O QUE É SER ESCRITOR

Enquanto na década de vinte, em Paris, a escritora Gertrude Stein acolhia em sua casa, protegia e incentivava os jovens artistas a que seguissem livremente suas inclinações artísticas ou literárias, nos tempos atuais parece estar ocorrendo um procedimento inverso, levado a efeito por pessoas esclarecidas, tentando desacreditar talentos espontâneos.

Já faz tempo soube que algumas pessoas estavam organizando movimento para impedir o livre exercício da arte de escrever.

Tais pessoas baseavam sua campanha nos postulados de um escritor italiano, o qual afirmava, num de seus manifestos, que ninguém tem o direito de se proclamar escritor ou escritora sem antes haver cursado uma faculdade.

Com base nesta premissa, falsa, obviamente, tais pessoas estavam prontas para desencadear, através de palestras e artigos, uma campanha generalizada contra todos os escritores independentes.

É claro que esta campanha não poderia, por exemplo, ser retroativa aos tempos de Cervantes, que não se sabe se freqüentou uma faculdade; de Voltaire, que abandonou os estudos para se dedicar à literatura; de Emile Brontë e suas irmãs, que foram alfabetizadas em casa por seu próprio pai que era um pastor protestante; de Alexandre Dumas (pai), que antes de ser escritor era auxiliar de notário; de Virgínia Woolf, que começou a sua carreira literária a partir de reuniões intelectuais informais realizadas em sua casa; de Allan Poe, que por falta de recursos não conseguiu concluir seus estudos; de Balzac, formado em Direito, que abandonou a advocacia para se dedicar à literatura; de Victor Hugo, que se tornou escritor aos 15 anos vencendo um concurso literário e sendo premiado pela Academia Francesa; de Hemingway, que começou sua carreira literária como empregado de jornal e jornalista amador; de Gogol, que era auxiliar burocrático; de Machado de Assis, que nunca freqüentou uma escola em sua vida; de Jorge Luis Borges, nascido aristocrata, que escreveu o seu primeiro conto quando tinha apenas seis anos de idade, e tantos outros homens e mulheres que se dedicaram à literatura porque não sabiam fazer outra coisa, sendo que noventa por cento deles nunca freqüentou uma faculdade. |

Feliz de quem puder fazer um curso de Letras para ter um respaldo acadêmico. Porém, uma faculdade não faz um escritor, nem mesmo um simples redator. A prova disso está em que muitas pessoas formadas em Letras, não sabem escrever. Escritor ou escritora é, simplesmente, aquele ou aquela que tem por hábito escrever.

Carolina Maria de Jesus, uma humilde favelada negra do bairro Canindé, em São Paulo, que sobrevivia de catar papéis, reuniu o que havia escrito num caderno, que constituiu o diário de sua vida miserável, e transformou estes escritos no livro ?Quarto de Despejo?, que foi editado em 1955 e traduzido para 13 idiomas, transformando-se num pequeno bestseller, com milhões de leitores e leitoras em todo o mundo.

Luciano Machado