O QUE É VIVER

Não andeis cuidadosos da vossa vida, sobre o que comereis,

 nem para o vosso corpo, sobre o que vestireis.

 Não é mais a alma do que a comida,

e o corpo mais do que o vestido?

Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem segam

 nem fazem provimentos nos celeiros, e, contudo, vosso

Pai celestial as sustenta

Porventura não sois muito mais do que elas?

Mateus 6:26

Viva cada dia como se fosse o primeiro dia de tua vida. Sempre que você acorda ou sempre que o Sol surge para te iluminar, mesmo que o céu esteja fechado, é um novo primeiro dia, novas chances.

Saiba usar a tua memória. Ela não é para você se lembrar do que não conseguiu ser, do que não conseguiu obter. Não a use para pensar no que você deseja ser ou ter, pois isso é a mesma coisa que se posicionar no futuro e olhar para o passado frustrado.

A memória deve ser usada para você reconhecer quem você ama e quem te ama; para você reconhecer o que você quer perto de si e para o que você deve evitar.

Faça como os animais, viva cada dia como se fosse o primeiro de tua vida.

Você já percebeu que teu cachorro parece fazer as mesmas coisas todos os dias? Sim, mas para ele são coisas novas. Quando, no teu entender, ele faz uma coisa nova, para ele continua sendo uma coisa nova qualquer, do mesmo modo que são novas para ele as que parecem repetitivas para você. Sempre que você chega, seja do trabalho, de um passeio ou de uma saída qualquer, ele vem te “cumprimentar”, como se estivesse te vendo pela primeira vez. Ele não te estranha, porque você está na memória dele. Ele te “cumprimenta” e, às vezes, você não dá a mínima para ele. Mas ele não se importa com isso. Para ele, trata-se do primeiro dia de atividades, do primeiro dia de vida.

Animais não se preocupam com o futuro, nem com o passado, sejam imediatos ou não. Eles não sentem que a vida seja enfadonha. Teu cachorro te vê chegando e sente alegria. Fica mais alegre ainda quando percebe que você também está alegre. Aí há o risco de ele fazer uma coisa nova que pode te chatear: pular com as patas na tua camisa nova. Te garanto que, se ele estivesse com uma camisa nova e você é que pulasse com “as patas” nela, ele ficaria mais alegre ainda.

Aí está o verdadeiro segredo de viver: executar as atividades de teu dia-a-dia como se fosse a primeira vez; iniciar uma atividade nova considerando-a como primeira vez, primeiro dia, mesmo que ela ou parte dela já tenha sido feita com ou sem sucesso antes. E use a memória apenas para ter o controle de tuas atividades, para te guiar no presente, e não para te frustrar no passado ou te preocupar no futuro.

Não existe nada de enfadonho ou “sacal”, de per si. É o modo de você ver que faz as coisas parecerem assim.

Olhe-se no espelho dez vezes e te veja pela primeira vez em cada uma das dez vezes. Deixe por conta de tua memória te dizer que aquela imagem é você e que você gosta do que está vendo.

Olhe para teu irmão, irmã, pai, mãe, tio, tia, amigo, amiga, etc., como se fosse a primeira vez. Deixe por conta de tua memória te dizer que você gosta deles ou tem alguma aversão por eles. Deixe para as memórias deles lhes dizerem que gostam de você ou te tem alguma aversão.

Eu te garanto que, na maioria absoluta das vezes, é o gostar que vai vencer, da mesma maneira que o teu cachorro te recebe com alegria, mesmo que você tenha dado um chute nele antes de sair, pois, para ele, quando você volta, ele está te vendo pela primeira vez, e a memória dele apenas lhe diz: eu gosto do meu dono.

Viver cada dia como se fosse o primeiro dia de tua vida é uma mudança radical, mas é uma mudança para melhor, para você e para o mundo que te cerca.

Você pode querer resistir. Algumas pessoas podem achar que você está anormal ou doente. Por que? Porque a imagem que você sempre mostrou para elas foi a de uma pessoa fechada, acabrunhada, preocupada o tempo todo, como a agulha de uma bússola, sempre apontando para uma única direção, sofrendo um desvio apenas quando tem sua atenção atraída, seja para uma conversa ou para algo que deveria ser de seu melhor interesse. É o modo de você se relacionar com aquele grupo. E foi assim que você os acostumou.

Os que mais vão te estranhar, os que vão mesmo te tachar de anormal e doente são, também, exatamente, aqueles que resistiriam a uma mudança, que são incapazes de viver cada dia como se fosse o primeiro de suas vidas, preferindo impor a si uma tortura mental diária sobre o que não conseguiram, o que não obtiveram e sobre o que deverão conseguir ou obter, ignorando descuidadamente que o amanhã pode não existir para elas. E, com certeza, um próximo amanhã não vai existir para cada um de nós. Isso é um fato diário.

De que vale, então, desaparecer nesse amanhã estando acabrunhado, preocupado? Com certeza você será esquecido mais rapidamente, apesar de ter sido uma pessoa em seu estado “normal”.

A vantagem de viver cada dia como se fosse o primeiro é que mesmo o último dia também será o primeiro para você, apesar de ter sido o teu último para aqueles que te cercam.

Você, provavelmente, acha que os animais não se preocupam com a morte. Você está certo. Eles não se preocupam, pois eles não sabem o que é a morte. Eles não sabem, mas, nem nós sabemos. Para nós é o desconhecido, e temos medo do desconhecido. Os animais não temem o desconhecido, por isso não existe para eles (e nem para nós, mas, tememos mesmo assim). Porém, os animais sabem o que é a vida. E, para eles, só ela existe, e sentem que ela é para ser vivida, cada instante sendo a primeira vez.

A vida não é longa, como um fio mais ou menos comprido. Ela é curtíssima. Pode até ser cada segundo de relógio, mas não é mais que isso. É o conjunto formado por cada segundo que se acumula que te dá essa sensação de uma continuidade sólida como um fio.

Por ser um instante ínfimo é que a vida não te controla. Ela te dá a chance de, a cada segundo, você poder controlá-la, aproveitá-la, vivê-la naquele instante.

Se você escolhe ignorar aquele instante com uma preocupação, com um acabrunhamento, ela te apresenta outra chance, e outra, e mais outra. Lembra do teu cachorro? Ele faz isso também: você o ignora nas mil vezes em que sai e ele te recebe com alegria nas mesmas mil vezes que você volta.

O que vai determinar quantas chances a vida vai te dar não é algo externo, mas, sim, o estilo de vida que você escolher, a tua constituição fisiológica, moldada a cada instante que você vive.

Não existe uma entidade externa a você chamada “vida”, que te faz sentir-se bem ou mal, bom ou ruim, para que você para e diga: Minha vida é uma beleza, ou minha vida é uma merda. Se existisse algo que fizesse tua vida melhor, então, sempre que você se emburrasse num canto maldizendo a vida, ela reverteria aquilo e você ficaria feliz em qualquer momento.

Se você escolheu se emburrar, isso só prova que o controle é teu. Então, não crie uma entidade para jogar a culpa nela. Culpe a você mesmo. Não espere que ela te faça feliz novamente, pois isso não vai acontecer. Faça-te feliz. É tão fácil quanto e melhor do que te fazer infeliz, emburrado, de mal com a “vida”.

Então, é melhor aproveitar cada chance que nos é dada e vivê-la como se fosse a primeira vez, como se fosse uma coisa nova. E é: cada chance é uma nova chance, e cada coisa nova é a primeira.

Se um dia você perceber que tuas chances se esgotaram, mesmo que você vá ao passado, só verá que você conseguiu tudo, obteve tudo, e se sentirá satisfeito, não sentindo nenhuma necessidade de desejos que não serão satisfeitos no futuro.

Brasilio – Janeiro/2010