O QUE É O CRENTE/DESCRENTE

Esta é uma análise minha, do que eu sinto e percebo. Isto não é uma tentativa de impor algo a alguém e nem pretendo que alguém se influencie com minha maneira de pensar. Cada um tem um caminho a trilhar, cujo ponto final ninguém conhece. Porém, cada um é livre para experimentar alguns desvios, pois, só assim, ele vai conseguir determinar o caminho correto - seguir um caminho traçado por outro é a mesma coisa de não estar vivo. Não seguir caminho algum é estar morto.

É tão difícil desconvencer um crente quanto convencer um descrente. É nesse sentido que ambos são crentes: por se apegarem firmemente naquilo em que acreditam.

"A" não deve tentar convencer "B", e vice-versa, de sua crença ou sua descrença, pois, nenhum deles pode provar que está certo naquilo que está no desconhecido para ambos.

O que sabemos é insignificante frente ao que não sabemos ainda para ficarmos nessa discussão inútil e improdutiva sobre o que existe e o que não existe, sobre o que é e o que não é. Ponto final.

O que tem dentro do desconhecido ou o que não tem é discussão totalmente desprovida de lógica. O imporante é o que cada um sente, mas, tem que sentir só para si e respeitar o que o outro sente.

O que gera um crente é o medo do escuro (o desconhecido).

O que gera um descrente é não conseguir enxergar no escuro.

O crente imagina figuras que poderão puni-lo se ele não acreditar na existência delas. Ele enxerga seus semelhantes e enxerga a si mesmo, nivelando-se a eles e criando uma ou mais entidades mais poderosas do que ele, para que essas entidades reprimam os pensamentos mundanos que insistem em trafegar pela cabeça dele. É a vontade de fazer contra o medo de fazer.

O descrente só consegue imaginar a si mesmo. Não há ninguém para puni-lo. Ele não consegue imaginar entidades porque, de maneira nenhuma, ele pode senti-las no escuro como o crente sente. Ele enxerga seus semelhantes e enxerga a si mesmo, nivelando-se a eles e se sentindo abandonado com todos. O descrente administra melhor os pensamentos mundanos que insistem em trafegar pela sua cabeça do que o crente. Devido à falta do medo de fazer,

a vontade de fazer é mais fraca do que a do crente.

A conclusão é que o descrente sofre mais do que o crente, porém, o descrente aprende mais do que o crente. Se o crente e o descrente, de repente, conseguirem enxergar no escuro, um se tornará o outro (ou vice-versa).

As entidades que o crente cria deveriam agir, mas, não agem. Mesmo assim, ele tem medo que elas ajam, principalmente se ele fizer o mal. Se ele fizer o bem, ele nem se lembra de tais entidades. Se se lembra, cobra delas, silenciosamente, um crédito para resgatar numa hora de necessidade ou na hora de "entrar no céu". Por outro lado, como as entidades criadas pelo crente não agem, o descrente tem razão necessária para não acreditar na existência delas. O descrente fica mais livre para praticar o mal. Aqui, ele vai temer apenas seus semelhantes, ninguém maior. Ao fazer o bem, ele o faz para prazer próprio e não para repassar o ato a uma entidade que não foi autora do ato, mesmo que essa entidade existisse. Ele dá o crédito para si mesmo. Afinal ele foi o único autor do ato.

O crente sabe que foi criado pelos seus pais, mas, faz uma regressão e cria uma entidade que iniciou toda a sua linhagem, de alguma maneira se tornando irmão de todos os seus semelhantes, apesar das atrocidades que um comete contra o outro. Ele faz essa regressão porque ele se sente separado de seu corpo.

Ele se sente e sente o próprio corpo. A primeira parte ele chama de alma ou espírito. Quando ele faz essa separação, ele acredita, firmemente, que o seu corpo foi criado por sua mãe e seu pai, mas, não consegue conceber que o seu EU tenha vindo de seus pais. Realmente, é muito dificil acreditar nisso, pois, ainda não sabemos o que somos. Para o crente, a sua alma é uma chama que foi acendida em seu corpo por uma entidade superior.

Sendo manifestação do corpo ou não, o EU de cada um é uma entidade que existe. E como essa entidade consegue enxergar o corpo, ela se sente separada dele.

Nesse caso, o EU consegue enxergar no escuro e é crente em si mesmo e no seu corpo. De modo semelhante, o seu corpo não consegue enxergar no escuro, não vendo o EU e não vendo a si mesmo (pior do que um descrente). Para o corpo, nada existe, porém, o corpo existe para o EU.

O descrente sabe que foi criado pelos seus pais, mas, igualmente ao crente, se sente separado de seu corpo. Percebe o seu corpo e se percebe (seu EU). Ele não tem a mínima idéia da origem de seu EU. Ele, simplesmente, se sente e acha que é como uma chama que se acendeu de repente e pode, repentinamente, se apagar.

Como o crente, ele não acha que essa chama tenha vindo de seus pais. Quando essa chama se apagar, ele, simplesmente, vai deixar de existir, pois, não mais se sentirá e nem sentirá seu corpo. Como seu corpo nunca pode sentir alguma coisa, o seu EU terá desaparecido totalmente na escuridão, da mesma maneira que uma lamparina que é apagada numa noite escura.

O crente, por sua vez, tem a esperança de que a chama apenas se desprenda da lamparina e continue iluminando a si mesmo (só a si mesmo, pois, ele não enxerga na escuridão que o envolve - pelo menos, não, enquanto vivo), indo para um lugar onde ele vai encontrar outras chamas e a chama maior que é a entidade superior que ele imagina.

Se eu tenho medo do escuro? Não!

É ilógico ter medo do que não se vê ou não se sente.

Sim, eu não enxergo no escuro. Para mim, ele equivale ao nada. Uma entidade que não age, está no nada - não existe, efetivamente.

Se eu sou crente? Sim, sou, pois eu acredito em mim, no que eu vejo e no que eu sinto. Eu acredito em muitas pessoas.

Se eu sou descrente? Não, pois eu acredito em mim, no que eu vejo e no que eu sinto. Eu acredito em muitas pessoas.

Se eu acredito em uma entidade superior? Em uma individual, não. Em uma coletiva, sim. Uma entidade superior coletiva é um casal, é uma família, é uma comunidade , é um grupo que age no bem e para o bem.

As únicas entidades superiores individuais que já me deram motivos para acreditar nelas surgiram dentro da minha cabeça, mas, como fui eu quem as criei, eu lhes era superior. Então elas não eram.

Por outro lado, não afirmo, e ninguém tem condições de afirmar, que uma tal entidade individual não existe absolutamente. Acreditar ou não acreditar na existência dela não vai mudar a sua condição: acreditar não vai fazê-la passar a existir fora da cabeça do crente. Não acreditar não vai fazer ela desaparecer de um lugar desconhecido para o descrente e nem da cabeça do crente.

A responsabilidade da crença das pessoas em uma entidade individual superior é da própria entidade e não do crente. Acreditamos num casal quando ele se mostra feliz; acreditamos numa familia quando ela se mostra unida e carinhosa; acreditamos numa comunidade e num grupo quando eles propagam e exalam o bem.

A fé tem que ter uma base, mas, não apenas nas cabeças. Acreditar que vai ganhar na loteria sem ter jogado não tem base alguma.

Brasilio – Fevreiro/Março - 2014.