O QUE É JUSTIÇA

A justiça deve é impedir o crime, e não correr atrás dele.

Fazer justiça é ser justo ou é seguir o que está escrito nos livros de leis?

Imagine esta situação (que já ocorreu, de fato): uma pessoa atende outras, receita remédios, faz pequenos curativos e cirurgias e nunca teve, em nenhum momento, qualquer reclamação sobre seus serviços por parte de seus pacientes, muito pelo contrário. Um dia, alguém “da justiça” descobre que esse médico não é formado, não tem licença para exercer a Medicina.

Enquanto isso, num hospital qualquer, um médico formado, licenciado, acabou de matar um paciente por imperícia ou falta de um conhecimento mais profundo do caso.

O falso médico é condenado a 5 anos de reclusão por prática ilegal (!) da Medicina. O médico “verdadeiro” responde a um processo administrativo e, em poucos dias, volta à ativa.

Houve justiça aqui ou apenas se aplicou a lei?

Pois existe uma lei que diz que ninguém pode exercer Medicina se não tiver uma licença para isso (é estranho, pois não se sabe quem é o fiador dessa licença, pois a responsabilidade é toda do licenciado).

O falso médico foi condenado só porque ele não tinha licença para matar, mesmo sem ter matado?

Dentro das famílias, o que mais se acha são “médicos” não-licenciados: é mãe que receita remédios para os filhos, é irmão que receita para irmão ou para os pais, etc. etc. Será que a “ilegalidade” depende do tamanho do público ou tem a ver mesmo é com dinheiro? Se você não tem licença para cobrar, pois os licenciadores não são licenciados para ganhar e aí tem que parasitar você para ganharem alguma coisa, então você não pode medicar.

O problema da justiça dos homens são as leis feitas pelos homens e aqueles que as interpretam. Num caso como acima, não é nem problema de interpretação de quem lê a lei. O problema é a própria lei que, simplesmente, diz que é assim e ponto final. Ela tem que ser seguida à risca, não deixa margem para outras interpretações (se houverem ela estará mal escrita, mal redigida), e tem o amparo de uma outra lei que diz: cumpra-se do jeito que está escrito. Revogadas todas as disposições em contrário, mesmo que sejam mais justas. Isto é, uma máquina é capaz de aplicar uma lei desse tipo (veja-se a cadeira elétrica, a guilhotina, etc.). Se haverá a justiça ou não é outra história. Aqui, sim, cabe intepretação, pois justiça é algo que não se pode pôr no papel.

No caso apresentado não houve justiça porque essa lei não provê isso, não é para isso. Tem mais a ver com questões comerciais do que com justiça, do contrário, o diploma de médico não passa de uma licença para matar, da mesmíssima maneira que uma carteira de motorista. Alguém que é pego dirigindo um carro sem licença para isso comete um crime perante uma lei, não importa se a pessoa seja o melhor motorista do mundo, o mais cuidadoso, enquanto milhares de licenciados cometem barbaridades por aí sem contrariarem aquela lei – estão dentro da lei.

Claro que, assim, podem contrariar uma outra lei, aquela que proíbe machucar, matar. Mas, o problema está aí, exatamente entre as duas leis, a distância que as separam.

A palavra justiça tem um segundo sentido que acho equivocado. Ela é usada para dar um nome a um grupo de pessoas que aplicam leis (se apenas aplicam leis frias, por que a necessidade dessas pessoas? As outras são burras, não sabem ler ou são as leis que são mal escritas – de propósito? – e só certas pessoas as podem interpretar?) e também a locais: Palácio da Justiça, como se a verdadeira justiça morasse ali.

A justiça não está num local, está em todos os lugares ao mesmo tempo, assim como Deus não está numa única igreja.

Nesses locais, onde o grupo deveria manter a justiça no ar, onde deveríamos senti-la, impera a má vontade, o desinteresse e a lentidão. Vê-se milhares e milhares de pastas de processos, rotas de tanta manipulação que, pelo seu estado, nos dizem como a justiça vai aflorar dali: se arrastando no nível do chão, pesada com tanta poeira, se sujando e se rasgando, sem forças para se levantar e espalhar sua luz como o Sol. Você vai num Fórum, vê essas pastas e sai de lá se sentindo uma delas. Essa justiça não anda porque nada se resolve. Um componente do grupo, ao qual chamam de juiz, que deveria ser o mais sábio, mais justo, além de exigir um palavreado que enche uma página do processo e de qual página apenas poucas palavras apenas realmente interessam para o caso, trata cada questão como se fosse a única e a última do processo sem o ser. Se o processo requer que você pague duas taxas (é, a justiça verdadeira é gratuita, mas esta não) e você não tem essa informação, o juiz coloca lá, depois de falar uma centena de palavras rebuscadas e inúteis: pague-se a taxa A. Você corre atrás da documentação, enfrenta filas em Bancos e paga a taxa A (para comprar justiça). Depois, tem que escrever um texto a que chamam de Petição (se você não souber algumas palavras rebuscadas, corre o risco de ter que começar tudo de novo!) e dar entrada nele na seção de protocolo e esperar que ele vá para a pasta de seu processo junto com a guia de pagamento para que a pasta fique bem gorda (de que modo seu processo se arrastaria se a pasta não ficasse gorda?). Depois de uns 15 dias, com sorte, sua pasta chega às mãos do juiz, que te devolve: ... pague-se a taxa B. É aqui que você se sente como a pasta. Por que ele não disse para pagar a taxa A e a taxa B na primeira vez? Será que é a taxa A que gera a necessidade da taxa B? E se isso não mais parar? Mas para, porque ainda lhes restam um pouco de vergonha.

Se ele sabe de tudo que um processo precisa para dar dois ou três passos para sua conclusão, por que ele o fez andar por milhares de micro passos onde cada um dura 15 dias ou mais? É de propósito? Ele atende a vários processos? Ele sempre o relê a cada vez que ele chega às suas mãos? Duvido disto.

Se essa justiça não se interessa em fazer justiça porque ela existe? Por que perder este tempo?

Sabemos o que é justiça, pois podemos experimentá-la mesmo antes de ela chegar a nós, mesmo que não chegue, mas sentimos desconforto e desanimo quando nos dizem ou nos sentimos forçados a “entrar na justiça”.

Só de pensar nisso, sentimos uma repulsa, porque nunca a vimos funcionar como deveria e na velocidade que deveria, e nem temos história de que funcionou.

Por culpa do próprio grupo, ele é desacreditado, bem como os seus locais (fóruns e tribunais) e processos. Só nos resta então nos alimentarmos e nos aliviarmos no sentimento de justiça que podemos experimentar e, eventualmente, ser atendido pelo grupo após algumas dezenas de anos, ou, talvez, você morra, o que, de certa maneira, resolve tudo.

Ainda bem que esse sentimento de justiça não é controlado por um grupo, isto porque ninguém conhece sua fonte e jamais conhecerá. Se bem que os atos do grupo fazem de tudo para destruir este sentimento, seja de propósito ou não.

Será que o grupo tem esse sentimento também? Se tem, deve ser na forma egoísta, pois é um sentimento individual, apesar de ser comum a várias pessoas que poderiam formar um grupo.

O que se conclui é que o grupo não entende seu papel, um papel sagrado: prover justiça para aqueles que o procuram na medida do sentimento de justiça que eles sentem.

Mas, por que o grupo não faz isso? Por que ele não exerce seu papel? Parece-me que os funcionários estão ali obrigados, não gostam do que fazem e transferem isso para o processo (andamento). Estão perdidos, tentando buscar algo que não sabem o que é. Estão na Justiça, mas aguardam uma justiça que sentem e não veem. Salário? Moradia? Diversão? Paz na família? Ou querem mais do que podem ter como seres humanos?

É papel daqueles que detém o poder investigar e prover a parte material e dever de cada um resolver sua parte mental. Assim, se sentindo justiçado, o grupo conseguirá cumprir seu papel sagrado, pois, agora, ele é muito fraco para poder dar sem ter, caso em que ele seria realmente sagrado. Talvez até santo.

Quem sabe, um dia, poderemos experimentar a justiça e, também, vê-la. A justiça não é cega, ela é que nos faz cegos, mas somos nós que devemos abrir nossos olhos e, assim, abrir os olhos dessa justiça humana.

Os homens a representam cega, querendo dizer que ela não escolhe a quem abençoar, mas cobre todos e principalmente aqueles que mais necessitam dela. Deveria ser assim mesmo, mas não é. Infelizmente não é. Sem querer (pelo menos é o que parece), foram os homens que botaram uma venda nela para que ela não testemunhe suas barbaridades e não se vire contra eles.

A justiça deveria ser mais forte que os homens, de tal modo que nunca conseguissem colocar-lhe uma venda. Isso só prova, mais uma vez, que ela não está fora, está, sim, dentro dos corações dos homens e, ao trancarem seus corações para a justiça, colocam, assim, uma venda nela, cegando-a para as injustiças.

Brasilio – Maio/2009.