O QUE É O SONHO III

Quando estamos dormindo continuamos a pensar, mas é um pensar diferente daquele que temos quando acordados. Quando esses pensamentos são registrados na memória dizemos que tivemos um sonho.

Neste aspecto, sempre que um pensamento possa ser lembrado, então sempre sonhamos, seja dormindo ou acordados.

O caminhar do pensamento é totalmente independente dos sentidos. Quando acordamos de um sonho ficamos admirados porque aquele pensamento ocorreu sem o nosso controle. Será que o pensamento é independente de nosso controle? Sentimos como se uma segunda pessoa pensou aquilo por nós (sonhou), pois não estávamos no controle, não pensamos aquilo.

Se somos nós mesmos, o que diferencia um pensamento controlado (pensamento acordado) de um sem controle (sonho)? Seria a interação com a “realidade” através dos sentidos? Mas, nos sonhos há uma realidade também, igualzinha à daqui, apenas os sentidos não participam, mas o objetivo deles participa!!! O que chamo de objetivo dos sentidos é aquele local para onde eles canalizam as informações recebidas. Em sonho vemos, ouvimos, sentimos gostos, cheiros e até formas. E não fazemos isso através dos cinco sentidos, mas é como se fosse! Será que temos mais 5? Será que o objetivo é um sexto sentido? “Sentimos” os 5 sentidos, mas não sentimos o sexto. Mas ele existe!

Mas, no mundo acordado, se “apagarmos” todos os sentidos, fechando os olhos, estando num lugar silencioso, sem cheiro, sem sabor, sem contato corporal (este é o mais difícil de apagar – como não sentir o ambiente pela pele? Como não se sentir?), mesmo assim não conseguiremos manter uma linha firme de pensamento, como ocorre nos sonhos, e nem teremos uma interação “quase” real (só não é real porque tudo some quando acordamos) como acontece nos sonhos. Então, faltariam duas coisas:

1)      Como manter uma linha de pensamento, ou seja, como evitar interferências (outros pensamentos).

2)      Como ter uma interação quase real.

Estes dois são dependentes, mas qual depende de qual? Bom, não é possível termos pensamentos sem imagens ou sem sensações. Em resumo, não é possível termos pensamentos sem sensações. A questão é: o que vem primeiro? O pensamento cria a sensação ou é o contrário? É possível termos sensações sem pensar antes? Sim. É possível ao pensamento criar uma sensação?

Sim, mas esta sensação TEM QUE ser secundária, isto é, teve outra antes, pois dissemos que não é possível termos pensamentos sem sensações antes, ou, as sensações é que causam os pensamentos.

Existem diversas fontes de sensações e elas vão surgindo ou sendo criadas ao longo do desenrolar do pensamento, mas a sensação original, que é a sensação do EU, é única e é a primordial. A sensação do EU não é um pensamento, mas a origem do pensamento. A sensação do EU é algo que sentimos através de nosso sexto sentido (ou através do décimo-primeiro sentido). Se sentimos o mundo à nossa volta através dos cinco sentidos, com que sentido sentimos nós mesmos?

Mas, para sentirmos algo, esse algo tem que estar fora de nós de alguma maneira. Então, se sinto algo fora de mim, que é meu EU, então ele não é EU. Sei que é ELE, mas continuo sem saber quem EU sou.

A sensação do EU, então, é a própria sensação, que sente a si mesma. A partir daí sinto o meu corpo e tudo que há nele e em volta dele. Percebo até meus pensamentos e meus sonhos. EU SOU SENSAÇÕES E PERCEPÇÃO.

Como eu percebo meus pensamentos e meus sonhos? Revivendo as sensações em seguida? Por que duas vezes? A segunda teria que ser diferente.

Sensações ficam armazenadas em memória como pensamentos, daí os sonhos. A questão que ainda fica é a “novela” consistente e completa nos sonhos.

Tenho uma amiga que tem uma sobrinha com a qual nunca tive qualquer tipo de contato. Conheço a sobrinha apenas de ouvir minha amiga falar dela. Ela nunca falou da irmã, mãe da menina. Ainda assim, montei uma realidade consistente e completa em um sonho. Interagi com todas elas de modo controlado, como se fosse na vida real (onde eu estava em uma cama com todos [?] os meus cinco sentidos desligados). Tive esse sonho depois que pensei rapidamente em minha amiga. E já havia mais de um ano que eu não a ouvia falar da sobrinha ou na irmã, pois ela havia mudado para outra sala. O simples fato de eu pensar nela puxou as outras coisas. Se bem que nem sempre é assim: às vezes você sonha com coisas que nunca (?) pensou. Isto é verdadeiro. Se você pensou, então foi em outra vida. Se não há outra vida, então você não pensou.

Então, o sonho independe do pensamento, pois você sonha com coisas nunca antes vistas, e os sonhos têm uma realidade própria ou temos um sexto sentido que abrange uma realidade bem maior que a que percebemos diuturnamente. Alguém poderia colocar alucinações como uma terceira possibilidade. Mas, alucinação não é algo externo. Se fosse, estaria admitida uma outra vida. É algo interno, concreto, lógico em termos de sequência, mesmo que curta. São como pensamentos descontrolados, o mesmo que pesadelos, o mesmo que sonhos. Nesse caso, as coisas que vemos em alucinações são as mesmas que vemos em sonhos, nas quais nunca pensamos, que, então, provêm de outra realidade.

No sonho que contei acima, eu havia tido um pensamento sobre minha amiga antes de dormir. Por que a irmã e a sobrinha foram “puxadas” e uma “novela” diferente da que eu tinha “sugerido” ocorreu? Os nossos sonhos são independentes de nossa vontade. Se fossem dependentes da vontade seriamos mais felizes ou menos? Eu poderia ter a mulher que eu quisesse por tantos dias quantos eu quisesse. Faria com ela qualquer coisa que desejasse. Poderia refazer como se fosse a primeira vez ou continuar da vez anterior. Poderia transformá-la em outra e, depois, nela mesma. Poderia (?) satisfazer todos (?) os meus desejos...

Então eu acordo. E tudo desaparece. Inclusive a sensação dos desejos satisfeitos. O problema é que, do lado de cá, desaparece uma sensação, agora real, de desejos satisfeitos, sem terem sido realmente satisfeitos do lado de cá. Isto, então, gera um saldo negativo, um débito em cima de um crédito inexistente, uma frustração. Pouca diferença de desejos quase vívidos não realizados, né?

Não, não seriamos mais felizes se nossos sonhos dependessem de nossa vontade. Muito pelo contrário, muito pelo contrário mesmo. Os nossos sonhos são independentes de nossa vontade. Ainda bem.

Temos em nós, então, três coisas distintas: vontade, pensamentos, sonhos. As três podem ser influenciadas pelo físico (especialmente o fisiológico), desde que os sentidos não estejam completamente desligados. As três podem estar presentes nos sonhos também, especialmente a vontade.

Os sentidos podem alterar os sonhos. Se é a audição, você pode montar uma “novela” em torno do som que é ouvido. Assim é com o olfato e paladar. A visão é o único que podemos controlar do lado de cá (supondo que ela é realmente física). Do lado de lá não, pois a vontade lá não parece ser 100% nossa. Mas, do lado de cá também não parece, principalmente quando se trata de pensamentos: não conseguimos fixar um pensamento facilmente. Assim, apesar do sonho ser fixo (uma novela consistente e completa), não conseguiremos manter os olhos fechados lá, porque é como um pensamento aqui. Todos os sentidos funcionam do mesmo jeito, aqui e lá. Mas lá eles são instáveis: uma visão, um cheiro, um gosto, um som, podem se transformar em coisas completamente diferentes.

Do lado de cá: sentidos estáveis (o que nos dá uma realidade estável) e pensamentos instáveis (o que altera um pouco a realidade que sentimos; do lado de lá: sentidos instáveis (realidade instável) e sonho estável (o que mantém quase inalterada a realidade que montamos).

Dos cinco sentidos, o que interliga com mais força os dois mundos é o tato. Talvez por ser o mais difícil de ser desligado naturalmente. A conexão é tão forte que, muitas vezes, o que acontece nos sonhos estará acontecendo do lado de cá, principalmente quando se trata de sensações fisiológicas. O risco de você estar molhando a sua cama é altíssimo se você sonha que está fazendo um xixi prazeroso.

A sensação que temos quando tocamos em algo durante um sonho é a mesmíssima que temos quando tocamos a mesma coisa do lado de cá. Uma coisa, porém, é diferente: a dor. A maioria absoluta das dores que sentimos em sonhos está ocorrendo do lado de cá. Quando nos machucamos em sonhos não sentimos dor. Por que? A dor é percebida pelo sentido do tato. Quando, em sonhos, tocamos em alguma coisa, a sentimos, seja fria, quente, lisa, áspera ou pontiaguda. Mas não sentimos como dor se formos “feridos” por uma coisa assim. Por que?

Eu tive um sonho em que levei uma punhalada na altura do umbigo. Acordei em seguida sentindo uma dor no mesmo local. O sonho causou a dor ou uma dor causou aquela parte do sonho? Não sei. Não sei. Só sei que a dor sumiu em menos de um minuto depois que acordei. Se foi uma dor que causou esta parte do sonho, por que o contexto onde o sonho se desenrola não é alterado radicalmente? Eu senti a dor depois que acordei. Não a senti no sonho.

O tato sente formas e dor (com seus “predecessores” quente, frio, áspero, liso, cortante, penetrante, etc.). Os demais sentidos só têm um tipo de “input”. Na verdade, o tato só tem um tipo de input também: a dor. Sentir uma forma é sentir uma dor. A diferença é a falta de desconforto, que é o que caracteriza a dor, como a conhecemos. É o que ocorre nos sonhos. Falta o desconforto, por isso só sentimos a forma, sem sentir a dor. Se sentirmos dor no sonho, ela está realmente ocorrendo, o desconforto está presente do lado de cá. Quando acordamos, podemos constatá-lo. Nesse caso, nem mesmo no sonho conseguimos nos curar daquela dor.

Estamos tão acostumados com a cama que a sensação táctil constante com ela não mais influencia os nossos sonhos – ficamos confortáveis, porém não sentimos nem mesmo a forma em que o corpo se encaixa no colchão. Quando passamos para uma posição desconfortável, deitado sobre um braço, por exemplo, o sonho será alterado, e em conformidade com a severidade do desconforto. Quem se acostumar a essa posição não mais terá um sonho alterado, se tornará confortável.

No sonho você não se queima, não se afoga, não morre quando é atropelado. Continua sempre consciente (e é isso que te permite ter a sensação – da queimadura, do afogamento, etc.). É exatamente como imaginar, mas sem a sensação do “ataque”, pois só em sonhos podemos ter essa sensação sem o desconforto consequente na vida real. Aqui, até a consciência se perde, dependendo da severidade do “ataque”.

Desconforto só pode existir no mundo real? Pesadelo é desconforto? Sim, pesadelo tem desconforto, mas não tem dor. Dor é acompanhada de desconforto, mas nem todo desconforto causa dor. Alguns pesadelos e até alguns sonhos chegam a causar esgotamento físico devido ao esgotamento mental. Alguns acabam causando até dor. Alguns pesadelos têm origem fisiológica, outros não.

Então, desconforto existe tanto em sonhos quanto na vida real.

Por que não existe desconforto em pensamentos? Isto apenas prova que sonhos e pensamentos não são a mesma coisa.

Já tive sonhos nos quais eu tinha total consciência de que estava sonhando. No sonho eu comparava a situação em que eu me encontrava com a última situação em que estava quando acordado, como, por exemplo, estando em Londres no sonho e morando realmente em Vila Velha. Nunca estive em Londres. E no sonho tenho claríssima consciência que fui para a cama em Vila Velha. Isso me permite tomar decisões num sonho cujos resultados seriam fatais na vida real, como pular de um prédio de 20 andares, por exemplo. Vejam, no sonho eu tinha plena consciência de que estava dormindo, o que significa que quando se dorme não se perde a consciência. Ela apenas se altera.

Em 1977, no mês de agosto, fui anestesiado para sofrer uma cirurgia. Percebi duas coisas apenas: quando estava sendo anestesiado (acho que, sedado) na sala de cirurgia e quando estava de volta ao meu quarto. São as duas únicas coisas de que me lembro. Se sonhei não me lembro. O intervalo entre os dois eventos foi de seis horas. Nesse caso, parece que perdi a consciência e não fiz registros de memória. Morrer deve ser assim. Mas, quando se dorme, muitas vezes também não lembramos de nenhum sonho, nada, em intervalos de até 8 horas ou mais. É uma perda de consciência também. É o “gosto” da morte. A questão é saber se sonhamos mesmo ou não.

No mundo real, diariamente, pensamos várias coisas que não registramos na memória, pois isso é algo que não está 100% sob nosso controle. Esse “tempo perdido” com esses pensamentos não registrados é também uma “perda de consciência”, como quando dormimos (normalmente ou anestesiados) e não sonhamos. Para saber se sonhamos é preciso que o sonho seja registrado na memória.

Está claro que é impossível afirmar que às vezes não sonhamos. Existem mais evidências do contrário, isto é, que sonhamos sempre: muitas vezes lembramos de coisas que, aparentemente, vieram do nada, ideias, experiências, descobertas. O mundo dos sonhos é o único lugar onde coisas podem ser criadas do nada, do ponto de vista físico. Porque só lá os pensamentos podem se realizar sempre (na realidade física de lá) instantaneamente, tanto para o criador como para todos que estiverem em volta. E são coisas concretas lá. Todos podem ver ou tocar. Ideias podem ser SEMPRE concretizadas na realidade física dos sonhos.

No mundo real, a única coisa certa, alcançável, é a ideia. O resto são probabilidades. Começa-se, como no sonho, com uma ideia. Depois essa ideia tem que ser transformada em um modelo lógico, ou vários modelos lógicos. Estes modelos têm que interagir entre si para ter como resultante o modelo final. Caso este seja um objeto físico, será preciso construir, com a matéria adequada (se existir, caso contrário cai-se numa impossibilidade) cada componente físico que corresponda a cada modelo funcional e que cada um interaja para resultar o objeto físico final.

Diferentemente dos sonhos, onde a realização é instantânea, existem vários pontos neste processo que podem ser tornar becos sem saída (impossibilidades).

Agora está claro que a realidade do mundo dos sonhos (ou do pensamento) é muito mais abrangente do que a realidade chamada de real. Nada lá é impossível, seja passar ileso pelo meio do fogo, caminhar sob a água respirando normalmente ou ir a outro planeta, instantaneamente ou não.

De repente, você está agora desejando se mudar para o Mundo dos Sonhos, onde você pode buscar a felicidade num tempo menor do que o de um estalar de dedos, onde tudo pode dar certo, bastando você querer que dê certo. Como ir para lá, em vez de ser apenas um visitante esporádico?

Eu não sei. Também sou visitante. Quem é visitante não é morador definitivo. Visitante tem sempre (?) passagem de ida e volta. Morador só tem passagem de ida. É como o Mundo da Morte. Este não tem (?) como visitar.

Mas, por que o nosso mundo, o chamado Mundo da Vida, só tem visitantes? Aqui não tem um único morador definitivo.

Quando você sonha, você tem consciência disso e sabe que é um visitante. Mas você vê pessoas lá que, para você, são moradores definitivos em relação a você. Mas, é como se fosse aqui no mundo real. Imagine alguém do Mundo dos Sonhos sonhando com o nosso mundo real, isto é, vindo nos visitar. Ele teria a mesma sensação que você tem. No entanto, sabemos que não somos moradores definitivos daqui.

Parece que só existem moradores definitivos lá no Mundo da Morte. Quem vai, vai para ficar. Se você não está dormindo e nem acordado, só pode estar morto!

No sonho, você vai e volta (para a vida real, pois você não é morador definitivo do Mundo dos Sonhos). Na vida real você vem (você está aqui, não está?) e volta (tem que voltar, pois você não é morador definitivo do Mundo da Vida, certo?). Mas, você vem (e volta) de onde?!

 
   

Bom, você pode vir do Mundo dos Sonhos e voltar para lá. O “normal” é você ficar mais tempo aqui do que lá. Você pode também vir do Mundo da Morte e voltar para lá. O “normal” é você ficar mais tempo lá do que aqui. De certa maneira, muuuito mais tempo lá!

Quando você volta do sonho, você volta “você”. Pode ser que você não volte “você” para você mesmo, mas será “você” para mim, pelo menos fisicamente. Ninguém volta de um sonho fisicamente transformado, porque quando se está dormindo não existe nenhuma transformação física (visível) definitiva. Teria que ser um pesadelo e tanto!

Quando você vem do Mundo da Morte (o desconhecido), você vem “você” para você mesmo, mas é novidade para mim e para o restante do mundo (você nasceu!).

Quando você acorda de um sonho, você é “você” para você mesmo porque você se lembra. E você é “você” para mim porque eu me lembro.

Quando você vem do Mundo da Morte, você é “você” para você mesmo porque você se sente. E você é “você” para mim porque eu te percebo.

Sentir e perceber demandam consciência, e consciência gera lembranças. Você só pode lembrar de si mesmo depois que começar a se sentir; eu só vou me lembrar de você depois que eu começar a te perceber.

Como o Mundo da Vida, assim como o Mundo dos Sonhos, é um mundo de visitas, seria possível fazer mais que uma visita, como ocorre no Mundo dos Sonhos?

É claro que, no intervalo entre você acordar e dormir, você está fazendo uma visita ao mundo real, isto é, você não consegue estar em dois mundos diferentes ao mesmo tempo. Ou está em um ou está em outro. A pergunta é: é possível fazer mais que uma visita ao mundo real saindo do mundo da morte? Ou saindo do mundo da morte e fazer várias visitas ao mundo dos sonhos?

Bom, eu não tenho nenhuma consciência de que já estive aqui antes. No nível de consciência em que me encontro, posso afirmar que essa é minha primeira visita, mas não posso afirmar que é também a última. Não posso afirmar também que alguém em algum lugar, alguém com quem nunca tive contato nesta minha visita, não vai me reconhecer, seja fisicamente ou psicologicamente, mesmo apesar do curto período de nossas visitas: dificilmente 100 anos.

Quanto às visitas ao Mundo dos Sonhos a partir do Mundo da Morte, não dá para saber nada. Falta consciência. Além do mais, não sabemos nem mesmo se o Mundo da Morte existe. Talvez ele seja o próprio Mundo dos Sonhos. Só será possível saber após a morte. Talvez só o corpo morra. Nos sonhos o corpo físico não existe, morreu, degradou-se. Talvez o Mundo da Morte seja mesmo o da inconsciência total, o mundo do nada. Parece que é isso. O apagamento total da consciência. A mesma coisa que acontece em algumas doenças, amnésias, choques: uma nova consciência substitui a anterior. Fisicamente é a mesma pessoa para nós, mas psicologicamente é outra. E é totalmente outra para ela mesma. É sua primeira visita. Para nós é a mesma pessoa. Difícil afirmar que não é. Então, não posso mais afirmar que esta é a minha primeira visita.

A questão do corpo físico é de menor importância, pois ele só serve para a manifestação da consciência: ela se manifesta, ele se desenvolve; ele se desenvolve, ela se manifesta com mais força. E assim por diante.

Se esta não é minha primeira visita, por que não me lembro das anteriores da mesma maneira que me lembro das visitas aos sonhos? Por que não me lembro de nenhumazinha? Melhor dizendo: por que não me lembro com clareza? É que não posso afirmar que não me lembro totalmente. Será que a memória é física e se perde com a morte? Será que as lembranças estão inalcançáveis lá no fundo do baú da memória, como muitos acontecimentos da vida presente?

Quando estou no Mundo dos Sonhos, posso até me lembrar de outros sonhos que tive, e até revivo vidas que talvez eu tenha tido. Mas, a consciência atual não se apaga, fica junto com a outra. E, às vezes, fica extremamente desconfortável quando um conflito se estabelece, como quando você se vê, de repente, em um sonho, fazendo algum tipo de maldade. Há um desespero para se agarrar à consciência atual e, quando se acorda, é um alívio. Imagine agora se eu me lembrasse claramente de todas as minhas visitas, se eu tivesse todas aquelas consciências ativas ao mesmo tempo. Qual seria o tamanho do meu desespero? Com qual consciência eu ia querer me agarrar? Provavelmente com aquela através da qual eu criei o maior número de laços de família. Imaginem o desespero. Não acho que conseguiríamos sobreviver a isso. Talvez, então, eu me agarraria com essa que está ciente de que deve se livrar das outras, ou seja, eu tentaria me agarrar ao meu eu atual (do contrário, eu entraria para um contexto diferente do mundo atual e seria tachado de louco pelo resto de vocês, não é?).

Talvez o Mundo da Morte seja também um mundo de visitas. Talvez sejamos obrigados a sempre visitar. Talvez, em cada mundo visitado, devemos entrar com nova consciência. Ao morrermos não nos reconheceremos.

Assim como para saber o que seremos no Mundo dos Sonhos temos que sonhar, para sabermos o que seremos no Mundo da Morte temos que morrer. Mas, mesmo que ele exista, talvez nunca saibamos se entrarmos com nova consciência.

O meu sonho é morrer e continuar sonhando !!!

Brasilio – Abril/2004.