O QUE É O DIA DA TUA MORTE

O dia da morte de alguém é um momento que é estranho antes de chegar, pois, ao mesmo tempo que a pessoa tem medo de morrer, aquele dia não fica na cabeça dela, a perturbando, pelo menos não como um problema que a aflige na vida. Será que, de algum modo, o dia da morte já está aceito, apesar da incerteza do momento mas da certeza da morte? Todos têm medo de morrer, mas ninguém se preocupa em quando sua morte vai ocorrer.

Mas, de vez em quando, essa preocupação aparece, nem sempre de maneira profunda, mas, às vezes, num papo descontraído, tipo: “Quando chegar a hora de minha morte...”.

Para que ficar preocupado com o dia de tua morte? Para que ficar em dúvida se se trata de um dia a mais (tempo de vida acumulado) ou de um dia a menos (tempo restante até o dia da morte) em relação àquele dia que passou?

Não serão as coisas que estão ao teu redor e nem o tic-tac do relógio ou a passagem do dia e da noite que determinarão o instante de tua morte. Pelo contrário, o momento de tua morte é que determinará a posição das coisas que te rodeiam. Fulano não morreu às 4h na UTI do hospital. Ao contrário, quando ele foi dado como morto, o relógio consultado marcava 4h.

A determinação da posição das coisas ao teu redor no instante em que você morre é relativa a você. Você e o que te cerca são independentes entre si. O relógio vai continuar fazendo seu tic-tac depois de tua morte, o dia e a noite vão continuar passando da mesma maneira que o fazem enquanto você estiver vivo. Nada se modifica fora de você quando você morre. Assim, se você não interage com nada que fica, tanto faz você estar morto ou vivo. Se você, enquanto vivo, sustenta alguma coisa de alguma maneira, que sirva a algo ou alguém, e esse sustento cessa com a tua morte, aí sim, algo mudará com a tua morte.

Enquanto vivo, você tem a probabilidade de interagir com muitas coisas. Depois de tua morte, só você pode saber se pode interagir com as mesmas coisas que interagia enquanto vivo ou que vai interagir com coisas novas ou, ainda, que com nada vai interagir, nem consigo mesmo.

Se você não interage com nada, não tem parentes e nem amigos, nenhuma pessoa ou coisa com que se relacione de alguma maneira, então sua passagem será como a do dia de ontem, com a diferença que não haverá lembrança daquele dia.

Por outro lado, se você tem, pelo menos, parentes, você será lembrado como podemos nos lembrar do dia de ontem. Mas, essa lembrança não durará muito, mesmo que sejam mantidos registros de tua passagem.

Eu, por exemplo, não me lembro de meu avô paterno, a quem nunca vi, nem mesmo em fotos. Mas, de alguma maneira sinto a presença dele quando lembro de meu pai e que, obviamente, ele teve um pai.

Mas, à medida que vou tentando “ver” meu bisavô, trisavô, e assim para trás, a sensação que fica é a mesma que tenho sobre alguém que ainda não nasceu.

É a mesma sensação que tenho em relação a fatos que não foram registrados pela história oficial ou por testemunhas quaisquer desses fatos.

Fatos reais, que existiram, mas que se afundaram no mar do tempo e que nunca mais virão à tona. Assim posso pensar da décima geração a partir de meu pai para trás.

As lembranças dependem de um intervalo de tempo e esse intervalo de tempo depende e é determinado por você, enquanto você estiver vivo. Se fatos, seja acontecimentos impessoais ou pessoas que se relacionem com você, caírem dentro desse intervalo de tempo, as lembranças que você terá deles serão muitos mais fiéis do que fatos históricos ou contos. Caso não caiam no teu intervalo de tempo, não serão lembranças, mas possibilidades.

Mas, qual é o tamanho do teu intervalo de tempo? Ninguém sabe. Ele não pode ser determinado, apesar de poder ser abreviado, seja por você, por outra pessoa ou por um acidente. Sabe-se que o intervalo “normal” se fecha quanto a pessoa passa dos 90 anos de idade. Mas, como saber se não se trata, também, de uma abreviação? Não são os 90 anos de idade que vão marcar o dia de tua morte. É que a maioria absoluta marca o dia de suas mortes quando o relógio que foi acertado para acompanhar a tua vida marca 90 anos para ela. Isso se dá porque, depois de 90 anos de atividades ininterruptas, o corpo chegou num ponto de desgaste, de destruição, em que a reconstrução, seja por alimentos ou remédios, não é mais capaz de se sobrepor.

Aí, no dia indeterminado de tua morte, partes essenciais do corpo falham, levando todo o resto a falhar, levando, assim, ao que chamamos de morte. Um estado que nenhum vivo jamais experimentou, porque é um caminho sem volta.

Para os que permaneceram vivos no dia de tua morte, você foi como uma bolha de sabão. Tem-se a lembrança enquanto ela estava inteira, esférica e em movimento. Depois, ela explode sem deixar vestígios visíveis aos nossos olhos.

A duração de vida de uma bolha de sabão pode, sim, ser proporcional à duração de tua vida, se bem que, ainda, indeterminada. Basta que o relógio que marca a duração da vida da bolha de sabão faça um número muito maior de tic-tacs do que o teu faz durante uma piscada de teus olhos.

Assim, não é possível medir quanto tempo lhe resta de vida. A única coisa que você pode saber é que está vivo (pelo menos até onde sabemos) e que, relativamente, pode acrescentar mais um dia de vida em tua vida.

Brasilio – Junho/2010.