O QUE É REALIDADE I

Realidade é onde o pensamento não transforma as coisas de forma perceptível para nós, mas onde as coisas podem transformar o pensamento. Muitos fatos que você testemunha visualmente ou auditivamente costumam mudar o teu modo de pensar. Na realidade, o desenrolar dos fatos mantêm uma linha coerente e em sincronia com o tempo medido pelos relógios físicos. Aqui eu tenho que seguir as regras do mundo físico. Eu não posso pular etapas. Não posso ir de São Paulo a Paris instantaneamente como posso em sonhos. Nada posso modificar aqui com meus pensamentos, a não ser meus próprios pensamentos. Um evento que esteja ocorrendo, seja em mim, seja fora de mim, determinará um passo de transformação em sintonia com os relógios, num passo mais ou menos longo que o dos relógios. Os próprios passos do relógio são eventos que guardam entre si um intervalo constante. Nada posso fazer para alterar tal passo, pelo menos não de forma perceptível, ou de modo instantâneo, como aconteceria fora daquilo que chamamos de realidade, ou como posso fazer dentro de um sonho, por exemplo. A única coisa que posso alterar em relação aos passos do relógio é a sincronia de meus passos (meus afazeres, sejam físicos ou mentais) com os passos dele. Se concluo quatro tarefas no intervalo de 1 minuto, posso me tornar mais rápido e concluir oito tarefas naquele mesmo intervalo, ou mais lento, e concluir apenas duas tarefas naquele mesmo intervalo. Se sou lento, o relógio fica mais rápido, relativamente. Se sou rápido, o relógio fica mais lento, relativamente. O que vai determinar isso será meu tic-tac em relação ao tic-tac dele. Teoricamente, se eu ficar extremamente rápido, posso fazer o intervalo de 1 minuto durar a eternidade, e isso aqui na realidade. Na verdade (!) e na realidade (!!) esse tipo de extensão temporal acontece nos sonhos, quando temos lá a sensação (da qual nos lembramos depois de acordar) de que um dia inteiro se passou. Quando acordamos, porém, notamos que o relógio caminhou apenas 1 hora.

O que te dá sensação de que um dia inteiro se passou é o teu tic-tac, mas, por questões de coordenação com as outras pessoas, que têm tic-tacs próprios, você se orienta pelo tic-tac do relógio, que é o mesmo para todas as pessoas.

Posso modificar meus próprios pensamentos. Posso, também, modificar o pensamento de outras pessoas. Basta eu causar um fato que as afete. Se eu consigo modificar os pensamentos de outras pessoas, posso estar tanto na realidade quanto fora dela, com a diferença que, nos dois casos, aquelas pessoas têm que estar aonde eu estiver, ou seja, influencio pessoas que participam de meus sonhos da mesma maneira que influencio pessoas que participam de minha vida chamada de real.

Como eu disse, na realidade não podemos modificar as coisas de modo perceptível. Pode até ser que meus pensamentos modifiquem as coisas, mas meus sentidos são incapazes de perceber isso. Talvez outra pessoa perceba e isso modifique o modo dela pensar, pois são os novos fatos que estão modificando os pensamentos dela, e isso é a realidade.

Apesar disso, de nossa incapacidade de modificar as coisas aqui na realidade, estamos, todos os dias pensando de tal modo que tentamos sempre modificá-la. Chamamos a isso de desejo: um pensamento focado num assunto que ficamos querendo transformar num fato. No sonho é muito mais fácil conseguirmos este intento.

Diferentemente do sonho, porém, aqui na realidade não existem interrupções bruscas, como ocorre quando mudamos o canal da televisão. As consequências de uma ação permanecem e se desenrolam sem interrupções.

Uma pessoa que sofre um acidente em que sua perna é amputada na altura da virilha vai perder sangue, morrer e continuar perdendo sangue enquanto houver pressão interna. Essa mesma pessoa, num sonho, poderá ter sua perna reimplantada instantaneamente e continuar viva, mesmo que tenha perdido sangue suficiente para levá-la à morte. No sonho ocorrem saltos, interrupções, pulos de etapas que não ocorrem na realidade.

A realidade é dura para nós ou somos nós que a enxergamos como dura?

A maioria absoluta das pessoas tem tendência ao bem, quer ver o bem, sente extrema necessidade dele, porque o bem nos faz sentir bem, e é isso que buscamos: fugir de tudo que nos cause alguma espécie de dor. Mas a luta diária pela sobrevivência em todos os níveis só nos mostra dor, seja em forma que nos atinge diretamente, seja em forma de ameaça de nos atingir. É isso que vemos todos os dias, aquilo que as pessoas apelidaram maldosamente de “a verdade nua e crua”, principalmente por causa do “crua”. É a realidade que enxergamos, a qual ficamos tentando controlar, mudar, alterar, o que nos faz prestar mais atenção nela e, ao falharmos em modificá-la, a achamos extremamente dura.

Assim, a realidade, em si, não é dura. O modo como a encaramos é que a faz parecer dura. A relação que existe entre nós e ela é que traz essa sensação. A realidade é independente de nós, é característica do planeta e das condições em que os seres humanos vivem nele. O único jeito de mudá-la, fazendo com que ela se mostre menos dura, é mudando a nós mesmos para melhor. Quanto melhor você estiver, menos dura a realidade vai te parecer, porque você vai enxergar novos meios de modificá-la.

O mínimo de liberdade corresponde à realidade? A liberdade máxima está fora da realidade, isto é, liberdade total é irreal? Será? Quanto mais compromissado você estiver, seja com bens materiais, família, trabalho, governo, preocupações infundadas, mais você estará na realidade? Liberdade total estará fora da realidade? Sabemos que em sonhos não temos liberdade total. Será que a liberdade total está no após a morte?

Pelo menos até o instante da morte ainda estamos na realidade. A realidade da qual estou falando aqui desde o início é a realidade individual. Assim, não dá para afirmar que a liberdade total está depois da morte, pois não conseguimos saber se a realidade individual desaparece no instante da morte ou continua após ela, pois trata-se de uma experiência completamente individual.

Veja que realidade não é só o que você vê e sente exteriormente. Claro que você concorda que ela é muito mais o que você sente interiormente. Daí, só aquele que morre poderá perceber (ou não, nem não, porque pode ser que ele nem exista lá) se sua realidade continua ou se ele ganhou alguma liberdade.

Aqueles que ficaram vivos e te viram morrer, só percebem uma parte da realidade deles, a realidade exterior que era você! Não há como eles perceberem a tua realidade. Se isso é difícil para eles enquanto você está vivo, muito mais difícil ainda será quando você estiver morto. A tua realidade interior não é física como o teu corpo, que é parte da realidade deles.

Assim, não há como sabermos onde está a liberdade máxima e muito menos se ela está fora de uma realidade. Se ela existe, ela é real. Se não existe, aí sim, ela é irreal.

O que a verdade tem a ver com a realidade? A verdade é real? Uma mentira pode ser real?

Alguns diriam que verdade e realidade são a mesma coisa, que uma das palavras pode ser usada no lugar da outra para dizer a mesma coisa. Mas, não é assim. A verdade é muito mais ampla, atingindo até coisas irreais e coisas que não durarão muito como verdade. Tudo que é real é verdadeiro (a partir de um dado ponto de vista), mas nem tudo que é verdadeiro é real. Assim, a verdade não é sempre real. Uma mentira, como uma proposição (isso é o que eu chamei de ponto de vista) é sempre real. O que ela informa como um fato real, sim, é irreal.

Existência e inexistência são coisas reais ou não?

Existência é outra palavra com significado que se costuma confundir com realidade e com verdade. Existência é algo mais amplo do que pensamos. Tudo o que é real existe e é verdadeiro. Podemos ter algo que:

  1. Existe, não é verdadeiro, não é real?
  2. Existe, não é verdadeiro, é real?
  3. Existe, é verdadeiro, não é real?
  4. Não existe, não é verdadeiro, não é real?
  5. Não existe, não é verdadeiro, é real?
  6. Não existe, é verdadeiro, não é real?
  7. Não existe, é verdadeiro, é real?

Para responder a estas perguntas, devemos notar que:

      • O que experimentamos (podemos perceber) sempre existe, sempre é verdadeiro e pode ser real ou não (E: ,V,R/I).
      • O que não podemos experimentar, pode existir ou não, pode ser verdadeiro ou não e pode ser real ou não (: /, V/F, R/I).
      • O que existe podemos experimentar ou não, pode ser verdadeiro ou não e pode ser real ou não (: E, V/F,R/I).
      • O que não existe, não podemos experimentar de maneira nenhuma. É algo menos que o nada. Não é verdadeiro e nem falso e não é real e nem irreal (:,, ).
    • O que verdadeiro sempre existe, podemos experimentar ou não e pode ser real ou não (V: , E/,R/I).
    • O que não é verdadeiro, pode existir ou não, podemos experimentar ou não e pode ser real ou não (F: /, E/, R/I).
    • O que é real, sempre existe, sempre podemos experimentar e sempre é verdadeiro (R: , E, V)
    • O que não é real, pode existir ou não, podemos experimentar ou não e pode ser verdadeiro ou não (I: /, E/, V/F)

Disso, podemos tirar apenas estas certezas:

  • O que podemos experimentar é verdadeiro e existe.
  • O que é real podemos experimentar, é verdadeiro e existe.

A confusão que se faz entre realidade, verdade e existência se deve ao fato de que tudo que é real, existe; tudo que é verdadeiro, existe; tudo que podemos perceber, existe. Só que, para as três, ou duas delas, serem a mesma coisa, é necessário valer tanto a ida ()quanto a volta (), assim: .

O problema é que:

  • Tudo que é real, existe (ida positiva), mas nem tudo que existe é real (volta negativa)
  • Tudo que é verdadeiro, existe (ida positiva), mas nem tudo que existe é verdadeiro (volta negativa).
  • Tudo que podemos perceber, existe (ida positiva), mas nem tudo que existe podemos perceber (volta negativa).

Então, respondendo às perguntas feitas acima. Podemos ter algo que:

  1. Existe, não é verdadeiro, não é real? Sim. A mentira, por exemplo, é o dizer (real e verdadeiro). A informação é o que sai do dizer (real e verdadeira), mas a constatação existe, não é verdadeira e não é real.
  2. Existe, não é verdadeiro, é real? Não, se é real, obrigatoriamente é verdadeiro.
  3. Existe, é verdadeiro, não é real? Sim. As informações que ocorrem nos sonhos existem, são verdadeiras, mas irreais. Porém, pela nossa definição de realidade, estas informações são reais, pois elas podem modificar a nossa maneira de pensar!
  4. Não existe, não é verdadeiro, não é real? Verdade e realidade não podem ser aplicados a algo que não existe. Quando eu digo que algo não existe, eu estou inventado esta inexistência, pois, não há como afirmar categoricamente que uma coisa não existe, mesmo que seja uma coisa considerada impossível. Aqui, o sentido de não existe é o de algo que nem se pode imaginar.
  5. Não existe, não é verdadeiro, é real?  Idem.
  6. Não existe, é verdadeiro, não é real?  Idem.
  7. Não existe, é verdadeiro, é real? Idem.

A verdade é mais ampla do que a realidade, pois o irreal pode ser verdadeiro.

A existência é mais ampla do que a realidade, pois, o que consideramos irreal pode existir.

A existência é mais ampla do que a verdade, pois, o que consideramos falso pode existir.

Nossos sentidos podem nos mostrar toda a realidade?

Não, não podem. Nem as extensões tecnológicas deles que existem hoje, como microscópios, telescópios, etc. etc. Não há como afirmar, inclusive, que o que eles nos mostram é real. Então, não, não podem nos mostrar toda a realidade.

A ilusão fica na realidade ou em nós?

Não há como saber, pois não temos sentidos para captar e diferenciar isso. Ilusão é como vemos, sentimos ou pensamos nas coisas. Assim, tudo pode ser classificado como ilusão e, por consequência, real para cada um. Daí, a ilusão pode estar tanto fora quanto dentro de nós.

Se temos em nós ilusão não somos totalmente reais?

Pela definição inicial de realidade, podemos concluir que não somos totalmente reais, pois podemos mudar nossos pensamentos e, em algum nível, até partes de nossa fisiologia, o que pode alterar o físico.

O que é realidade então? Pode ela ser absoluta ou é relativa como tudo, apesar desse termos relativo ter se tornado mais um “curativo” para o “não sei” do que significar algo realmente válido? Ela é um pedaço da verdade e um pedaço maior ainda da existência.

Na realidade o sonho é irreal. No sonho, a realidade pode ser real. A realidade não é absoluta porque ela não está fora de cada um. Ela depende de cada pessoa. É relativa a cada pessoa. Cada um pode transformar sua própria realidade.

Apesar de parecer que é algo que transforma nossos pensamentos, essa transformação é permitida por nós. E tudo o que permitimos é o que fazemos, executamos. Não temos a mesma facilidade que temos em sonhos para alterar a realidade, mas os sonhos só nos mostram, talvez de forma exagerada (para o nosso ponto de vista atual) o que podemos fazer.

Assim, realidade não é aquilo que transforma nossos pensamentos, é, sim, aquilo que permitimos que transforme nossos pensamentos.

Brasilio – Abril/2010.