Não pretendo nestas poucas palavras dar uma definição de felicidade.   Este termo ao longo da história da humanidade, das diversas culturas, das diversas religiões, valores sociais e econômicos dentro outros fatores adquiriu concepções diversas.  Não pretendo fazer um levantamento de todas as possibilidades existentes do conceito de felicidade, mesmo porque seria impossível uma pesquisa tão imensa, portanto, me limito a uma reflexão sobre o tema para que aqueles que lerem possam também fazer suas reflexões sobre o assunto.

Parto de alguns filósofos que abordaram o tema, não dizendo aqui que estes são os mais importantes, mas apenas os que escolhi para demonstrar meus pontos de vista sobre a felicidade.

Para Platão, um dos grandes filósofos da antiguidade, o homem somente atingirá a felicidade quando abandonar o mundo sensível em direção ao mundo inteligível.  Para que tal fato aconteça é necessária à alma racional, por meio do conhecimento, regular a alma irascível, isto é, as paixões, controlando assim, por meio da razão a alma concupiscente. 

Por meio do uso da razão Platão pretendia fazer com que o sujeito chegasse à felicidade controlando seus instintos.  Um homem que buscasse o conhecimento e vivesse apenas das coisas necessárias, sem cometer exageros, não se preocupar com os bens materiais e nem com as paixões carnais poderia conquistar a felicidade.

Aristóteles, discípulo de Platão, tinha uma visão diferente de seu mestre em relação à felicidade.  Para ele, a felicidade só pode ser alcançada quando o homem agir conforme a virtude.  Virtude para Aristóteles não tem o mesmo significado para o cristianismo.  Um ser virtuoso para o filósofo seria uma pessoa que busca o equilíbrio, ou seja, que seja capaz de fazer e agir dentro da justa medida.  Um exemplo seria alguém que sabe comer de forma a sustentar seu corpo, mas não se priva do alimento para prejudicar a sua saúde e nem comer demais para que possa sentir algum mal estar. A pessoa que age de modo ponderado em todas as questões seria uma pessoa feliz, pois não corre o risco de cometer excesso e nem falta.

Para Epicuro, o homem atinge a felicidade quando busca o prazer e foge da dor, no entanto, prazer para ele não significa os prazeres da carne, satisfação dos instintos, mas a busca pelo estado de tranquilidade interior.  Portanto, é na busca de um equilíbrio interior, de uma paz espiritual que o homem pode chegar à felicidade.

Cada um desses pensadores possui uma definição diferente de felicidade, isso significa que a concepção do termo pode variar muito, inclusive de acordo com a época.  Na Europa Ocidental, no período medieval, onde as ideias de Platão muito vigoraram e também foram distorcidas pela Igreja em alguns aspectos, utilizaram essa ideia de felicidade pautada na mortificação do corpo, mas esqueceram de dizer que isso seria via conhecimento segundo Platão.  Apenas difundiram a ideia de que os servos da época deveriam aceitar todas as privações dadas pela natureza e pelos senhores feudais, nobres e posteriormente burgueses para, após a sua morte, alcançar a felicidade eterna no reino de Deus.  Enquanto essa ideologia vigorava o povo não se revoltava enquanto seus dominadores viviam todos os prazeres possíveis que suas riquezas lhes proporcionavam.  É claro que o povão tinha também seus momentos de prazeres, mas não eram comparáveis aos dos seus senhores.  O povo tinha como esperança alcançar a felicidade na outra vida já que dificilmente iriam usufruir a mesma nessa vida. 

Para os pobres da Idade Média, apenas Deus era o suficiente para viverem suas efêmeras vidas nesse mundo.  Não deviam buscar outra coisa senão servir aos seus senhores, aceitar a vida miserável que tinham aceitar prazeres efêmeros na esperança de na vida pós-morte alcançar a felicidade eterna enquanto seus senhores maus iriam penar no inferno, se o inferno existir. 

Infelizmente essa ideia de felicidade que se pode alcançar somente após a morte ainda sobrevive em meio a muitos cristãos mais radicais.  No entanto, tal ideia foi perdendo força a partir do Renascimento o mundo começou a modificar, a Igreja começou a ter mudanças e Deus deixou de ser o centro do universo para dar lugar ao homem dando início ao antropocentrismo.  Nesse período a concepção de felicidade também sofreu mudança apesar de ainda a Igreja ter grande influência sobre a sociedade mais pobre.  As pessoas começaram a buscar no mundo a felicidade e não somente esperar que a mesma seja alcançada no paraíso.  Isso não significa que a ideologia de felicidade no paraíso tenha sido abolida.  No Renascimento, no entanto, com o desenvolvimento da ciência, das experiências que começaram a fazer com o corpo humano via dissecação de cadáveres o homem começou a conhecer melhor seu corpo e a querer viver mais em harmonia com sua corporeidade do que na mortificação do corpo na esperança de vida eterna.  A felicidade nesse período passa a ser o alcance de uma vida mais saldável, de viver os prazeres da vida, de buscar enriquecer para melhorar a qualidade de vida dentro da perspectiva da época.  A felicidade deixa de ser uma negação da vida terrena para alcançar na eternidade e passa para uma busca da mesma no mundo real. 

Essa visão de uma felicidade pautada nas questões materiais permanece em nosso meio até a atualidade, assim como a concepção medieval perdura em algumas correntes religiosas do cristianismo essa renascentista também resiste.  Hoje, tendo em vista a mídia que busca incentivar a sociedade ao consumismo desenfreado, a concepção de felicidade tem se tornada cada vez mais materialista.  O narcisismo, isto é, a super valorização da imagem, do corpo está muito presente no cotidiano das pessoas que buscam por vários meios estéticos e pela medicina melhorar o máximo possível a sua aparência.  Pouco se procura os bens espirituais, pouco se tem valorizado os valores humanos.  O consumismo tem se tornado o conceito sinônimo de felicidade para muitas pessoas no mundo.

O ser tem perdido espaço para o ter, não que ter uma boa casa, um bom carro, uma boa alimentação, uma boa vida seja tornar-se consumista e algo errado, pelo contrário, viver com qualidade é bom para todos.  No entanto, a sociedade consumista tem valorizado o outro pelo que possui e não pelo seu caráter, tem buscado a felicidade via consumo de tudo que for possível mesmo que tais coisas sejam inúteis e desnecessárias para a vida da pessoa, mas como a mídia diz que para ter liberdade, para se sentir pertencente a um grupo, para ser uma pessoa de sucesso, bem vista pelo meio social é preciso consumir determinados produtos, as pessoas buscam desesperadamente, desenfreadamente consumir o que lhes são impostos pelas propagandas enganosas para se tornarem felizes fazendo dessa forma a felicidade ser sinônimo de consumo.  Quando essa ideologia começa a ficar forte no indivíduo o mesmo passa a aceitar a ideia de que não precisa ser uma pessoa de caráter para ser feliz, vemos isso claramente em muitos jovens que buscam ostentação por conta de músicas que apoiam a ideologia do prazer desenfreado e do consumo.  Há na atualidade um desequilíbrio assim como havia no mundo medieval.  Hoje valorizamos a estética e a riqueza como felicidade enquanto que na Idade Média estava voltada para a vida transcendental, isto é, para o paraíso. 

Analisando essas visões, se percebe que a felicidade é muito relativa ao período histórico e mesmo às religiões, cada uma determina o que é felicidade.  Além disso, se pode perceber também que a concepção de felicidade modifica de acordo com a idade das pessoas.

Uma criança durante a sua infância se sente feliz quando ganha um simples presente, quando brinca com seus colegas no parque, quando vai para a escola com seus amigos, quando seus pais o levam para passear. 

Na adolescência se percebe que essas questões simples da fase infantil já foram deixadas de lado.  Muitos pensam que a felicidade esteja em ter um grande amor na vida, em estudar e ter uma grande profissão e ganhar muito para um dia ficar rico e poder ter tudo que deseja, em curtir a vida indo para as baladas e fazer tudo que deseja outros em apenas se dedicar aos estudos e viver sua vida religiosa.  

Na fase adulta, com a maturidade, o desejo de casamento pode vir a ser o conceito de felicidade para alguns, outros nessa idade buscam ser felizes tendo uma carreira profissional, ter uma família estruturada, ter filhos. 

Com o passar dos anos, na maturidade, quando muitos já estão casados, com filhos, com profissão estável, para essas pessoas a concepção de felicidade passa a ser outra, não que tenha deixado totalmente de lado os aspectos da concepção anterior.  Nessa fase da vida além de quererem viver materialmente bem, agora com filhos, muitos casais, veem a felicidade como sendo acompanhar o desenvolvimento social e biológico de seu filho, se divertir com o mesmo, acompanhá-lo na escola e trabalhar para dar o melhor para sua família.

Com o avançar da idade, após os cinquenta anos as pessoas começam a refletir mais sobre sua vida passada, do que fez, do que gostaria de ter feito, dos arrependimentos de coisas que consideram ter feito que não fosse boa.  Nesse período, a concepção de felicidade para muitos se modifica, não está mais pautado na questão materialista tendo em vista já terem conquistado tudo que foi necessário para uma vida com o mínimo de dignidade e se não conquistaram dificilmente terão tempo para que isso aconteça, mas não se preocupam mais com a questão da matéria.   Vendo-se próximo do fim da existência como ser humano, muitos tendem a se preocupar com a questão da passagem desta vida.  Aqueles que creem numa vida posterior começam a pensar no que fez, se fez algo errado que não possa merecer uma vida eterna boa, pensam se viveu bem a vida de forma que tenha contribuído para o bem estar daqueles que estão próximos de si, de seus filhos, netos, amigos.  Nesse período, felicidade passa a ser sinônimo de paz espiritual de busca por uma vida em consonância com o transcendental.  Aqueles que não acreditam em vida pós-morte costuma refletir sobre o que pode ter feito de bom para a humanidade e desejar uma morte honrosa. 

Cada fase de nossas vidas concebemos um conceito de felicidade de acordo com as nossas expectativas de vida.  Não há, portanto, uma única concepção para um mesmo sujeito e não há uma mesma concepção para vários sujeitos. Portanto, cabe a cada um fazer suas reflexões existenciais e encontrar o seu conceito de felicidade e buscar vivê-lo de forma intensa, desde que tal concepção não cause danos a outros.  Afinal a felicidade deve ser algo que provoque o prazer no indivíduo sem provocar dor no outro.