O QUE É O CORPO II

Por que consigo me sentir totalmente separado de meu corpo? Se posso senti-lo e me sentir, então, se este sentido faz parte dos chamados sentidos físicos, eles não são totalmente físicos. Se ele não faz parte dos sentidos físicos, ele, obviamente, não é físico. De uma maneira ou de outra, esse sentimento mais do que prova que o EU não é físico.

Até que ponto sou corpo e até que ponto ele é eu? O que eu controlo e o que ele controla? As dores que sinto são dele ou são minhas? Ele sente alguma dor minha? Provavelmente minhas dores se refletem nele, transformando-o fisiologicamente de tal maneira que acabo sentindo as dores dele. É como um reflexo do que EU sinto.

Eu posso andar por aí, ele não pode. Quando ocorrem desordens elétricas nele, ele até tenta andar por aí, mas, totalmente sem controle. Isto é, eu o comando, mas, há o risco da resposta dele não ser adequada ao que eu espero do comando dado, caso em que há desordens elétricas nele (chamadas de desordens nervosas).

Eu sempre sei o que eu estou fazendo; nunca sei o que ele está fazendo (não sinto a digestão, não sinto o sangue correr, não o sinto envelhecer). Se eu sempre soubesse o que ele está fazendo (silenciosamente, lá dentro), eu nunca estaria sob risco de morrer repentinamente.

Ele está mais exposto do que eu (pode ser atingido por outros objetos); eu sou invisível, inatingível por objetos materiais.

Quem é amado, eu ou ele? Com o verdadeiro amor, eu teria que ser amado, não ele. Mas, infelizmente, em termos de amor entre homem e mulher, por exemplo, é o corpo que é visto primeiro.

Eu posso matá-lo; ele pode me matar.

Eu controlo poucas coisas nele (apesar de comandá-lo) e sei pouco sobre o resultado de minhas ações.

Eu tenho uma cópia virtual de meu corpo que moldo quando eu quiser, e acho que isso se reflete no meu corpo normal, mas, na maioria das vezes, o efeito nem se aproxima do esperado. Mas, quando olhamos em um espelho e vemos que não há uma correspondência com o virtual, recorremos a uma reconstrução (leia-se cirurgia plástica).

O conceito de beleza está muito focado no que os outros (nós mesmo incluídos) podem ver, já que o nosso corpo é a única coisa que eles podem ver.

Ele, no momento, é meu único instrumento de interação com outras pessoas (através do corpo de cada uma delas, também) e com o mundo ao redor.

Quando eu penso, só eu participo, ele nunca participa.

Minhas dores são emoções, e ele sente; suas dores são sensações, e eu sinto. Mas, posso ter sensações que ele não percebe.

Quanto ele me autoriza a usá-lo? Eu não apito nisso. Eu é que perco o interesse se sinto suas dores.

O corpo é como um receptor que, ao receber uma onda externa gera uma sub-onda que sou eu e essa onda vai além dele, de tal modo que posso até vê-lo, senti-lo. Ou talvez até eu seja a onda, mas que ele me modifica, isso é certo.

Para ilustrar, vamos chamar de T a onda, a princípio única; de R o corpo, ou o receptor, e de I o indivíduo, o EU gerado.

Assim, podemos ter algo assim

I1                         R1

I2                         R2

I3                         R3                                          

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Se I2 desaparece, R2 pode continuar (coma e assemelhados). Como um rádio receptor que nada mais sintoniza, apesar de estar energizado. Para R2 continuar para sempre, terá que estar sempre energizado (sendo alimentado), para lutar contra a entropia (catabolismo). Talvez, um dia, I2 pode reaparecer, mas poderá ser totalmente diferente.

Se R1 desaparecer, I1 também desaparece. R1 não volta por si mesmo. Nenhum rádio receptor totalmente destruído se reconstitui. Para isso, I1 tem que estar no controle e ser muito poderoso. Mas, nesse caso, para que serviria R1? Se R1 for reconstruído por R3 I3, ou seja, for clonado de alguma forma, I1 pode reaparecer ou não. Se reaparecer, nada ficará provado sobre T.

Como I2 , pode reaparecer totalmente diferente. Se T desaparecer, todo Ii desaparece. Em seguida, os Ri desaparecerão.

E se T não for único, isto é, onda e sub-onda é a mesma coisa? Então existe um Ti para cada Ri e cada Ti manifesta um Ii através de Ri:

I1 -------------------------------R1-------------------------------T1

I2 -------------------------------R2-------------------------------T2

I3 -------------------------------R3-------------------------------T3

É como se cada rádio receptor tivesse a sua própria emissora. Assim é com os rádios receptores celulares (telefones celulares).

Se I2 desaparece, acontece o mesmo que no caso anterior. Isto implica que I2 depende de R2. Claro, uma modificação num rádio receptor causará uma modificação na manifestação do transmissor sem que este tenha sido modificado.

Se R1 desaparecer... Idem ao caso anterior.

Agora, se Ti desaparece, apenas Ii e Ri desaparecem. Mas, não há diferença entre Ti desaparecer e Ii e/ou Ri desaparecerem, pois só podemos conhecer Ti pela manifestação Ii.

Podemos testar o desaparecimento de Ii e de Ri, mas nada podemos concluir disso sobre Ti. No caso de uma estação de rádio (individual, no caso), apenas Ri poderia testar sua funcionalidade, apesar do prédio e da torre (antena). Ri é o único aparelho medidor de Ti.

Ri é totalmente físico, mas Ii não é nada físico. Toda manifestação de algo físico é física também. É aqui que o corpo animal se diferencia do rádio receptor, porque a manifestação deste é física, pode ser observada, medida, coletada (gravada) e reproduzida, desde que o transmissor esteja funcionando, pois, a maior parte do que está sendo observado depende do transmissor. Removendo-se o transmissor, o receptor “entrará em coma”.

A manifestação individual humana pode ser apenas observada, por enquanto. Se um dia puder ser medida, coletada e reproduzida, teremos um rádio receptor que tem em si mesmo sua própria estação transmissora, pois não se admite que ela esteja fora (T separado de R).

Imaginemos um aparelho assim. Como ele seria? Para começar, a frequência de recepção tem que ser igual à frequência de transmissão, caso contrário não haverá sintonia – isso é básico. O transmissor tem que ser uma coisa e o receptor outra, obviamente. Tanto um como o outro deve ser ativo, mas um deve apenas “ouvir” e outro deve apenas “falar”. E a comunicação deve ficar restrita entre os dois. Não pode influenciar ou ser influenciada externamente.

Um aparelho assim é possível de ser construído. O receptor parece ser simples, pois ele parece ser passivo. Mas, o transmissor nos intriga. O que ele transmitiria e de onde viria as informações transmitidas? Não podem vir de fora, pois ele não é receptor e não pode ser influenciado pelo exterior, como dito acima. Elas têm que vir dele mesmo. O máximo que conseguiríamos é colocar nele uma memória com informações gravadas que seriam reproduzidas, captadas pelo receptor e reproduzidas. Mas aqui já aparece um problema: aquela memória é finita. Este já é um problema insolúvel. Sem falar na impossibilidade de interação. Em outras palavras, um aparelho desse tipo, que fosse útil, é impossível de ser construído, pelo menos até onde sabemos.

Vamos imaginar agora que você é um tal aparelho, bem mais sofisticado, claro. Todas as informações que você tem são geradas, transmitidas e recebidas dentro de você. Vamos ignorar as informações que vêm de seu exterior, pois elas apenas pintam as informações básicas que você já tem. Elas são secundárias, no sentido de que de nada adiantam se você estiver inconsciente. No nosso modelo, como nada pode vir de fora, vamos incluí-las nisso, ou melhor, excluí-las.

Então, as informações são geradas dentro de você. Geradas onde? No cérebro? Qual é o mecanismo de geração? Auto realimentação?

O fato da manifestação ser gerada pelo cérebro implica que ele é a fonte. Se o mecanismo é totalmente interno, então as informações vêm do nada. Talvez as informações sejam herdadas dos pais. Mas, e o primeiro homem, herdou de quem? Voltamos ao nada!

As informações são, também, transmitidas dentro de você. Como? Pelas moléculas do corpo? Por uma radiação na qual o corpo está imerso? Uma e outra coisa dá na mesma. A informação em movimento é o que chamamos de pensamento? Mas, então, o que lê o pensamento? Sim, você só sabe que está pensando quando, ao mesmo tempo, de alguma maneira você lê esses pensamentos. Se o próprio pensamento é que faz isso, então ele é muito mais que informação em movimento. Ele se percebe.

As informações são, ainda, recebidas dentro de você. Recebidas pelo próprio transmissor (o transmissor e o receptor são a mesma coisa?) num processo de auto realimentação?

Diferentemente do receptor de rádio, não há o problema da memória finita. Mas, nossa memória é mesmo um armazém de informações ou ela é o próprio fluxo de informações, como uma chama que nunca se apaga, a não ser com a morte? Se ela for um armazém estático, então é finita e pararíamos de aprender se vivêssemos o suficiente. Por outro lado, se ela é um atributo do próprio fluxo de informações, isto é, do próprio pensamento, onde apenas o essencial da informação é mantido, de tal modo que a informação inteira pode ser recuperada quando seus essenciais são associados aos essenciais de outras informações, então, a memória se torna quase infinita, mas não o será nunca se for física.

Se ela não for física, então não pode estar em nós, e pode ser infinita. Se ela for física, ainda fica o mistério do mecanismo que faz a seleção das informações e que mantém as associações e recupera as informações. E também o mistério da vontade. Quem o associa à memória? Ninguém. Certamente a vontade faz uso dela, mas parece não estar nela e, muito menos, a controla. Senão, veja: não adianta você estudar, ler um livro, aprender um ofício, se você não mantiver aquilo “fervendo”. Não adianta você ser certificado, diplomado. Não temos a capacidade de reter um conhecimento. Isso apenas máquinas e memórias físicas podem fazer. A nossa retenção precisa ser dinâmica, precisar estar “fervendo”. Mas não podemos manter tudo “fervendo” ao mesmo tempo. Fica difícil saber se é a memória que não cabe tanta informação “quente” (por ela ser física e finita) ou o mecanismo de busca ser incapaz de acessar tudo (pelo fato da memória ser infinita e não física, óbvio, mas o mecanismo de busca ser limitado).

Se você quer manter tudo o que aprendeu, terá que fazer uso de “memórias auxiliares”, como receitas e “procedimentos operacionais” que o ajudarão a “reviver” a experiência.

Mas, por que não preciso de receitas para certas coisas, como andar de bicicleta, por exemplo? Esse é apenas mais um mistério para nós. Os materialistas falam em mecanização. Pode ser, mas isso abre campo para várias dúvidas. Veja que eu falei num tal de mecanismo de busca. Falando assim, visualizamos dois deles: esse de que falei e um que é cada um de nós. Mas, quem pode afirmar que não são um só? Quem pode garantir que não é o mecanismo de busca que acessa a receita “andar de bicicleta” e a segue, revivendo a experiência?

Você é o emissor e o melhor receptor de seus próprios pensamentos.

Ondas podem ser modificadas por outras ondas, a tal ponto que você não consegue mais recebê-las, ou até sim, se você estiver sintonizado com as influências.

Como você é seu melhor receptor, o que você pensa volta a você com força total. É por isso que você consegue seguir as “receitas” e até reviver as experiências, transmitindo-as ao exterior ou vivendo-as sozinho.

Brasilio – 2005.