O QUE É O DESEJO II

Como eu já disse num trabalho anterior, temos um eu principal e vários outros eus que competem para tomar aquele posto principal.

Em O QUE É O DESEJO I, eu defini o desejo como uma vontade de obter algo para servir de degrau ou escada para alcançar outro algo que achamos que vai nos completar. Sim, continua sendo isso.

Porém, essa definição se aplica assim tão claramente apenas ao eu principal. Quando ela se aplica a outros eus, o eu principal não vê isso tão claramente. Ele não define isso como desejo, mas, como um tormento.

Quando estamos sendo atormentados por alguma coisa que não sabemos o que é e nem de onde vem, isso nada mais é do que um desejo que um outro eu está experimentando, mas, que não pode realizar porque ele não está no controle. Ele não pode alcançar aquilo que ele acha que vai completá-lo ou, quem sabe, elevá-lo à posição de controle. Apenas o eu que está no controle é capaz de acabar com algo que é um tormento para si, mas que é um desejo de outro eu. Apenas o eu principal tem a capacidade de fazer isso.

Se nos desejos comuns a contrapartida é, geralmente, menor do que o tamanho do próprio desejo, a contrapartida do tormento, o alívio, é sempre maior do que a força do próprio tormento, mesmo que não seja maior do que a força do desejo do outro eu.

Muitas vezes, o desejo de um eu secundário, que é um tormento para o eu principal, é algo que o eu principal classifica de pecaminoso, pois, ele tem um Deus que o está vigiando e pronto para castigá-lo e lançá-lo nas mãos de outra figura que ele chama de Diabo. O conflito é que Deus não quer que ele realize o desejo do eu secundário, mas, o Diabo quer que ele realize esse desejo. Então, Deus vai lançá-lo para o Diabo. Enquanto o conflito não se resolve (não vai se resolver nunca se ele ficar esperando pela decisão desses dois personagens), o tormento continua e vai crescendo, fazendo crescer, ao mesmo tempo, a pressão divina e o desejo diabólico de ficar com sua alma, aumentando ainda mais o tormento, virando uma bola de neve. O tormento vai chegar num ponto tal que o eu principal acaba perdendo o controle, arriscando-se a ser substituído por aquele eu secundário que está com o desejo ou, pior, arriscar-se a ter seu lugar ocupado por vários eus, um de cada vez, em intervalos curtos, criando uma ciranda de loucura.

O desejo de um eu secundário pode ser qualquer coisa criminosa, pecaminosa, vergonhosa ou inocente, segundo os padrões da sociedade em que você vive. Destas, a que você, como o eu principal no controle, tem que evitar é a criminosa - aquele ato que prejudica, fisicamente ou mentalmente, você mesmo ou a vítima de seu ato. Os demais desejos, que para você são tormentos, têm que ser realizados de alguma maneira, pois, só satisfazendo os desejos de seus eus que você vai conseguir dissuadi-los de tomar o teu lugar e pôr um fim no que te atormenta.

Brasilio – Novembro de 2014.