O QUE É A BELEZA I

Por que achamos uma tal pessoa linda e outra feia? Por que, com o tempo, começamos a achar bonita uma pessoa que no início era feia? Por que alguém que é lindo não vai ficando feio na mesma medida em que a anterior vai ficando bonita?

Por que a Ana Paula do 21 (!) é lindíssima? O que a diferencia da moça da esquina? Esqueçamos toda a parte referente a riqueza, fama, etc. Coloquemos as duas no mesmo estado social. A diferença ainda continua. O que a Ana Paula afeta em nós que a menina da esquina não afeta? O que é ser feio?

A Lua cheia prateada numa noite clara cheia de estrelas é linda, mas falta algo que a Ana Paula tem. Um relâmpago riscando o céu ao longe durante o anoitecer é lindo, mas é assustador.

Uma orquídea é linda, nos toca no fundo da alma pela sua perfeição. A Ana Paula toca em outro lugar, não ficamos admirando as linhas dela como fazemos com a flor. Ninguém quer ficar parecido com a flor, mas quer ficar parecido com a Ana Paula.

Acho que o que nos toca na Ana Paula é a graça, o jeito de criança. Isso que nos toca é o que deduzimos da imagem dela. Não posso afirmar que ela realmente tem isso pois nunca a vi pessoalmente.

Por que achamos lindas a imensa maioria das crianças e achamos feios um número bem maior de adultos? Onde fica a fronteira entre a beleza e feiúra? Está no objeto de nossas observações ou em nossas cabeças? Qual é a diferença entre simpatia e beleza, e entre antipatia e feiúra?

Por que uma chuva de fogos de artifício é lindíssima mas uma fotografia de tal chuva não é tanto? E, por que uma fotografia da Ana Paula é, às vezes, mais linda que a própria Ana Paula?

Por que o automóvel Corcel era considerado lindo em 1970 e hoje é considerado horrível? Se não houvesse jeito de alterar os modelos dos carros a partir de 1970 o Corcel seria hoje lindo ou feio? Ou seja, o que é bonito hoje vai ser feio amanhã?

O que é bonito pode ficar feio. E o que é feio, pode ficar bonito? Ou será que o que é bonito já é feio? Parece que depende apenas de uma questão de tempo. Então vale o ditado: “A beleza é transitória”. E a feiúra, é para sempre? Não falo de coisas que possam ser modificadas num curto espaço de tempo, como uma pintura, uma letra manuscrita, mas sim de coisas que não podem ser mexidas ou que não vão ser mexidas, como um rosto deformado.

A Ana Paula vai ficar feia amanhã. Mas, de hoje para trás ela vai ser linda para sempre. E o sempre é o que fica (pelo menos enquanto a fotografia ou a lembrança existir). O rapaz feio vai continuar feio amanhã, mas de hoje para trás não sabemos, e nem depois de amanhã, porque ele não nos impressionou, não nos tocou, só foi um breve momento.

Agora, vamos conversar com a rapaz feio, vamos conviver com ele. Se nos dermos com ele e ele conosco, com o passar do tempo não notaremos se ele é feio ou bonito, não nos importaremos com isso, porque algo mais forte que a beleza (e mais bonito !?) surgiu. Não lembraremos mais que ele era feio.

Amanhã ele não continuará feio, continuará nosso amigo e, quando ele desaparecer, para nós ele foi bonito, porque foi nosso amigo, porque tínhamos amor fraterno, e isso sim é para sempre, mesmo que não tenhamos mais as fotografias. O mesmo pode acontecer com a Ana Paula, ela se tornando nossa amiga, irmã, a beleza dela ficará em segundo plano para nós. E, quando ela ficar feia amanhã, isso não terá mais importância para nós. Olharemos para a fotografia dela e a veremos mais do que linda.

Suponhamos agora que nos dois casos dê errado: não nos damos bem nem com um nem com o outro. Somos rechaçados, maltratados com extrema falta de educação ou somos simplesmente ignorados. Para nós o feio não continuará feio, será simplesmente esquecido. A Ana Paula continuará bonita (até amanhã e para sempre na fotografia), mas não nos tocará na alma como antes de a conhecermos.

O que é a beleza, então?

A beleza e a feiúra (tem alguma palavra melhor que diz a mesma coisa? Não gosto dessa.) são um mesmo tipo de força, possivelmente a mesma força que, entrando necessariamente pelo nosso sentido da visão, nos impressiona favoravelmente ou não, e essa impressão depende de cada um, pois o que é bonito para um não o é para outro e vice-versa. Tá, existem músicas lindas (sons não entram pela visão), mas dificilmente deixamos de criar uma imagem com a música antes de ela nos tocar.

O impressionar favoravelmente, no caso de uma cena ou fotografia, é fazer-nos fitar o objeto, admirar cada detalhe, a quase conversar com ele, a querer trazê-lo para a nossa vida e olhá-lo a qualquer instante que desejarmos. É querer ser ele, no caso de uma pessoa, na ilusão que conseguiríamos ter tudo o que ele tem e tudo o que achamos que precisamos conseguir para ser bonito. No caso de uma cena é querer que ela dure para sempre, para que a emoção que nos faz sentir que somos mais que carne e osso nunca acabe.

A feiura, no caso de uma cena, assustando-nos ou não, nos impressiona de tal modo que procuramos ignorá-la até esquecê-la. No caso de uma pessoa, só pode nos causar dó e/ou desinteresse. Se nos causa desinteresse é porque ainda estamos cegos, não vimos tudo.

O que é a simpatia? Simpatia é o que conquistamos ou entregamos quando temos interesse, quando podemos enxergar além da feiúra e da beleza.

Vi um dia no aeroporto de Brasília uma das meninas do grupo “É o Tchan”. Nunca tive nenhum interesse (no bom sentido – no mau? Não digo!) por elas. Mas quando vi que ela tratava tão bem as pessoas que vinham lhe pedir autógrafo fiquei tocado e de repente senti uma imensa simpatia por ela. Fiquei até com vontade de cumprimentá-la pelo que ela estava fazendo ali, mas não fui, só olhe e disse: “Deus te abençoe Sheila”.

A simpatia é o caminho para a amizade, o amor fraterno, a beleza verdadeira.

O que é a antipatia? Antipatia é o que ganhamos ou entregamos quando não existe o interesse, quando estamos cegos apesar de enxergarmos. A antipatia afasta as pessoas, as tornam estranhas umas às outras e as fazem se esquecerem, quando não as fazem entrar em contenda entre si. Isto é a verdadeira feiura.

Ninguém é feio. As pessoas são feias ou bonitas conforme suas atitudes. O que é feio ou bonito não é o que se vê, mas o que se faz ser visto. É uma troca. Se você está bem, ninguém vai ser feio para você, a menos que as atitudes dele sejam feias. Tá, esta é a parte psicológica da coisa, mas estamos falando de visão, de forma. Ok, é a forma que nos diz se algo ou alguém é bonito ou feio, mas a forma do conjunto: o formato do rosto, os olhos, nariz, boca, cor dos olhos e da pele. O conjunto vibra em harmonia que penetra pelos nossos olhos e se adapta ao sentido que fazemos do belo. A beleza está então em como se vê. O como se vê depende do jeito que a imagem chega até nossos olhos. A Ana do 21 fica bem feia quando vista através de uma lente convexa, daquelas que fazem com que o rosto fique “pontudo”. Assim, uma pessoa feia pode ficar bonita conforme a lente, conforme o “esculpimento” que for dado ao rosto. Assim, o Corcel 1970 é feio porque ele não mudou. Ele não mudou porque é matéria bruta, sua imagem é fixa, como uma fotografia. Com o passar do tempo acabamos enjoando dele. Ele ficou feio. Desinteressante. Acabou a interação entre ele e nós.

Para haver beleza, tem que haver mudança. Nada muda mais rápido do que o rosto de uma pessoa (viva), principalmente aquela que nos atrai a atenção. E, quanto mais bela ela nos parecer, mais atraído ficamos, mais bela ela vai parecer.

E, não adianta fabricar o Corcel 1970 de novo, agora no ano 2000, com a mesma “cara”. Não tem que mudar o material, tem que mudar a imagem que ficou.

Brasilio – 09/01/2000