O QUE É O SOFRIMENTO

Não posso afirmar que não existe um Deus controlador do universo e, de certo modo, de nossas vidas. Ninguém pode. No entanto, nada aponta para a existência de um, ou de santos, ou de seres que nos fariam um bem ou um mal. Pelo menos não conseguimos percebê-los pelos sentidos que temos. É por aqui que dizemos que nada aponta para a existência deles. O que apontaria para a existência de entidades benignas seria o alívio, o reconforto quase que imediatos, após uma oração ou não, para as pessoas honestas, de bom coração, trabalhadoras, caridosas, sensíveis, que passam por tribulações, dores, sofrimentos e injustiças. Mas, isso não acontece. O sofrimento continua, a injustiça continua. Fica, para elas, apenas a esperança de que ajuda virá. E é essa esperança que lhes dá um pouco de alívio. Mas, a esperança acaba junto com a morte.

Algumas religiões dizem que o sofrimento é para elevar mais o espírito da pessoa. Mas, por que os maus, os preguiçosos, os desonestos não sofrem na mesma proporção ou em escala maior?

Certo, ninguém é totalmente bom e nem totalmente mau, mas parece que o mau está sempre em vantagem. Se a pessoa luta para ser boa, o mal acha outras maneiras de atacar essa pessoa, sempre por uma doença (com dores) ou por coisas ruins a um membro da família ou a amigos. Por outro lado, para uma pessoa que é má, não acontece tais coisas ruins, porque o mal já está em vantagem na própria pessoa. Será que ser mau já é sofrer?

É como se cada um tivesse que ter, obrigatoriamente, a sua cota de sofrimento. Se ele for bom, vai ter doenças ou choques; se ele for mau, já está sofrendo, daí, não precisa de dores e choques.

O sofrer para elevar mais o espírito é mais uma tentativa de justificar a demora, e talvez a inexistência, de um alívio santo do que uma esperança que vai se concretizar.

Há outras maneiras de elevar o espírito. Sofrer não é uma delas, com certeza. O sofrer tenta fazer, exatamente, o oposto: baixar o espírito. Ele não deve ser aceito, mas, sim, combatido. Aceitar o sofrimento para se purificar é ser preguiçoso, é ser mau sem praticar más ações.

É essa inércia das entidades santas em acabar com certos sofrimentos que aponta para a inexistência delas.

Se existe uma entidade que nos traga alívio, que nos crie ou uma que aumenta mais o nosso sofrimento; se existe um Deus que nos traga alívio ou um demônio que nos traga dor, estes só podem ser o próprio homem, pois é exatamente para ele que estão apontadas as possibilidades que causam tais ações. É o próprio homem que causa, que experimenta e que alivia a dor, o sofrimento e as injustiças. É ele que traz a esperança e que, também, acaba com ela, ao morrer ou matar. Ou, será que nada chega a um fim com a morte, a não ser a vida física? Será que o sofrimento pode continuar além da vida?

Não seria bom ele continuar. Se sim, deve-se continuar lutando contra ele. Sempre.

Se não existe vida além da morte (uma coisa que ninguém pode afirmar ou negar, pois é uma coisa que não afeta os vivos, como sofrimento e alívio afetam), então o sofrimento acaba mesmo junto com a morte, mas, a pessoa, simplesmente, sucumbiu ao mal, não lutou contra seu sofrimento a ponto de acabar com ele. Morreu má sem praticar más ações.

Se existe vida além da morte, o sofrimento pode continuar, inclusive com as dores que o acompanham, pois, quem sente dor é o espírito e não o corpo. Aliás, esse sofrimento pode até aumentar, pelo fato de toda interação física desaparecer. Se existe vida além da morte, é para isso que aponta essa falta de evidência física daqueles que já se foram, pois, da mesma maneira que temos uma perda aqui e sofremos por isso, quem se foi pode sofrer a mesma perda, além do que já sofria.

Funções exclusivamente espirituais, como sentir e pensar, não desaparecem, mas, por não serem físicas, não causam interação com os vivos, mas mantém o “morto” em contato com tudo que ele tinha quando vivo. E isso, também, pode aumentar seu sofrimento de uma maneira que nenhum vivo pode experimentar.

O sofrimento aumentará ainda mais se o “morto”, além de não poder interagir com os vivos, não puder mais interagir com os demais “mortos”. Isto seria pior do que ficar preso num sonho. Seria, talvez, igual ao sofrimento que se pinta do inferno.

Não ter nenhum tipo de contato, nem consigo mesmo, é estar realmente morto (a morte sem vida depois). Ter contato só consigo mesmo é o pior sofrimento.

Enquanto “morto” e não existindo nenhuma entidade que possa te aliviar, como acabar com o sofrimento?

Se você tem contato com outros “mortos”, tem que lutar como deve se estiver vivo. A vantagem de estar morto é que você fica livre de muitos fardos, principalmente os fardos físicos. Isso, certamente, já traz alívio. Tendo só a mente para ser usada, estando no controle dela, certamente você acabará com o seu sofrimento. Assim também será se você só tiver contato consigo mesmo, se bem que a luta será bem mais cruel.

Brasilio/Setembro-2009.