O QUE É LEI

Estar dentro da lei é estar num lugar onde ela te alcança; ser fora da lei, é estar num lugar onde ela não te alcança. Cadê a justiça?

O que vem primeiro: a lei ou as entidades que seguem aquela lei? Por exemplo: o que veio primeiro, a lei da gravidade ou a matéria? Se foi a lei, ela preexiste à matéria; se foi a matéria, a lei é uma propriedade da matéria. Neste caso específico, a lei da gravidade veio antes. O que não existia era aquilo que se submeteria a ela, que “encaixasse”. Então veio a matéria.

Agora, o que veio primeiro: a lei criminal ou o crime? Se foi a lei, não existia crime, mas se previa que ele viria (estranho: ainda hoje se criam leis para coisas que virão...); se foi o crime, então ela é consequência dele. E assim é. Após o primeiro crime determinou-se que é um ato errado e era necessário evitar que ele fosse repetido. Então, surgiu a lei: Este crime não pode ser repetido.

Não importando a origem da lei da gravidade, ela diz: todo corpo A próximo a um corpo B de massa maior, cairá sobre o corpo B.

A lei da gravidade é uma lei natural. A lei do crime é uma lei dos homens.

A lei da gravidade está sempre atuando, ela é dinâmica. Nenhum corpo consegue burlar aquela lei. Ela está em campo, sempre esteve. Depois foi para os livros, mas sem sair de campo.

A lei do crime está nos livros, mas não consegue sair a campo, pois ela não é atuante, não é dinâmica, mas deveria ser. Ah, se ela fosse uma lei natural como a gravidade...

Ela só sairá a campo quando se tornar uma lei na mente das pessoas, de todas as pessoas, para agir nos corpúsculos de pensamentos criminosos e obrigá-los a seguir o desvio que ela impõe. Aí sim, ela será atuante como a gravidade.

Essa é a diferença entre as leis da natureza (leis dentro de uma mente evoluída) e as leis dos homens (leis que estão apenas em livros).

Todas as leis proveem a justiça? Deveriam. Pelo menos é o intuito das leis humanas. A lei da gravidade é justa? É justo um tijolo cair na tua cabeça ou apenas pairar acima dela? É justo você conseguir caminhar na rua contra o vento ou deveria ser levado por ele como uma folha seca?

O problema é que justiça parece ser um conceito individual – se fiquei satisfeito, então foi justo – E o outro? Qualquer um de nós não discutiria se a queda de um tijolo na cabeça de alguém é justo ou não. Todos reconhecem esse “ato” como uma lei, e todos a aceitam, até mesmo os animais.

A lei tem que ser a estrada sobre a qual a justiça caminha. A lei tem que ter a justiça como consequência. A lei deve ser uma estrada sem atalhos e sem saídas intermediárias, senão a justiça não será completa.

Não existe meia-justiça ou oitenta por cento. É por isso que justiça tem muito a ver com a verdade: a verdade com uma vírgula retirada não é mais verdade. Assim é também com a justiça, e a lei deve garantir isso.

Não é difícil escrever uma lei. Difícil é aplicá-la para que se chegue à justiça. Ela é uma estrada sem saídas intermediárias, mas com entradas intermediárias. Estas entradas é que, às vezes, não apresentam fluxos. E são esses fluxos ausentes, a falta de provas, que dificultam chegar-se à justiça. O problema das entradas são os fluxos forjados, que são uma maneira de criar-se atalhos, sejam por corrupção, apadrinhamentos, má-interpretação e má-escrituração.

Pelo fato das leis humanas não serem dinâmicas, eternas, por serem escritas, elas acabam ficando para trás, ficam obsoletas, pois o sentimento de justiça não é escrito nos livros, ele é escrito na mente das pessoas, através do aumento do nível moral. O que parece justo hoje não o será amanhã. Por não acompanharem o sentimento de justiça, as leis do crime vão se tornando injustas, começam a parecer brandas demais, e o criminoso ri do injustiçado, pois a lei que deveria amparar o último está agora amparando mais o primeiro. Então este ri, ri, inclusive, da própria lei.

Talvez o nível moral devesse baixar para que a lei evoluísse, não é? Ou ela iria para trás também? Hoje ela parece mais uma cerca que deve ficar na frente dos criminosos, impedindo-os de ultrapassá-la, mas, com o tempo, eles pisam nela, pulam a cerca e a deixam para trás.

Mas, quem faz isso é quem tem o nível moral baixo. Assim, se baixarmos mais o nível moral, todas as leis desaparecerão, serão destruídas. Então, o que tem que ser feito é jogá-la mais para a frente, como um laço que voltasse a prender aqueles que pulam a cerca, seja através da evolução ou extensão da lei, ou, até, de leis para proteger a lei.

A lei tem que ser dura, mas não deve frear a evolução do nível moral. Deve, sim, amparar os evoluídos e guiar com mão forte aqueles que insistem contra ela.

Esse é o objetivo da lei: prover a evolução moral para que ela se torne atuante, dinâmica, pois ficará inscrita automaticamente na mente das pessoas, não sendo mais necessária ficar escrita num papel.

O problema maior é escolher quem deve escrever, quem deve atualizar e quem deve aplicar essas leis. Pelo que vemos por aí, ainda não existe nível moral suficientemente elevado naqueles que se auto intitulam homens da lei.

Talvez os injustiçados devam continuar com seu sacrifício por mais algum tempo, esperando que, com seu sofrimento, a evolução chegue mais rápido. Sim, apesar disso, é o que acontece. Fica difícil saber se aqueles que dominam as leis são tocados ou é mesmo o sofrimento que causa a evolução. Talvez tenha sim algo de bom no sofrimento, pois quem sofre deseja ardentemente uma melhoria, um alivio. Quer queira, quer não queira, isso é uma força mental, e força mental causa mudanças, como qualquer força. Pena que, com o passar do tempo, as leis vão se abrandando, e o criminoso não deseja ardentemente uma melhora, um alivio, pois a própria lei acabou trazendo isso para ele. Só nos resta então sofrer e esperar, como sempre tem sido.

Ainda bem que as leis naturais estão aí, indestrutíveis, atuantes, invioláveis, para nos trazer um alivio rápido, quando a natureza decide que é necessário. Pois é, para alguns o alívio vem com a morte. Quem sabe é uma justiça final e permanente. A lei das leis.

A lei humana não é atuante porque, depois que ela é escrita, ela fica ali no papel, estática, como se não existisse. Então, uma lei curta tem que ser criada para fazer a outra valer. Essa lei curta, dizemos lei B, diz: A lei A passa a valer a partir de agora. Revogadas todas as disposições em contrário. Depois, a lei B vira história.

Como fazer uma lei para prever e impedir um pequeno delito de se tornar grande? Talvez seja o fato de existir uma lei para cada delito que permite o delito crescer, pois, claramente, é criada uma escada de delitos que pode ser escalada. Não deveria ser assim. A lei deve considerar as consequências e possíveis desdobramentos do pequeno delito. Se alguém comete o crime de porte ilegal de arma ele deve ser monitorado; se é pego de novo no mesmo crime, então já tem antecedentes criminais. Antes ele já estava em condições de matar alguém. Agora isto se torna muito mais forte. Assim, desde o início, ele tem que ser considerado um assassino, mesmo que potencial. Tem que ter sua liberdade restringida de alguma forma. E isso tem que ser aplicado para qualquer ação que prejudique pessoas, animais, outros seres, bens, pois também é crime, e tem que ser freado.

A justiça tem que ser promovida constantemente, tem que estar presente, atuante como o dia e a noite. Depois que o crime é praticado, não há mais como ter-se justiça. Ela foi pisoteada, destruída.

Alguns pais que perderam Isabelas e Gabrielas para covardes amparados por leis ultrapassadas sofrem profundamente pedindo por justiça. A justiça dos homens não virá, pois o crime já foi praticado. Justiça teria vindo se estes assassinatos tivessem sido impedidos pela lei. A justiça foi destruída junto com as vítimas. E ainda está sendo, a cada dia, a cada minuto.

É papel da lei manter a justiça no ar, viva e fazendo viver. Só assim as leis humanas serão dinâmicas, atuantes.

Brasilio – Maio/2009.