O QUE É LUZ INTERIOR

Enxergo tudo, menos a mim mesmo. Procuro-me em um espelho e consigo ir um pouco adiante. Quanto mais me olho nele, maior é a sensação de que estou vendo pouco. De repente, começo a tentar descobrir porque meu olhar é assim ou assado; porque meu nariz tem tais e tais curvas, porque...

O universo que tento descobrir em mim, olhando no espelho, é o mesmo que tento descobrir olhando em volta e olhando para as estrelas. Tudo parece inalcançável, mas lá estou, insistindo, olhando para mim ou para as estrelas, esperando que um deles abra para mim o livro de seus segredos. Mas nada acontece. É como tentar quebrar um ovo de pedra com batidas de dedo, como se bate em uma porta. Não tem ninguém dentro. A porta não se abrirá. Mas tem alguém do lado de fora! Não estaria eu batendo na porta errada? Não estaria eu vendo uma porta aonde não existe uma? Será que estou mesmo do lado de fora ou estou apenas transformando minha sala de estar num quintal? Estou querendo entrar ou estou querendo sair?

Transformo minha sala em um quintal porque tenho medo de descobrir o que tenho dentro dela ou porque está escuro e não consigo acender uma luz.

Mas que luz ilumina o quintal, já que posso vê-lo claramente? A luz que ilumina o quintal é a minha imaginação, minha mente criativa em descontrole que vai usando criações para criar numa grande ciranda de transformações.

Se paro de olhar-me no espelho, diminuo o tamanho do universo: onde era eu e as estrelas, agora restam elas apenas. Mas nada mudou, porque elas estão no meu quintal como estavam antes. Tento perscrutá-las e obtenho as mesmas respostas de antes: nada. Eu olhando para elas e elas olhando para mim, ambos impassíveis, ambos cegos de verdade. Se elas deixarem de existir repentinamente, nada vai mudar, pois, do mesmo modo, estarei perscrutando a escuridão, como estou agora. Se eu deixar, repentinamente, de existir, algo vai mudar, pois terei penetrado na escuridão que eu perscrutava, o desconhecido, a minha sala de estar escura.

Agora só fica faltando a luz interior se acender. Pode ser que ela se acenda depois que eu deixar de existir, mas, se eu conseguir acendê-la antes de eu deixar de existir eu terei a certeza que vou existir para sempre.

Como acender a luz interior? Como parar de olhar para o quintal e passar a olhar para a sala, a explorar as demais dependências da casa?

Se existe um caminho único para isso ninguém ainda o conhece, ou, pelo menos, não o divulgou.

Ora, para se chegar a um beco sem saída um caminho foi percorrido. Para se sair dele, no mínimo um passo atrás tem que ser dado e um passo diferente tem que ser dado adiante. Mas, para isso será preciso abandonar muitas cargas que foram coletadas ao longo do caminho, caso contrário o retorno será bastante difícil, senão impossível. A carroceria está lotada de tanta porcaria que bloqueia a visão pelo retrovisor, tornando impossível uma marcha à ré com segurança.

É assim que o caminho para a luz interior será encontrado, ou seja, através de um trabalho contínuo de carga e descarga. Se uma vida para você não é suficiente, passe para seus filhos o que você aprendeu, e eles vão continuar desse ponto. Um dia alguém vai encontrar o caminho correto, e quem segui-lo não mais precisará fazer perguntas ao espelho e nem às estrelas.

Brasilio – Fevereiro/2005.