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O QUE É ESTAR CONSCIENTE

Qual é a diferença entre estar consciente e ser consciente?

Cada uma destas duas expressões tem mais que um significado hoje em dia. O tratamento que faço aqui para o significado de estar consciente é o de estar de posse completa de suas faculdades mentais, de ser capaz de raciocinar coerentemente consigo, com as outras pessoas e com o ambiente geral.

O outro significado mais importante para estar consciente é a mesma coisa de estar ciente, de ter conhecimento de uma situação e seus possíveis desdobramentos.

Quanto ao significado mais importante (hoje) de ser consciente é o de cuidar para que os desdobramentos de certas situações das quais você está consciente (está ciente) é que elas retornem o melhor resultado possível.

O significado mais importante e que, de certa maneira, foi relegado para segundo lugar hoje é o de ter uma consciência, uma mente capaz de raciocinar e tomar decisões. Na verdade, não há como estar consciente sem ser consciente.

Tanto para estar-se consciente e ser-se consciente, um fato é necessário: a mente tem que ser impressionada, colocada em funcionamento por outros fatos e até mesmo pelo fato de ela ser impressionada.

No desenho a seguir tento figurar o processo de estar consciente.

Não bastam os sentidos para impressionar a mente. Tem algo mais (a interrogação). O pensamento está posicionado onde está o sinal de interrogação? Posso pensar em algo que não está na mente e nem na memória?

A mente é o processador, a máquina, a função; o pensamento é o produto, o resultado da função mental; a memória é a memória (!), onde se armazena os dados e informações. A memória também é impressionada, como a mente o é, mas, a elasticidade da memória é bem menor do que a da mente.

O pensamento interno, enquanto raciocínio que realimenta a mente, só consegue trabalhar sobre dados mentais preexistentes. Se, por algum motivo, o processo falhar, você pode “experimentar” algum tipo de amnésia ou ter a sensação de que tudo que você faz (ou fez há poucos minutos) parece ter sido sonho.

Cada indivíduo é um conjunto de sonhos e pensamentos que são processados pela mente e, na maioria dos casos, ocorre um armazenamento na memória.

Cada indivíduo tem, assim, sua própria realidade. O que dois indivíduos compartilham cria aquilo que chamamos de realidade (extrapolando para os N indivíduos no planeta Terra). Isto é, o que conhecemos como realidade é o conjunto intersecção das realidades individuais de cada um. Porém, a ponto de interrogação sugere a existência de uma realidade verdadeira, que, também, intersecciona com os conjuntos de cada indivíduo.

Como é feita a confirmação da realidade?

Eu acordo e experimento coisas que experimento todos os dias, incluído nisso o próprio fato de acordar. Eu sonho e a única mesma coisa que experimento em todos os sonhos é o meu próprio eu, eu mesmo. A maior parte dos sonhos é formada de coisas novas e muitas delas em processo de mudança, sofrendo transformações, às vezes abruptas e radicais.

Na realidade tudo parece estático, imutável, incluindo o eu. Nos sonhos, a única coisa estática é o eu. Ele é a única coisa que não muda nos dois mundos. A mesmice, a imutabilidade geral confirma a realidade. Tanto é que os chamados sonhos persistentes podem te confundir.

O meu carro é vermelho. A garagem tem a cor laranja com um portão branco. Como o meu "eu fixo" reagiria ao acordar e ver o mesmo carro com a cor azul? E carro azul com a garagem em preto? E carro azul, garagem preta e sem portão?

O que muda na realidade durante o meu período de sono me parecerá sonho? E o que muda durante o meu período de ausência (por viagem, coma, etc.), o que parecerá?

Estar consciente é ver sempre as mesmas coisas ou ver apenas o eu imutável basta?

Uma pessoa que nascesse e crescesse no vazio, onde a única consciência que ela tem é de seu próprio eu estaria consciente ou apenas seria consciente?

O que me faz diferenciar realidade de sonho?

A diferença entre realidade e sonho é dada pelo contexto atual e o contexto lembrado.

Quanto mais semelhantes forem, mais difícil se torna diferenciar uma coisa da outra.

Se forem diferentes, uma segunda comparação é necessária: realidade versus contexto lembrado.

O pensamento interno atua tanto na realidade quanto nos sonhos, isto é, o jeito dele funcionar é igual nos dois mundos. Apesar de alguns sonhos parecerem incoerentes dentro do próprio sonho, o pensamento, em si, é sempre coerente.

O pensamento interno precisa de muitos ciclos para causar uma impressão mental (ver figura). Esta impressão se auto lê e se confirma mentalmente.

Por que, enquanto acordado, penso nos sonhos que tive, preocupo-me com eles, mas, enquanto sonhando, dificilmente penso na realidade e nem me preocupo com ela?

Essa é mais uma maneira de diferenciar uma coisa da outra, apesar de que em alguns sonhos desejamos acordar, como que querendo fugir deles, da mesma maneira que, às vezes, desejamos fugir da realidade.

O que me faz diferenciar sonho de pensamento?

Penso enquanto na realidade e, também, penso enquanto estou sonhando. O que me faz diferenciar sonho de pensamento é a mesma coisa que me faz diferenciar realidade de pensamento: enquanto pensando, penso e consigo saber se estou sonhando ou se estou acordado.

A memorização das coisas é volátil.

A perturbação causada pela sensação de sonho (parece sonho) é encarada como um mal estar, mas, a perturbação causada por um pensamento fixo é quase física, uma pressão.

A mente é bastante elástica. Ela pode sofrer uma impressão profunda, mas, aos poucos, a "parte" impressionada retorna à sua forma de antes.

Existe um mecanismo involuntário que percorre o espaço mental. A "preferência" dele é passar pela área que estiver mais impressionada.

Uma impressão pode ser tão forte que pode afetar os centros sensoriais, ou seja, você começa a ver e a ouvir coisas.

O efeito mais notável é o visual: a mente começa a adaptar as formas impressionadas em formas e desenhos reais que você vê no ambiente. Mesmo que um desenho seja constituído apenas de linhas retas e ângulos, há um esforço da mente para fazer uma adaptação da imagem impressionada.

Por exemplo, por um motivo qualquer você fica "fissurado" em animais, querendo conhecer todos os tipos de animais, começa a colecionar figuras e mais figuras, principalmente acessando imagens visuais na Internet. Você faz isso por dias e dias, pelo menos por 4 horas por dia. Depois de menos de uma semana, se você olhar para uma tapeçaria, um bordado, nuvens no céu, placas de mármore estampado, você vai começar a ver desenhos de animais.

O mais interessante é que isso vem para ficar. Mesmo que você fique fissurado em outra coisa bem diferente de animais, você continuará vendo formas animais naqueles materiais em que você as viu.

Será que tem como usar esse "impressionamento" para aprender? Seria aprender ou decorar?

Decorar funciona no processo de impressão/descompressão, mas, aprender não. É por isso que você aprende a andar de bicicleta, você não decora andar de bicicleta. Você que se formou em Matemática Superior e agora completou dez anos sem exercer, porque se aposentou, terá dificuldade em resolver um problema que envolve integrais, mas, não terá nenhuma dificuldade em pegar a bicicleta e pedalar até o supermercado.

Na amnésia anterógrada, não gravo ou não consigo ler?

Eu acho que eu não consigo ler. No episódio que eu tive, no dia 28 de fevereiro de 2014, eu não conseguia lembrar de coisas recentes e nem de algumas coisas mais antigas (não tão antiga quanto minha data de nascimento que o médico disse que eu recitei sem erros). Eu não lembrava (depois que comecei a me recuperar) da senha de meu cartão de crédito. Porém, lembrei-me algumas horas depois. O que significa que a informação estava lá, mas, eu não conseguia ler. Por outro lado, ainda não consigo me lembrar de eu sendo levado para o hospital. Suponho que o mecanismo de leitura já está funcionando, o que implica que não houve gravação. Creio que o mecanismo de leitura é o mesmo que faz a gravação. Ele lê. Se não tiver sucesso, grava e lê em seguida. Se falhar, ele tenta regravar. E assim vai.

Se um dia, de repente, eu me lembrar de tudo, então a gravação sempre ocorre, mas, a leitura não. O fato de eu não estar fazendo as gravações não me impediu de chegar em casa, porém. O processo se iniciou depois que saí da academia de musculação. Mesmo sem memória, eu percebia que a gravação estava falhando. Era como se eu estivesse "memorizando" a falha, ou seja, de alguma maneira eu conseguia ler o “programa” de gravação e sabia o que ele estava tentando fazer. Acho que só não conseguia ver o que ele tentava gravar, senão estaria com acesso à memória de curto prazo.

Eu saí da academia, atravessei uma faixa para pedestres de uma avenida movimentada e cheguei numa esquina com minha rua, na quadra em que fica minha casa. Eu senti uma dificuldade para achar minha casa. Então eu consegui imaginar uma distância da esquina até minha casa e tinha uma ideia de como era o portão. Assim, eu sabia o sentido a seguir, a distância mais ou menos e o que procurar. Tive sucesso ao encontrar o portão. Abri-o e tranquei-o. Tirei a roupa e tomei banho. Daí pra frente ainda está tudo escuro, até as 3:30 da manhã do dia 1 de março de 2014.

A amnésia anterógrada acontece muito com os sonhos, mas não damos tanta importância a isso quanto damos quando ela ocorrer em relação à realidade.

Essa preocupação se deve, em sua maior parte, pela consciência que temos de que falhas nas interações reais podem ser prejudiciais. Esse tipo de preocupação não existe com os sonhos, pois, já temos experiências dos dois mundos. Se um bebê puder se preocupar, então ele tem as preocupações iguais nos dois mundos, por falta de experiências.

Temos medo das falhas na realidade. Medo de não mais experimentá-la, pois, é onde nos sentimos mais vivos por percebermos a coerência nas interações com o ambiente e com as outras pessoas. Sentir-se vivo é passar informações e receber informações que são respostas coerentes com as informações passadas.

Nos sonhos não há tanta coerência. Talvez se passássemos 3/4 de nossa vida sonhando pensaríamos o contrário: Tanta coerência na realidade seria estranho, aprisionante.

A amnésia anterógrada acontece com os sonhos e com a realidade, mas, só percebemos que aconteceu, num lugar ou no outro, quando estamos na realidade. A dúvida que fica é: será que ela acontece só na realidade? Isto equivale a dizer que o processo de impressão mental é real. E é mesmo, até onde sabemos.

Na amnésia retrógrada não consigo ler.

Coisas conhecidas nos sonhos vieram da realidade ou de outros sonhos. Coisas novas nos sonhos vem do próprio sonho. As memórias de longo prazo (acontecimentos passados - na realidade ou em outros sonhos) podem ser acessadas num sonho.

Será que quem experimenta uma amnésia retrógrada acessaria tais memórias durante um sonho? Se sim, o processo de leitura é dependente do contexto de "realidade". Se não, o processo de leitura é totalmente físico.

Se durante o processo de amnésia anterógrada eu raciocinava normalmente e conseguia ler minha memória de longo prazo, então eu estava consciente no presente imediato, apesar de estar incoerente com o passado recente.

Da mesma maneira, a amnésia retrógrada não elimina o estar consciente, apesar de causar alguma incoerência no presente imediato (não sei quem eu sou; não sei quem você é...).

A sensação que mais afeta o estar consciente é o parece sonho, apesar de você reconhecer que está passando por este estado, ou seja, você permanece um pouco consciente e em dúvida sobre a própria consciência. Mesmo assim, você consegue obter uma confirmação da realidade, e até procura se agarrar a ela.

Alguns medicamentos e drogas podem levar você para este estado. É possível, também, que sensações mais fracas de parece sonho sejam causadas por influências externas (a interrogação).

Todos somos conscientes (no segundo sentido que mencionei acima), mas, ninguém é capaz de estar cem por cento consciente.

Veja que isso não está diminuindo a definição dada acima sobre estar-se de posse completa de suas faculdades mentais. Isto porque cada um tem um grau próprio de faculdades mentais. Nesse caso, cada um atinge os seus cem por cento. Porém, mesmo com seus cem por cento, todos sofrem influencias externas que, se forem conhecidas e controladas por alguém, essa pessoa sim, poderia ficar, realmente, cem por cento consciente.

Brasilio – Fevereiro de 2015.