O QUE É DEUS III

Deus é aquilo que está além de nossa compreensão. Assim foi no início: os antigos, mais curtos de compreensão que nós hoje, atribuíam a um deus tudo o que estivesse fora da capacidade de compreensão deles.

À medida que nossa compreensão aumenta, vamos afastando Deus cada vez para mais longe. Quanto mais sabemos, menos ele cabe em nossas considerações (pelo menos aquela definição que nos foi dada desde crianças).

Estamos buscando o conhecimento na direção errada? Qual é a direção correta para alcançar Deus? Não pode ser a da credulidade simples e pura, pois essa é causa de imobilidade e não de conhecimento.

Acredito que o único caminho é esse mesmo que estamos seguindo: questionando, criticando, concluindo. Talvez daremos uma volta imensa, mas chegaremos com muito mais mérito ao objetivo. E, se alcançarmos Deus, certamente teremos uma definição bem mais aceitável do que a que nos foi dada no passado.

Talvez NUNCA o alcancemos e, daí, enquanto não o alcançarmos, ele não existirá. Talvez ele seja esta própria busca (o caminho, a verdade e, finalmente, a luz). Essa luz não pode mostrar um ser da maneira que podemos conceber. Deve mostrar um estado de conhecimento, supondo que tenhamos tempo para atingi-lo.

Fica aí a questão da morte. Mas, se não atingirmos aquele estado, os que nos seguirão poderão chegar mais perto e, quem sabe, um dia, alguém chega lá. O importante é não parar de “abrir” o caminho.

Caso a morte seja apenas uma transição, seja apenas uma “situação” que só os vivos podem presenciar, ainda assim deveremos continuar nossa caminhada. Quem sabe, com muito maior capacidade de compreensão e, talvez, com Deus muito mais distante. Como ele ainda não cabe na nossa compreensão, podemos, sim, existir num outro estado sem que ele exista.

É bem possível que existam seres em outros planetas que, necessariamente, não vivem o mesmo estado “físico” que vivemos quando vivos. Caso contrário, não seriam necessárias roupas espaciais para viver na Lua ou em qualquer outro lugar fora da Terra. Talvez, também estes seres, não têm nenhuma compreensão completa de um Deus e, nesse caso, ele não existe para eles também.

Quando o trazemos para dentro de nossa compreensão, forçamos ele ter vários atributos humanos, mas, ao mesmo tempo, colocamos nele atributos que não temos. Daí, criamos uma figura que não pode existir de maneira alguma.

Aqueles que se apegam a esta figura enganam a si mesmos, e sabem disso, mas têm medo da “reação” da própria figura que eles mesmos criaram. Agem como uma criança que tem medo do escuro.

Quando aquela figura não é suficiente para incutir nele a fé cega, então é criada a figura de um ajudante, também com muitos atributos humanos, sendo alguns exacerbados ao extremo, além do que qualquer humano possa obter (se bem que alguns conseguem chegar bem próximo): o demônio. De novo outra figura que não pode existir de maneira alguma. De novo enganando a si mesmos. De novo sendo enganados, agora com “interesses diabólicos”.

É difícil aceitar que estejamos sozinhos no Universo. Claro que não espero encontrar outros seres que tenham a mesma constituição física que nós temos. Mesmo que sejam semelhantes, alguma coisa tem que ser forçosamente diferente.

Em termos mentais, não sei. A mente não é afetada pela gravidade, não precisa de oxigênio. O que precisa dessas coisas é o “aparelho” pelo qual ela se manifesta.

É difícil concluir que eles acreditem em um Deus, que tenham tido um Jesus. Se pelo menos um deles, que seja, confirmar algo semelhante, então não teremos razão nenhuma para deixar de acreditar.

Se afirmarem o contrário, ainda assim, é possível construir um Deus e, tendo eles uma tendência para o que chamamos de “bem”, isso, para eles, assim como para nós, é uma espécie de Deus.

Do mesmo modo, é difícil acreditar que não teriam uma tendência para o bem, ou seja, que sejam totalmente maus. Se assim fossem, então já deixaram de existir. Não há como haver cooperação num grupo em que todos são maus.

Também, não é possível que, excetuando a Terra, só existam civilizações más. Se sim, é melhor que continuemos sem contato, principalmente se ouvirmos deles que já foram bons no passado.

Caso estejamos sozinhos no Universo, a coisa fica muito complicada. Nem mesmo o acaso pode ser considerado como criador da vida.

Não há como saber nossa origem, não existem dados precisos. Quem nasceu depois que esses dados ficaram imprecisos, só pode conjeturar. Quem nasceu antes e descreveu algo, o fez com suas próprias interpretações, o que tornam os dados imprecisos para sempre.

Nesse caso, só nos resta esperar pelo melhor, durante a vida e, quem sabe, depois.

A questão de acreditar ou não em Deus está muito ligada à imagem que nos foi passada. Na imagem que me foi passada eu não consigo acreditar totalmente. A minha razão não deixa. Em relação ao Deus das religiões, eu sou ateu.

Mesmo que esse Deus nos desse uma prova, que valor ela teria? Como diferenciar de uma alucinação, de um sonho?

Qual seria a prova inquestionável? Ela não existe. Não existe. Acho que NUNCA vai existir uma prova que convença aos vivos. Qualquer prova teria que entrar pelos sentidos físicos, e eles NÃO SÃO CONFIÁVEIS.

Por outro lado, não só acredito, mas posso perceber (e muitos também podem), uma força que pode nos penetrar, conforme nossa vontade, e nos guiar na senda do bem, também conforme nossa vontade, ou seja, é uma força que se submete ao nosso controle. Podemos aceitá-la ou não. Podemos abandoná-la ou não, mas, quanto mais tempo permanecemos, menos motivos teremos para abandoná-la.

Quando não a aceitamos, na melhor das hipóteses nos sentimos solitários, sem rumo, inúteis.

As piores hipóteses? Estão em grande número por aí. Não é preciso citá-las.

Quando a aceitamos, não há solidão que nos pegue, traçamos nosso próprio rumo porque não ficamos em busca do não-sei-o-que que está não-sei-onde. Isto nos torna úteis a qualquer momento.

Eu tenho tentado aceitar. O caminho do bem é um caminho difícil, porque é um caminho onde não existe dor, não existe ressentimento, não existe desinteresse, não existe egoísmo. Estes, por serem fáceis de trilhar, tornam aquele muito difícil. É fácil causar dor em alguém, pois me sinto poderoso; é fácil se ressentir de alguém, pois posso viver sozinho; é fácil ter desinteresse pois, se eu posso chegar onde cheguei, o outro também pode; é fácil ser egoísta, pois o que eu consegui só pode pertencer a mim.

É difícil aliviar a dor de alguém, pois não está doendo em mim; é difícil pedir ou aceitar desculpas de alguém, porque vou ficar pequeno perto dele; é difícil se interessar em ajudar alguém, pois a condição dele pode ser “contagiosa”; é difícil repartir o que tenho, pois ficarei sem nada.

Nessa força, nesse Deus eu acredito, porque ele pode ser provado.

Não existe essa coisa de Julgamento Final, Armagedon, Apocalipse. Nascemos e morremos todos os dias para que haja uma depuração de corações e mentes a cada geração, numa tentativa de integração universal. Nesse dia o apocalipse será do egoísmo e da dor.

Não sei se minha mente desaparecerá com a morte ou não. Eu e todo o resto do mundo preferiria que não. Até agora ninguém tem uma prova convincente de uma coisa ou de outra, principalmente a prova de que desaparecemos totalmente. Esta não tem nem como forjar.

Não importa. Num e noutro caso, o que mais importa é o que deixarmos de bom para trás. Caso sobrevivamos à morte, não importando para onde formos, devemos continuar a perseguir aquele objetivo, supondo que mantenhamos nossa individualidade e personalidade.

Talvez Deus seja essa força que quer nos unir. Talvez Deus será nossa união.

Brasilio – Junho/2004.