O QUE É A LIBERDADE

Quantos graus de liberdade você tem?

Imagine que você viva num mundo em que todas as ações são apenas pensamentos. Como tudo que você pensa é possível, esse seria o teu grau máximo de liberdade.

Vamos supor que você veio de um mundo assim e acabou de chegar na Terra. Nesse momento você acabou de perder vários graus de liberdade, devido a imposições da natureza do planeta e de seu universo.

Você não poderá mais voar, respirar debaixo d'água, atravessar paredes, fazer viagens instantâneas para qualquer lugar, etc.

Em seguida, você está numa cidade grande, como São Paulo. Lá se vão outros tantos graus de liberdade: você não pode atravessar uma avenida livremente, não pode entrar em qualquer prédio ou casa, não pode fazer necessidades na rua, não pode conversar com todo mundo que passa, não pode falar alto, nada pode fazer que contrarie alguém ou alguma regra.

Na cidade de São Paulo, você arruma um emprego. O que você perde: não poderá dormir até tarde, não poderá ir para o lugar onde mora na hora que quiser, não sai para almoçar na hora que bem desejar, não pode voltar do almoço quando quiser, não pode dormir no serviço, não pode ficar sem trabalhar, etc., etc.

O teu trabalho, então, te rende dinheiro suficiente e você compra uma casa. Esta casa tira de você mais graus de liberdade: não pode abandoná-la às intempéries, não pode deixá-la sem morador, tem que pagar impostos e taxas por causa dela.

Tendo uma casa ou não, agora você compra um carro: deverá ter um lugar para guardá-lo, tem que usá-lo pelo menos uma vez por semana, tem que prove-lo de combustível quando necessário, tem que prestar atenção em ruídos estranhos que ele apresente. Eventualmente deverá levá-lo a uma oficina de conserto, pagar impostos e taxas sobre ele, etc.

Muito bem, agora você tem uma casa, um carro, trabalho... está pronto para se casar, mesmo que não saiba fazer café!

Então, você se casa.

Enquanto namorava apenas, você recebia amarras só em alguns dias da semana. Agora, as amarras são definitivas. Dependendo do tipo de pessoa com quem você se casou, você terá amarras até em teus pensamentos.

Você não mais poderá sair com seus amigos na hora que bem entender, não poderá sair com tuas amigas em hora nenhuma, não poderá chegar em casa na hora que quiser, não poderá sair de casa mudo, não poderá chegar em casa mudo, terá que executar tarefas novas, não poderá ficar sozinho consigo mesmo por muito tempo em um lugar da casa enquanto ela (ele) está em outro, não poderá ver o que quiser na televisão, não poderá ler o que quiser, não poderá se vestir como bem entender, não poderá usar a casa, o carro ou outras coisas quando e como quiser, não poderá nem mesmo pensar em outra pessoa enquanto faz sexo com ela (ele).

Enfim, você terá que ser capaz de responder às perguntas: onde você foi? onde você vai? onde você estava? o que você tem? por que você está assim? ta pensando em que? quem era ao telefone? ...

O relacionamento entre marido e mulher é um dos fatos que vai tirar de você o maior grau possível de liberdade. Mesmo que você não tenha um trabalho, casa e carro, será forçado a ter pelo menos um deles, mesmo que não seja de sua propriedade, que, nesse caso, vai tirar mais graus de liberdade do que tirariam se fossem seus.

Mas, vamos ver se a coisa pode piorar. Existirá um ponto em que você ficará totalmente engessado, totalmente preso, sem liberdade alguma?

Bom, querendo ou não, você terá que fazer sexo com ela (ele). Numa dessas, a mulher fica grávida. Vocês terão filhos.

Filhotes humanos têm uma característica que lhes é desvantajosa: são totalmente vulneráveis. Dependerão dos pais por uns 15 ou mais anos!

Você terá de cuidar deles (quanto mais filhos, mais graus de liberdade você perde), vesti-los, alimentá-los, levá-los à escola e trazê-los, levá-los ao médico, comprar-lhes remédios, brinquedos, presentes, comemorar seus aniversários com festas e, o mais difícil: entrar em suas cabeças para ajudá-los com suas questões psicológicas.

Não parece que você já está totalmente atado? Espere.

Ainda bem que você divide tarefas com a pessoa com quem se casou, pois o outro faz algumas tarefas que você não precisa fazer e te ajuda em algumas que são suas. E você faz o mesmo.

Mas, depois de um certo tempo, vocês descobrem que não estão dando certo um com o outro. Está sentindo que o outro está te atando mais do que você a ele? Por que costumamos considerar estas amarras como algo negativo? Alguém neste mundo não as tem? É possível viver sem elas aqui?

Mas, vocês não conseguiram se resolver. Separam-se. Você fica com os filhos.

Amarras que estavam no teu cônjuge são colocadas em você agora. Teu grau de liberdade vai lá pra baixo. Nem dormir direito consegue mais, porque tem um filho te chamando no meio da noite quase todos os dias.

Teu companheiro, aparentemente, ganhou de volta alguns graus de liberdade. Ganhou mesmo, mas ficaram marcas, as marcas das "cordas".

Sem falar nas marcas deixadas pelos filhos, que agem como verdadeiras amarras, ela (ele) sentirá falta de algumas outras amarras que se soltaram, principalmente se aquelas ficaram atadas por um longo tempo. Então, ela (ele) sentirá falta daquele "vicio" e, de uma maneira ou de outra, procurará reatá-las, mesmo que seja com outra pessoa.

Será que não poderíamos viver totalmente livres?

Se vocês não se separaram, conseguiram criar seus filhos até que eles pudessem ser "livres", talvez até recuperem alguns graus de liberdade. Será?

Depois de um certo tempo, vocês passam a depender de seus filhos, e isso vai dar inicio ao processo de diminuição do grau de liberdade deles. E eles perceberão isso. Quem não percebe?

Se alguém cuida de você, então você não é livre.

Então, seus filhos vão embora, cuidar da própria vida e criar amarras para si.

Eles pararam de cuidar de você, mas você não se sente livre com isso (eles, provavelmente, sim). A natureza, de novo, cuida de tirar de você mais graus de liberdade: você já não consegue andar com as próprias pernas, não consegue ficar de pé sozinho, não consegue mastigar direito, sente dores, cansaço, está quase paralisado, como se todas as amarras do mundo tivessem sido impingidas a você.

Mas, você tem ainda seu companheiro (companheira). Então, ele morre. Você chega, então, no seu grau mínimo de liberdade, com amarras que te obrigam a sobreviver e com marcas que te fazem desejar morrer. Não quer mais nada e, ao mesmo tempo, deseja tudo. Acha que a morte vai remover marcas e amarras, mas não tem certeza.

Se você não puder pensar depois da morte, não terá nenhum grau de liberdade. Se você puder pensar depois da morte, não terá liberdade total, pois certamente haverá compromissos (amarras) te esperando.

Ninguém é livre. Liberdade é pensar livremente em qualquer coisa, mas, liberdade assim é solidão. Mesmo que seus pensamentos se transformem automaticamente em ações, você já criou compromissos, já perdeu alguma liberdade.

Ninguém é livre. Ninguém pode ser livre.

Brasilio/2008.