O QUE É DURAÇÃO

A duração temporal das coisas, num certo nível, é como a duração de bolhas de sabão. Umas duram mais, outras duram menos. Nesses casos, fica mais claro a independência em relação ao tempo comum que as pessoas inventaram, como se existisse uma entidade dinâmica e contínua chamada tempo. Devido à invenção da hora e de seus múltiplos (dias, semanas, meses, anos) e submúltiplos (minuto, segundo) e de um dispositivo que andava no passo da largura de um segundo, ao qual deram o nome de relógio, as pessoas inverteram seu modo de ver as coisas. Assim, em vez de medir a duração das coisas por elas mesmas, passaram a medir quantos passos de relógio uma dada coisa duraria.

A duração das coisas é uma propriedade intrínseca a elas mesmas e não a algo externo a elas. Não é um relógio que vai dizer quanto tempo durará a tua vida, mas o teu próprio organismo é que vai dizer, apesar de você não perceber, como pode perceber os passos de um relógio.

Há variação de duração até entre coisas da mesma classe e família. A vida de dois irmãos, em termos naturais, pode ter durações totalmente diversas. Quando se parte para o individual, já se encontra mais estabilidade, mais sincronia entre as partes que constituem o indivíduo, pois, na maioria das vezes, quando a duração de uma parte, seja em seu processo de crescimento ou de desaparecimento, se diferencia muito da outra parte, tem-se o que se costuma denominar de defeito.

No nível celular e molecular, principalmente nos seres vivos, as discrepâncias temporais são muito mais numerosas e intensas, mas, mais com o objetivo de preservar a forma geral. Ocorre uma espécie de compensação, com vistas ao equilíbrio.

Qual é a duração da tua vida? Qual é a duração do planeta Terra?

Uma coisa é certa: teu intervalo de tempo chegará ao fim antes do final do intervalo de tempo do planeta. Na melhor das hipóteses, os dois finais coincidirão, a menos que até lá você tenha condições de estar num outro planeta.

Segundo aqueles que dizem que sabem, a Terra está aí há mais de 4 bilhões de anos de batidas de relógio. Em algum lugar da Terra pode existir uma bolha de sabão tão antiga quanto a Terra ou mais ainda, ou a Terra já tem vários zilhões de bolhas de sabão que explodiram até agora. O “problema” com a medida com bolhas de sabão é que elas não têm a mesma duração. Se cada segundo do relógio fosse a duração de uma bolha de sabão, então todas elas teriam a mesma duração. Bolhas de sabão não são assim, mas é possível juntar zilhões delas para empatar com a duração que o planeta Terra tem até agora.

Qual é a duração do intervalo de tempo de uma pessoa que você ama? Você deseja e reza para que seja maior do que a tua duração. Mas, será que dá para você controlar isso? Está no teu alcance?

Num dia qualquer, você vai fazer uma viagem de carro que vai durar duas horas. Uma hora depois que você iniciou a viagem, resolve interrompe-la e volta para o ponto de partida, ou, ao contrário, resolve ir para um lugar a uma hora além do primeiro.

Você controlou as durações. Em uma viagem de avião, navio ou ônibus, o controle não é totalmente teu. Já é mais difícil para você controlar a duração. Algumas pessoas, com poder financeiro, podem até ter um controle melhor do que o que você teve, mas, de certo modo, às custas de outros passageiros que desejam (e rezam) para chegarem aos seus destinos. Quanto mais fora de teu controle, menos você pode fazer para causar uma alteração na duração de um evento qualquer.

Mas, como controlar a duração de uma vida?

Quantos fatores você pode controlar que poderiam interromper a duração de tua viagem anterior? Muitos, senão todos.

Quantos fatores você pode controlar que poderiam interromper a duração de uma vida? Poucos, senão nenhum.

A tua viagem de carro pode ter a duração interrompida se a duração de tua vida for interrompida por um acidente na estrada. Supondo que um veículo descontrolado bata no teu, interrompendo tua viagem e interrompendo a viagem daquele motorista que bateu no teu carro, como você poderia controlar isso e evitar a colisão? Como o outro motorista poderia controlar seu carro e evitar a colisão? E se for um buraco “invisível” na estrada? E se for um animal de grande porte aparecendo de repente na frente dele ou um pneu estourado que parecia novo?

De onde vem essas causas cujo sentido parece ser o de interromper a duração das coisas?  Sob tua ótica, a maioria delas são apenas coincidências, mas, boa parte delas deixam de ser coincidência sob tua ótica quando você é o causador. Muitos premeditam conscientemente interromper a duração das coisas, exatamente como você fez na tua primeira viagem.

Por outro lado, como o mundo seria se tudo durasse para sempre? Você vivendo para sempre e conhecendo o primeiro homem que nasceu no planeta, também vivendo para sempre. Uma fruta nasceria? Cresceria? Maduraria? Cada uma dessas fases pode ser classificada como um evento, mas, algo que durasse para sempre teria que ser um único evento. Se uma fruta nascesse, ela pararia aí: nasceu. Ponto! Ela não poderia crescer, pois isso é uma série de eventos. Ela poderia já surgir madura e ficar madura para sempre, sem nunca apodrecer. Ou surgir podre e fica podre para sempre.

O primeiro homem do planeta nasceria. Ponto! Ou surgiria com 24 anos de idade e ficaria com essa idade para sempre. Você surgiria num momento qualquer, com, digamos, 25 anos, e ficaria assim para sempre. Nasceu depois do primeiro homem do planeta e é mais velho do que ele!

Não, nada dura para sempre e nem pode, pois a vida é feita de durações, de eventos distintos em termos de duração, mesmo que vários eventos diferentes se apliquem a um mesmo objeto ou pessoa. Mesmo que você esteja além dos 70 anos de idade, você, claro, está durando, pois está mudando. Tudo muda, esteja vivo ou esteja morto.

Algumas coisas parecem que vão durar para sempre, como o giro do planeta Terra, a posição relativa do Sol, a noite depois do dia e o dia depois da noite. Mas não, não será assim para sempre. Essas durações terão a duração de uma bolha de sabão qualquer, ou de alguns zilhões de passos do relógio. Muito tempo não é para sempre, não é eternidade. Eternidade é, simplesmente, o nada. É do tamanho do nada.

A pessoa que você muito ama está gozando de perfeita saúde (até onde se pode perceber). Ela sai até a calçada e (de repente) um veículo desgovernado ou uma bala “perdida” interrompe a duração da vida dela; ou você a deixou com uma pessoa de tua extrema confiança e essa pessoa, por um motivo qualquer, interrompe a duração da vida daquele que você muito ama.

Como evitar tudo isso? Mantendo a pessoa presa em casa e sempre junto de você?

Fazendo isso, você ficaria preso em casa também, mas evitaria apenas algumas causas e, provavelmente, ficando exposto a outras que são evitadas quando você sai de casa.

Não existe uma maneira de evitar ou controlar todas as causas de fatalidades. No melhor lugar do mundo, onde não existe uma causa externa sequer, onde você pode sair à rua, seja a pé ou num veículo terrestre, aéreo ou aquático, causas, a nosso ver “internas”, permanecem. Mesmo que essas causas internas não sejam doenças adquiridas ou herdadas, há as durações de tuas células, a reposição de outras células (mudança). Há duração total do processo de reposição. Quando a duração dele termina, não há mais reposição e as células cujas durações terminam, vão se apagando feito velas. Uma vida se apagou. Se ela não se apagar, então não está havendo mudança, ela não tem uma duração, ela não é uma vida. Para se viver, é preciso que se chegue a um fim.

Uma pessoa, ao nosso ver, ou ao ver de um médico e exames, gozando de saúde perfeita, pode ter a duração de sua vida interrompida de um momento para outro, num piscar de olhos entre o estar bem e bem vivo e o estar morto, sem remédio.

A duração de uma vida não é dependente da saúde e do bem estar. A duração de uma vida é dependente da própria duração. Ninguém pode saber sobre a duração de uma vida. Só podemos especular. As causas do fim podem estar presentes ou podem aparecer de repente, deixando-nos percebe-las ou não. A única coisa que podemos perceber com certeza é o fim das coisas e dos outros, pois, nem o final de nossa duração podemos perceber, mas, podemos especular em cima de causas internas e de possíveis causas externas.

São estas causas as que não podemos evitar, porque das causas internas não conhecemos a sua origem e nem o seu propósito e aí especulamos e rezamos. Das externas, conhecemos sua origem, mas continuamos sem saber o propósito. Por isso rezamos.

Como, então, evitar a dor da perda ou diminui-la? Claro que uma bolha de sabão não sente (?!) quando a duração de uma outra perto dela chega ao fim. Tem muita gente por aí que são como bolhas de sabão.

Não há como evitar a dor da perda, porque ela tem a mesma intensidade do amor que temos por quem perdemos. Mas, se tivermos consciência que essa dor é de amor, podemos diminui-la um pouco.

Julho/2010.

Quando você pisca os olhos, no intervalo entre o fechar e o abrir pode caber a eternidade. Se você fecha e não abre mais, com a morte tomando conta de você, a eternidade está estabelecida para você.

Se tudo o que existe começar a ficar cada vez mais devagar, se todos os processos da vida ficarem cada vez mais lentos, até ficarem num estado “congelado”, a eternidade estará estabelecida.

Assim, o intervalo de uma piscada fica do mesmo tamanho do intervalo de uma vida inteira.

Por outro lado, se tudo o que existe, se todos os processos da vida começarem a ficar cada vez mais rápidos, exceto o intervalo de uma piscada, a eternidade também estará estabelecida no intervalo da piscada.

Assim, a eternidade está tanto no extremamente rápido quanto no extremamente lento.