O QUE É O ABORTO

Existem três maneiras, na perspectiva de uma mulher, de um homem ter relações sexuais com ela e engravidá-la:

1)      Consentimento – É o que acontece entre casais e no sexo pago. Ela decide se engravida ou não.

2)      Sedução – Se parte da mulher, ela decide se quer engravidar ou não. Se parte do homem, ele age pensando apenas em satisfazer seus instintos. A mulher pode estar sendo enganada e, nesse sentido, não haverá diferença para a maneira 3.

3)      Negação – Aqui o homem toma a mulher à força. Ele age pensando apenas em satisfazer seus instintos, que estão sempre exacerbados. Ela fica totalmente sem decisão e abafa totalmente seus instintos sexuais. Como em 2, ele roubou algo dela.

Tratemos apenas dos dois últimos casos.

Em 2 foi como um furto; em 3 foi como um roubo precedido de violência maior ou menor. Ela se sente frustrada, impotente e indefesa.

Se ela é atacada e tem seu carro roubado, ela sente a mesma coisa. Mas, basta ela provar para a sociedade que o carro era seu que aquela vai fazer com que ela se sinta menos indefesa, menos impotente e menos frustrada. A sociedade vai lhe dar apoio.

Agora, se um homem a ataca e rouba-lhe uma permissão que ela não queria dar a ele, deixando algo forte que a fará lembrar-se sempre daquele momento, fazendo-a revivê-lo a cada instante, nada a consolará. Por que? Porque ela sente que aquela vida que se forma dentro de si representa um momento ruim de sua vida, representa uma ação que ela não queria, mas, não representa um resultado que ela não desejaria.

A sensação é a mesma daquela que teríamos em que algo que nos pertence desaparecesse sempre que nos lembrássemos de um roubo do qual fomos vítimas. Estaria acontecendo a cada momento. Essa é a parte ruim, na verdade. E não sei se existe no mundo alguém capaz de superá-la rapidamente.

Na cabeça da mulher, aceitar aquela vida que se forma é aceitar a ação daquele que a violentou, é dar um consentimento contra um não-consentimento. O conflito é total.

É difícil, mas ela deveria separar uma coisa da outra. Afinal, qual é a diferença entre isso e aquele marido que engravida a mulher e a abandona para sempre? A violência durante a ação. Esta é a diferença.

Infelizmente, não consideramos violência abandonar mulher e filhos. Abandoná-los sob uma ação da Natureza a curto prazo, como uma tempestade, é considerado violência, mas abandoná-los a uma ação natural de longo prazo, como a fome, não é considerado violência. Estranho, né?

Seja você uma mulher casada que está grávida sem saber disso ainda. Então você sofre um estupro por parte de um estranho e descobre depois que está grávida. Como você vai reagir? Da mesma maneira que no caso da mulher solteira, você vai “odiar” o bebê que está por vir.

Sofrer um estupro é uma coisa, engravidar por causa dele é outra coisa diferente. Estupro é um caso de violência e tem que ser coibido a qualquer custo. Engravidar é precedido de um ato. Se esse ato é de amor ou de violência, isso não altera o resultado final.

Não estou apoiando o estupro. Estou apoiando a vida. Se a humanidade estivesse num nível moral mais elevado, a abordagem violenta não existiria e a abominação ao bebê não apareceria.

A abominação sentida pela mulher é apenas uma transformação da violência praticada pele seu estuprador. Não há como eliminar isso dela. Ela teria que ter um nível moral muito elevado para compreender o porquê daquela ação violenta e aceitar isso. Mais, a sociedade teria também que ter um nível moral elevado para compreender tanto quanto a mulher e lhe dar todo o apoio como dá no caso do carro. Na verdade, a sociedade é que tem que iniciar o processo de compreensão. Mas não é assim.

Se a mulher prova que o carro roubado estava sob sua responsabilidade, ela recebe todo o apoio possível. É defendida e colocada numa posição quase que de uma rainha.

Mas, qual é a prova necessária para mostrar que seu corpo estava sob sua responsabilidade? Será que é preciso prova? Por que não se admite que ela quis que lhe roubassem o carro e se admite que ela quis que lhe roubassem o corpo? Porque o nosso baixo nível moral é tão baixo que o transferimos para as outras pessoas, baixando, aos nossos olhos apenas, mais ainda o nível moral delas.

Mas, por que o estuprador não recebe a mesma “condenação”? A sociedade coloca a vítima tão em baixo que o estuprador acaba sendo elevado.

Ora, do mesmo modo que uma criança não pode consentir, também uma mulher não pode. Não é por ela ser um adulto que devamos baixar o nível moral dela, pois assim baixamos o nosso próprio!

É por isso que a humanidade não consegue evoluir, pois ela mesma trabalha contra si.

Nessas condições, como tratar a questão do aborto?

Nos casos de consentimento e sedução não é justo que ele seja praticado. Os responsáveis têm que receber a “punição” de criar aquela criança e encaminhá-la na vida.

E nos casos de estupro? E nos casos de mulheres reconhecidamente de “vida fácil”?

Se for considerado que o ser humano está completo (não fisicamente, claro, mas como uma entidade que tem sentimentos) logo após a concepção, então, em nenhum caso o aborto é justo. Se há um momento adiante, a partir do qual deve-se considerá-lo completo naquele sentido, então, dali para trás, poderia se considerar o aborto em qualquer caso. Mas, quem pode determinar isso?

Ninguém. Ninguém pode. Se há um ponto que está a alguns momentos (sejam horas ou dias) do instante da concepção, a partir do qual o ser humano está completo, então teremos que admitir a hipótese da encarnação espiritual, com todas as implicações resultantes de, possivelmente, se frustrar aquela encarnação. Se não há esse ponto, então o ser é completo após a concepção e o aborto NUNCA é justo, não importando o modo como a concepção foi feita.

O aborto não deve ser tratado como um tabu e, muito menos, adotado como uma prática corriqueira, apesar de, de alguma maneira, a natureza permitir que ele ocorra corriqueiramente: se a mulher possui 400 óvulos em toda a sua vida; se o homem provê 70 milhões de espermatozoides a cada ejaculação, então, tecnicamente falando, uma mulher que passou toda a vida sem ter um único filho, teve 400 abortos, pois, pelo menos um óvulo é expulso do corpo da mulher a cada mês e 70 milhões de espermatozoides são expulsos do corpo a cada ejaculação.

Brasilio – Março/Julho/2005.