O QUE É A MORTE I

Por que a maioria das pessoas tem medo da morte? Os animais têm medo da morte? E as plantas?

A definição comum de morte é a de perda das funções vitais com conseqüente desagregação da matéria corporal. Esta é uma definição de morte que é aplicada à pessoa que morreu e à sociedade na qual esta pessoa vivia, ou seja, ela morreu para si e para a sociedade.

Uma pessoa pode morrer para si sem morrer para a sociedade quando ela entra num coma sem fim ou numa amnésia sem fim. Em ambos os casos tudo vai depender do tipo de coma e do tipo de amnésia. A “morte para si” se caracterizaria na total ausência de consciência, seja pelo coma ou por uma mistura de amnésia anterógrada e retrógrada simultaneamente.

Claro que não existe o “estar morto só para a sociedade”. Estar morto para a sociedade é estar morto para si e para ela também, ou seja, é a definição comum de morte. Também não existe o “estar vivo só para si” (isto se aplica aos zumbis!!!). O “estar vivo para si” implica estar vivo para a sociedade também.

Não existe diferença (não considerando monitoramento de sinais vitais) entre acordar e sair de um estado de coma ou se recuperar de uma amnésia. Caso não tenha havido registro de memória nos três casos, é como ter morrido para si mesmo por algum tempo.

Enquanto normais e acordados, temos lembranças de praticamente todo o nosso passado. Se dormimos e não sonhamos (ou somos anestesiados e não sonharmos) e depois acordamos, fazemos a reconexão com o nosso passado e continuamos a vida. Ficou um “buraco” nesse meio, o tempo durante o qual estivemos “mortos”.

Então a diferença entre “estar vivo para si” e “estar morto para si” é apenas daquela reconexão com o passado, principalmente a consciência de nosso “eu”.

A morte da qual temos medo é da morte para a sociedade.

Tanto os animais quanto as plantas têm a capacidade de perceber a aproximação de sua morte. Eles não têm medo dela como nós. De alguma maneira eles a compreendem muito melhor que nós. O medo que os animais demonstram antes de serem mortos por alguém ou por outros animais não é da morte e sim da violência que irão sofrer, da certeza da dor, da decepção para com seu agressor.

Quanto a nós, sentimos medo sempre e em qualquer caso, seja da morte, seja da possibilidade da dor anterior a ela. Nem tanto por decepção em relação ao agressor.

Não existe quem não tenha medo da morte. Quanto mais incrédulo, maior é o medo, quando deveria ocorrer o contrário: uma pedra não acredita em nada, por isso não tem medo de morrer. O incrédulo total não existe. Ele terá medo da morte mesmo sabendo que ela ocorrerá sem dor. Ele tem medo porque teme o desconhecido.

Ora, para se temer o desconhecido é preciso encará-lo; para encará-lo é preciso estar vivo de alguma maneira. Então, ele não é incrédulo!

Algumas pessoas dizem que não têm medo de morrer, mas têm muito medo de que seus parentes mais próximos morram. Ora, uma pessoa só se sente completa quando tem alguém em quem se apoiar emocionalmente. Perder esse alguém é perder um pedaço de si. Ter medo dessa perda é ter medo de morrer. Ninguém é completo. Só seremos completos quando nos tornarmos um. Um não tem ninguém do lado de fora, por isso seu medo de morrer é bem menor.

Assim como “estar morto para si”, fica difícil saber se continuamos vivos para nós mesmos, porque pouco podemos saber enquanto “vivos”, o que se dirá enquanto mortos. A falta deste conhecimento é que nos leva a temer a morte.

Temer a morte nada tem a ver com preservar a vida. Preservar a vida é ter medo de ser morto. Ser morto precede a morte. São dois estados diferentes. Só se pode ser morto se se estiver vivo.

De qualquer maneira, existem muitas maneiras de ser morto, mas apenas uma maneira de morrer. A percepção do ante-morte é que causa o medo. E isso é a vontade de preservar a vida.

Brasilio / Fevereiro 2005.