhecimento. Assim é também o exercício da memória boa.  Impressiona, mas não significa inteligência. Já a retórica seria a arte de expressar bem as palavras. Falar coisas que mostram um sentido; um significado. Mas como fazer isso se o estudante na escola não é instigado a falar? Entenda-se essa pratica, por favor, de não falar o que nós queremos simplesmente, mas falar pensando, articulando as ideias. Não é só o estudante falar uma opinião para nós, mas sim, por eles mesmos. Autonomia. E isso é uma tarefa que a linguística fornece a todo momento. É na linguística (que quase nada tem a ver com as regras gramaticas) que a retórica tem a sua força maior.

Hjelmslev, linguista dinamarquês, no início do seu livro Prolegômenos a uma Teoria da Linguagem, expressa, de forma muito bela e fantástica, uma das definições da linguagem mais linda que já vi; além-gramática normativa; além-texto escrito. Como a linguística é um universo, não descrevo aqui, e nem poderia, o básico do estudo e prática da linguagem humana. Porém, vai aqui uma mínima demonstração para o sentido dela: “A linguagem  – a fala humana –  é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores. (...) é inseparável do homem e segue-o em todos os seus atos. (...) é o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado.” (Cada expressão aqui não foi por acaso. Tudo tem um sentido. E retornando o foco da retórica sob essa visão, não é apenas falar bonito, é ter o sentido para inúmeras possibilidades, valores, sensações e intenções. Então não é falar por falar, mas falar para dizer o que pensa, dentro de um significado para um objetivo. A falta disso compromete inúmeras competências e prejudica até mesmo o potencial do próprio estudante. Isso quando não são, tragicamente, subestimados com ideias prontas, informações soltas e às vezes aparentemente críticas do docente.

O sistema educacional tem, ao meu ver, outro problema: a dialética. O problema aumenta aí.  A dialética funcionaria como a contraposição de ideias em favor de um esclarecimento maior. Daí vem a palavra “diálogo”. Lembrando que “di” é igual a dois. Quantas vezes dialogamos? Difícil essa condição. Parece proibido falar de alguns temas. Essa censura é inadmissível. A vida possui temas diversos. O estudante deve usurfluir do conhecimento sobre tudo, na “liberdade de aprender” (LDB, artigo 3º, dos princípios da educação). Na prática, isso não existe. Falar com alguém não quer dizer que dialogamos com ele. Já temos ideias prontas e, por esse vício terrível, quando queremos dizer algo, massageamos nosso ego intelectual (mostrando “conhecimento”). Tentamos realizar uma “retórica” provocando o estudante a dela participar. Errado isso. Desculpe, mas não tenho tempo neste discurso para dizer outra afirmação. É errado e desonesto também tal prática. Não podemos esperar do estudante uma atenção à nossa ideia. Precisamos provocar a virtude da troca de conhecimento e estar aberto a ela. De novo, a linguística usa recursos para que o conhecimento seja interligado, e provoque, assim, o devido conhecimento. Essa participação ativa na escola está também faltando. Falta diálogo aberto. Poucos se dispõem a dialogar. O mais comum é a agressão! E assim, todos se calam para não “criar” um mal-estar. Isso é trágico! Isso demonstra falência intelectual! Muitas vezes não queremos dialogar e nos abrir para ele. Mas exigimos aos alunos essa prática. É certo?

Por fim, temos uma deficiência na educação brasileira na questão da hermenêutica. Entende-se, dentre outros significados, que ela é a leitura e interpretação de texto ou discurso. Texto como um produto concreto escrito; e discurso como a expressão da intenção do falante. Logo, não se interpreta o que se ver, mas sim, o que se mostra na sua intencionalidade. A escola falha muito nesse aspecto porque, mesmo mostrando o texto, exigindo muitas leituras, abandona-se a análise do discurso sobre ele. E o que isso significa? Morte do texto! Resposta direta ao problema da hermenêutica. Isso serve para qualquer tipo de informação de conteúdo que não foque o mais simples motivo do discurso. Pela interpretação dessa maneira, então, podemos provocar um diálogo, expressando em público, a nossa intenção; os nossos desejos. Assim, o que entendemos não fica solto. Existe um objetivo e um foco. Aplique-se isso a qualquer disciplina.

E dessa maneira reflitamos sobre o que fazemos na escola: dialogamos para o vazio, ou nos expressamos para a construção de um ponto de vista que não seja só informativo, mas sim, prático, útil e construtivo para convivermos melhor em sociedade sobre qualquer assunto. Estamos abertos para isso ou escolhemos com quem e para quem devemos discutir algo? Simplesmente, do menos instruído na escola, até o mais acadêmico, vejo com muita pena isso não existir com uma frequência maior. O que há é uma distração para informação sem razão, ou informação técnica para alimentar egos com demonstração de currículos. Isso é trágico!

Sempre tive em mente que a arte da retórica, oratória, diálogo está na convivência humana pelo modo plural de ser, e de fazer, de cada pessoa. E disso depende a prática efetiva da interpretação. Não se limita a opinião de uma pessoa. Vai além do limite da razão do nosso próprio “umbigo”. A arte do conhecimento independe da escolha de quem nós, infelizmente, escolhemos.

Passamos praticamente 14 anos estudando a língua portuguesa na escola. E se aqui pergunto o que seria uma oração subordinada subjetiva, provavelmente muitos não lembrariam. Por quê? Não há relevância aplicável. A informação do que estudamos na escola é relevante? Não somos deuses. Somos apenas humanos, às vezes, sem humanidade no dom da instrução e conhecimento. Se o que já sabemos nos limita, infelizes sempre seremos. E é bom lembrar aqui que ser inteligente é ter a força para aplicar aquilo que se ver em teoria, junto com a diversidade, e nunca individualmente. Não podemos ficar presos em uma parcela de tempo em que o que queremos tenha uma parte importante de irrelevância; apenas ficando na abstração das ideias. Então se o brasileiro, na sua maioria, não é capaz de entender e interpretar um texto simples, talvez reflitamos aqui sobre o que seria relevante no estudo da linguagem no ambiente escolar. É preciso falar com sentido o que num diálogo podemos produzir de conhecimento que seja útil, aplicável e compatível com a realidade em que vivemos. A escolarização brasileira carece disso. E o meu discurso precisa, ainda, inúmeras respostas.