O QUE É A INCREDULIDADE

O homem é inerentemente incrédulo, porque o sentido que mais dá a ele um conceito do que é “real” é a visão, seguido do tato. Mas, mesmo assim, ele sabe que estes sentidos não são cem por cento confiáveis.

Nas questões espirituais então, a contenda é longa, tanto que a humanidade se divide hoje em dois grupos: os materialistas, que defendem que tudo é matéria, e os espiritualistas, que afirmam que há um espírito por trás de cada coisa viva.

Segundo os materialistas, a consciência está no corpo. Já os espiritualistas dizem que ela está fora do corpo.

Vamos supor que temos duas pessoas, João e Pedro, que sofreram um transplante de cérebros entre si, ou seja, João recebeu o cérebro de Pedro e Pedro recebeu o cérebro de João (transplante de cérebro é teoricamente possível).

Uma pergunta é feita à pessoa que ocupa o corpo de João: Qual é o teu nome?

-- Meu nome é João. Responde o cérebro de Pedro, que está no corpo de João.

Os materialistas diriam que a consciência está por todo o corpo, não apenas no cérebro. Mas, como não é possível o transplante de todo o corpo (nem teoricamente!), isso não pode ser provado.

Os espiritualistas diriam que a consciência se manifesta através de todo o corpo, incluindo o cérebro.

-- Meu nome é Pedro, poderia ser a resposta dada pelo corpo de João.

Os materialistas, dando pulos de alegria, diriam que a consciência está no cérebro. Os espiritualistas, impassíveis, diriam que a consciência se manifesta através do cérebro, e até do próprio corpo.

Nos dois casos a resposta espiritualista é a mesma e ambas são aceitáveis, obviamente. Já para os materialistas há uma coisa a ser verificada no primeiro caso: como o cérebro faz parte do corpo, existe a possibilidade do corpo de João ficar em dúvida sobre quem ele é realmente. O cérebro vai achar que é Pedro, o corpo vai informar que é João.

Se essa dúvida surgir ela vai reforçar a tese materialista, mas não diminuirá a tese espiritualista, que considera o corpo, e tudo o que está nele, como um transdutor sintonizado com o espírito. Nesse caso, o corpo vai estar sintonizado mais com João, enquanto o cérebro vai estar mais sintonizado com Pedro. Assim, cada espírito ficará em dúvida, pois ele se percebe através do corpo como um todo.

Se o homem não fosse inerentemente incrédulo, ele não teria medo. Poderia ter cuidado, mas medo não. E é por medo do desconhecido que muitos dizem que acreditam nisso ou naquilo, e o resto, pelo mesmo motivo, diz que não acredita.

O fato de você acreditar ou não acreditar em alguma coisa não vai mudar o fato de ela existir ou não, porque nós não temos instrumentos ou sentidos capazes de provar uma coisa ou outra. Talvez possamos provar (na maioria das vezes para nós mesmos) que ela exista, mas nunca poderemos provar que não exista, nem para nós mesmos e muito menos para os outros!

Cada um tem seus próprios sentidos, e estes vão funcionar de acordo com o lugar onde você está, como você está, com quem você está. Tudo isto e o que ainda não conhecemos ditará o que você vai perceber.

Se eu te disser que você vai morrer daqui a cinco minutos, o que você pensaria? Não dá para acreditar e nem deixar de acreditar. Não é possível saber. Eu sei que você vai ficar preocupado nos próximos quatro minutos. É normal. É o medo natural do desconhecido. O problema é que aquele fato pode se dar daqui a dez minutos, ou daqui a dez anos. Se você começar a acreditar cada vez mais, então, logo, logo, não vai mais se preocupar com isso. Quem acredita que não vai morrer? E quem se preocupa com isso?

Talvez, a melhor coisa a se fazer é acreditar, pois o contrário nos deixa sempre com medo. É inevitável. Mas, acreditar em que? No que você conhece ou no que você não conhece? Em ambos. Não tem sentido não acreditar. Tem sentido ignorar, mas só se ignora algo que pode ser concreto, seja material ou mental. Então, acreditar precede o ignorar.

Então, o incrédulo não existe. Existe aquele que ignora. Ele ignora porque não tem conhecimento. Quem não tem conhecimento é forçado a acreditar. Quem tem conhecimento total sabe o que existe e o que não existe. E esse não é o caso do homem, acredite. Não há incrédulos entre os que detêm o conhecimento total. Por isso, não existem incrédulos, não existe a incredulidade.

O que existe é falta de conhecimento. Você não tem condições de afirmar que tal ou qual coisa não existe. Você só pode afirmar que você não conhece tal ou qual coisa. Assim, ela não existe em você, mas, isso não implica que ela não existe fora de você.

Quando aquilo passa a existir em você, você se torna um crédulo. Enquanto isso não ocorre, você é apenas um ignorante em relação às coisas que você não conhece. Você não é um incrédulo.

Brasilio – 2006.