Lv 10.9   Vinho ou bebida forte tu e teus filhos não bebereis quando entrardes na tenda da congregação, para que não morrais; estatuto perpétuo será isso entre as vossas gerações,

Vinho ou bebida forte tu e teus filhos não bebereis quando entrardes na tenda da congregação, [...] 

Nessa seção, nos deteremos por algum tempo para tentar mostrar e esclarecer ao leitor, uma certa complexidade que a palavra vinho contém nas escrituras. Para os homens modernos é fácil diferenciar o vinho com teor alcoólico do simples suco de uva. Nas escrituras porém, isso não é uma tarefa tão simples. É muito comum o consumo de vinho e suco de uvas pelos judeus da atualidade. Há uma certa exigência de que tanto o vinho como o suco de uva deva ter o certificado de kosher no invólucro que mantém no lugar a rolha ou a tampa da garrafa. Os judeus de um modo geral tendem a ver o álcool como sendo benéfico dando a ele um alto valor desde que seja tomado em ocasiões e lugares apropriados, tais como casas de amigos, casamentos, festas, etc. Iniciemos então a explicação com uma breve exposição sobre a fabricação do vinho.

 O vinho tinto era a bebida resultante da fermentação do suco ou mosto extraído de uvas escuras conforme Provérbios 23.31: "Não olhes para o vinho quando se mostra vermelho, quando resplandece no copo e se escoa suavemente." Já o vinho branco era preparado com uvas mais claras. Muito provavelmente as passagens de Os 14.7; Ez 27.18 fazem referência a esse tipo de vinho. A obtenção do vinho é feita através do processo de fermentação na qual a uva espremida gera o suco que entra em contato com o levedo. O levedo é um tipo de fungo encontrado na própria fruta. Os levedos alimentam-se do açúcar natural da fruta e produzem gás carbônico e álcool etílico. Quando o levedo conclui seu trabalho, o suco de uva vira vinho. O mesmo processo acontece na cerveja, a única diferença é que em vez de uva, o alimento dos levedos é o açúcar do malte.

Conforme já comentamos em Lv 10.1, há intérpretes bíblicos que argumentam com base no versículo em pauta que Nadabe e Abiú estavam embriagados quando foram queimar incenso (vide interpretação do verso 3 no comentário de Lv 10.1). Vinho ou qualquer outro tipo de bebida forte não poderiam ser ingeridas pela classe sacerdotal quando entrassem para oficiarem no tabernáculo (vide Ez 44.21). Conforme diz Champlin: "Mas essa proibição dizia respeito aos sacerdotes em serviço, e não quando estivessem de folga."

    Havia ainda outra classe conhecida como Nazireus que a eles não era permitido a ingestão de qualquer tipo de bebida alcoólica (Nm 6.1-4 compare com Jz 13.4,7,14; Lc1.15), durante o período do seu voto. Após esse período estavam livres para beber vinho: "[...] e depois o nazireu poderá beber vinho (Jz 6.20). Observe o leitor que a proibição a classe sacerdotal era no período de ministração no templo, e aos Nazireus durante o seu período de consagração ao nazireado. Fora desse período lhes era permitido.    Como é sabido, no Oriente não se encontrava água tratada com tanta facilidade conforme temos hoje, principalmente no Brasil. Devemos ter isso em mente quando lemos as escrituras e vemos tantos textos falando do vinho e das bebidas fortes. Assim nos informa o comentarista R.K. Harrison: "Porque os fornecimentos de água apropriada para o consumo humano não eram de modo algum abundantes no Oriente Próximo, parece ter havido pouca coisa disponível para beber à parte das bebidas alcoólicas dalgum tipo." Por isso, o profeta Isaías faz uma veemente condenação aos bêbados de Efraim e também aos sacerdotes e profetas que estavam se excedendo no vinho: Isaías 28 -  7. Mas também estes cambaleiam por causa do vinho, e com a bebida forte se desencaminham; até o sacerdote e o profeta cambaleiam por causa da bebida forte, estão tontos do vinho, desencaminham-se por causa da bebida forte; erram na visão, e tropeçam no juízo.

    Sabedores somos de que qualquer substância alcoólica pode entorpecer as pessoas de tal forma que a distinção entre o sacro e o profano, o verdadeiro e o falso pode ser seriamente afetada. Isso pode ter ocorrido com Nadabe e Abiú quando não distinguiram o "fogo verdadeiro" do "fogo estranho" que deveria ser utilizado no Lugar Santo. Vinho e bebida forte eram oferecidos diariamente no altar de sacrifício como oferta de libação:  Êxodo 29 -  40. com um cordeiro a décima parte de uma efa de flor de farinha, misturada com a quarta parte de um him de azeite batido, e para libação a quarta parte de um him de vinho.

      Números 28 -  7. A oferta de libação do mesmo será a quarta parte de um him para um cordeiro; no Lugar Santo oferecerás a libação de bebida forte ao Senhor. 

    Por isso, seria incoerente considerar o vinho como algo pecaminoso, pois jamais o Deus Santo permitiria que alguma coisa impura fosse a Ele oferecido. 

    Na parábola de Jotão (Jz 9.7-15), é dito em linguagem figurada, que o vinho novo alegra o coração de Deus: "Mas a videira lhes respondeu: Deixaria eu o meu mosto, que alegra a Deus e aos homens, para ir balouçar sobre as árvores? (Jz 9.13). 

    Em Is 55.1 o vinho aparece como símbolo de bênção para o povo e seu uso na dieta cotidiana juntamente com o pão e o azeite é relatado em trechos das escrituras (Gn 14.18; Jz 19.19; I Sm 16.20; 2Cr 11.11). O profeta Habacuque em 2.5 adverte o povo dizendo: "[...] o vinho é traidor [...]". Em algumas passagens das escrituras por fazer parte das festas e banquetes da comunidade hebréia, o vinho está associado com a alegria (vide Jz 9.13; Sl 104.15; Ec 10.19). Por isso, as escrituras fazem sérias advertências quanto ao perigo do uso sem moderação do vinho ou qualquer bebida forte (Pv 20.1; 23.29-35; Is 5.11,22; 28.7,8; Os 4.11). 

    É perceptível pelas passagens bíblicas acima relacionadas que as sagradas escrituras lançam sobre o vinho aspectos positivos e negativos. Passemos agora para uma análise etimológica desse vocábulo. O termo hebraico utilizado para "vinho" no versículo que ora comentamos é (yayin) e seu equivalente no Novo Testamento é o termo grego "oinos".  As versões da Almeida Revista e Corrigida (ARC) e da Almeida Revista e Atualizada (ARA) traduzem esse termo simplesmente por "vinho” tanto no velho como no Novo Testamento.

    Há referências bíblicas (Is 16.10; Jr 40.10-12; 48.33) que dão respaldo para a interpretação de que o "vinho" (yayin) refere-se ao suco antes da fermentação. Mas por outro lado, esse mesmo vocábulo hebraico é utilizado para indicar o vinho com teor alcoólico, ou seja, suco de uva fermentado (Gn 9.21; 19.32; Pv 20.1; 23.29-35; Is 28.7; Jr 51.7). Em suma, "yayin" pode ser interpretado nos dois sentidos, tanto como suco sem fermento como também fermentado.

    O DITAT traz a seguinte definição com respeito ao vocábulo hebraico "yayin":

      "(yayin) vinho. [...] A palavra é empregada 140 vezes, 12 delas em combinação com shêkãr (ARA, “vinho e bebida forte”; BLH, “vinho e cerveja”).  Suas  propriedades embriagantes  são  mencionadas  pelo  menos  20  vezes.  É  mencionado  como  uma  bebida comum,  como  um  dos  componentes  de  banquetes  e  como  material  usado  em  “libações” (ARA;  BLH,  “oferta  de  vinho”),  embora  neste  caso  não  fosse  ingerido.  O  verbo  hebraico relacionado  (nãsak)  significa  “derramar” [...]. O vinho  era  a  mais  embriagante  bebida  conhecida  nos  tempos  antigos.  Todo  vinho era  um  vinho  leve,  isto  é,  não  recebia  acréscimo  de  álcool  extra.  O  álcool  concentrado  só se  tornou  conhecido  na  Idade  Média,  quando  os  árabes  inventaram  a  destilação  (“álcool” é  uma  palavra  de  origem  árabe),  de  modo  que  nos  tempos  bíblicos  não  se  conheciam bebidas  destiladas  ou  fortes  (ou  seja,  uísque,  rum,  aguardente,  etc.)  nem  os  vinhos  de alto teor  alcoólico,  como  os  de  vinte  graus.  [...] Os vinhos antigos provavelmente ficavam entre sete e dez por cento.  A  embriaguez,  portanto,  era  obviamente  um  mal  antigo,  mas  o  alcoolismo  não era  tão  comum  ou  tão  grave  como  hoje  em  dia.  E  num  contexto agrícola,  seus  efeitos  eram menos  mortais  do  que  agora.  De  qualquer  forma,  mesmo  naquela  época,  tinha  os  seus perigos,  e  Provérbios  20.1  e  23.29-35  são  enfáticos  em  suas  advertências.  Para  evitar  o pecado  da  embriaguez,  praticava-se  a  mistura  de  vinho  com  água.  Os  rabinos  da  época do  NT  especificaram  como  se  devia  fazer  a  diluição  do  vinho  que  se  costumava  beber  na Páscoa.  Originariamente,  a  Páscoa  não  incluía  vinho  (Dt  20.6). Palavras  afins  são  shékãr,provavelmente  “cerveja”,‘ãsís,talvez vinho feito com outras  frutas (Ct  8.2),  e  tirôsh  (q.v.),  aparentemente  o  suco  fresco  das  uvas  e  jamais  ele próprio  associado  com  a  embriaguez."

    O Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento (NDITEAT) faz a seguinte análise do termo "yayin":

[...] Essa palavra ocorre 141 x, no AT, em muitos cenários diferentes e com empregos tanto literais como figurados.  Ocasionalmente  (13x),  ele  é  juntado  com  sêkãr  (->  #  8911),  cerveja,  bebida  forte,  mas sempre  ele,  com  tírôs  (->  #  9408),  era  a  bebida  que  vinha  para  simbolizar  alegria  e  abundância para  os  israelitas  e  para  os  seus  vizinhos,  também. [...]  4.  O  vinho  tomou-se  um  símbolo  de  confusão,  bebedeira  e  corrupção  por  causa  de  suas propriedades  intoxicantes  (Gn  9.21,  19.32;  Is  28.7;  Jr  51.7). [...] O vinho daqueles povos era o veneno das serpentes e das uvas mais amargas (Dt 32.32-33).  Essa  passagem  usa  toda  a  gama  de  palavras sobre  vinho  e  vinicultura  para  alcançar  o  seu  objetivo:  vinho,  uvas,  barris,  cacho  -  e,  nesse caso,  todas  elas  corrompem  e  pervertem  em  sua  influência. Enquanto yayin  indica  vinho  num  sentido  amplo,  tirôs  parece  indicar  o  vinho  novo, doce,  que  também  pode  intoxicar.  Essa  hipótese  baseia-se  em  etimologia  (Albright,  Javé,  118), e  o  uso  do  termo  no  AT (cf.  Os  4.11)  favorece  o  argumento.  Ambas  as  bebidas  eram  fermentadas,  embora  com  diferentes  graus  de  fermentação  (Fitzsimmonds,  NBD,  1254). [...] A palavra é usada tanto de maneira positiva quanto negativa, teologicamente falando, no NT (Mt 2.22; Jo 2.3-10; Rm 14.21; Ap 6.6; 14.8-10; 16.19; 17.2), e tanto no sentido metafórico como no sentido literal. 1.  A  LXX  emprega  oinos  quase  todas  as  vezes  para  traduzir  essa  palavra  heb.  gleukos, vinho  novo  e  doce,  e  symposion,  banquete,  são  usadas  uma  ou  duas  vezes  cada  uma. [...]"

    Vejamos agora outras palavras hebraicas para um entendimento mais amplo sobre o vocábulo vinho e outras bebidas nas escrituras sacras:

    2 - A palavra hebraica "tirosh" traz consigo a ideia de "vinho novo" ou seja, “recém espremido" e que portanto, não foi suficientemente envelhecido. 

Assim nos diz Strog sobre o termo "tirosh": 

"vinho, vinho fresco ou novo, mosto, vinho recém espremido".

    Esse termo hebraico também não é suficientemente claro, pois ora pode indicar o suco de uva sem fermento (Dt 11.14; Pv 3.10; Is 65.8; Mq 6.15; Jl 2.24), ora fermentado e que tira o entendimento dos homens conforme diz o profeta Oseias em 4.11: "A incontinência, e o vinho (yayin), e o mosto (tirosh) tiram o entendimento".   Além dessa passagem de Oséias que é a única a fazer menção de "tirosh" com efeitos inebriantes,o Talmude também faz menção de "tirosh" com esses efeitos.

    Já o DITAT traz a seguinte definição com respeito ao vocábulo hebraico "tirosh":

    "BDB define "tirosh" como "mosto"; "vinho novo", "vinho fresco". O vocábulo é usado 38 vezes,20 delas junto com "trigo" ou/e "azeite”, para designar o fruto fresco do campo. Pode ser achado num cacho (Is 65.8); os tonéis e lagares transbordam dele (Pv 3.10; Jl 2.24). Em Miqueias 6.15 é dito que yayin, "vinho" (q.v.) é produzido a partir do tirosh. A palavra nunca é associada a embriagues, com a possível exceção de Os 4.11, em que yayin também é mencionada. É natural supor que se deva fazer distinção entre, de um lado, essa palavra, que designa um produto frequentemente associado à frutuosidade, à produtividade e à benção, de outro lado yayin e Shēkar (q.v), que claramente são embriagantes e muitas vezes são mencionados juntos."

    O Novo Dicionário Internacional de Teologia e Exegese do Antigo Testamento (NDITEAT) faz a seguinte análise do termo "tirosh":

    AT 1. O vb., um hapleg, é encontrado, em Miquéias 6.15, como um q.  impf.  da  2a pessoa masc.  sing.  tirôs,  significando  “pisarás  a  vindima”,  mas  a  passagem  acrescenta  “no  entanto, não  lhe  beberás  o  vinho  (yayin)”.[...] O  nome  para  “vinho novo”  (tirôs)  é  formado  dessa  palavra. 

2. As  38  ocorrências  do  subs.  tirôs  têm  os  mesmo  usos  de  yayin  (->  3516)  e  é,  muitas vezes,  traduzido  pela  mesma  palavra  na  LXX.  A  palavra  designa  um  vinho  novo,  fresco,  que  era especialmente  desejável  e  agradável. [...]   A palavra difere, normalmente, no significado de yayin, vinho, e skr, bebida forte, e, portanto, tirôs não é normalmente considerado prejudicial.  Em  Oséias  4.11,  entretanto,  a  palavra  é  colocada  ao  lado  de  yayin  como  bebidas que  tiram  o  juízo  (lêb),  coisa  que  até  mesmo  o  excesso  de  “vinho  novo”  poderia  ocasionar.  O povo  de  Deus  é  responsável  pelo  uso/abuso  de  ambas  as  bebidas. [...] Parece, entretanto que nenhuma diferença consistente é discernível no uso das palavras yayin e tirôs, no AT.  tirôs  nunca  é  condenado em  si  mesmo  e  yayin  é  a  bebida  peligrosa.  Mas  visto  que  tirôs  alegrava  o  coração  tanto  dos homens  como  dos  deuses  (Jz  9.13),  ele  possuía  as  qualidades  básicas  de  yayin  com  seu  teor alcoólico  (cf.  Os  4.11).[...] Se  Isaías  65.8  pode  ser  considerado  de  modo  um  tanto  literal,  a presença  de  tirôs  no  cacho  ( ’eskàl)  de  uva  parece  indicar  um  suco  não  fermentado.  Isto  é,  sem dúvida,  um  assunto  para  debate  (cf.  Gn  40.11). [...]. 

P-B A septuaginta traduz essa palavra heb. Uniformemente como oinos, assim como  faz  com yayin, não  discernindo,  evidentemente,  nenhuma  distinção  maior.  No  heb.  médio,  a  palavra  veio  para designar  suco,  bolor,  vinho;  cf.  esp.  Tosef.  Nedarim  10,3.  Para  referência,  ver  Jastrow  2:1666. O  termo  poderia  ser  usado  também  para  aludir  a  uma  substância  tóxica.

    O Dicionário Vine Antigo e Novo Testamento nos auxilia na compreensão das palavras hebraicas que estão relacionadas com o termo vinho:

yayin  (?';):  “vinho”. [...]   Ocorre por volta de 141 vezes e em todos os períodos do hebraico bíblico. Esta  é a  palavra  hebraica  habitual  para  se referir  à uva  fermentada.  É,  em  geral,  traduzida  por  “vinho". Tal  “vinho”  era  bebido  comumente  como  refresco: [...] O  termo  yayin  descreve  claramente  uma  bebida intoxicante.  Isto  é  evidente  em  sua  primeira  ocorrência  bíblica:  [...] (Gn  9.20,21).  Em  Os  4.11,a palavra é usada como  sinônimo  de  tiros,  “vinho  novo” ou  “mosto".  onde  é  claro  que  ambas  podem  ser intoxicantes.  A  palavra  tiros  é  distinta  de  yayin  no que  se  refere  apenas  ao  vinho  novo  não  completamente  fermentado  (mosto).  O  termo  yayin  diz  respeito  a  “vinho”  em  qualquer  fase. [...] Em 1 Sm 1.15, yayin é paralelo de sekâr, “bebida forte”.  Nos  tempos  primitivos,  sekãr  incluía  “vinho”  (Nm  28.7),  mas  passou  a  ter  o  significado de bebida  forte  feita  de  qualquer  fruta  ou  grão (Nm  6.3). [...] Em Gn 9.24, yayin significa embriaguez: “E despertou Noé do seu vinho".

    O Novo Testamento utiliza "gleukos" quando se refere ao "mosto" ou seja, “vinho novo”. (Vide At 2.13). Esse "vinho novo" quando usado em certa quantidade e sem intervalos pode embriagar. No livro de Oseias 4.11, como acima foi dito, aparecem as duas palavras yayin e tirosh. O profeta nos alerta que tanto o vinho como o mosto (vinho novo) tiram o entendimento.

3-  "shemer" é proveniente de uma raiz que significa "fermentar". Segundo os estudiosos esse é um termo poético para vinho conforme vemos em Deuteronômio 32.14: "[...] e por vinho bebeste o sangue das uvas". (Vide também Ed 6.9; 7.22; Dn 5.1,2,4,23).

    4 - asis - Este é um termo sinônimo poético para tirõsh, é oriundo da raiz “esmagar, apertar”. Da mesma forma que tirosh era inebriante, conforme vemos em Isaías 49.26, onde a ARC traduz por "mosto" e a ARA por "vinho novo": "E sustentarei os teus opressores com a sua própria carne, e com o seu próprio sangue se embriagarão, como com mosto; [...]"

    5- "Shakar" - geralmente é traduzida como "bebida forte" e procede de uma raiz significando "estar ou ficar bêbado" (vide Is 5.11 onde ARA traduz Shakar por bebedice). Este termo basicamente é utilizado para indicar qualquer bebida inebriante (inclusive o vinho) proveniente de qualquer fruta ou grão conforme Números 28.7:  "[...] no Lugar Santo oferecerás a libação de bebida forte ao Senhor." (Vide Ct 8.2 para vinho feito de romã). O sábio Salomão na composição dos provérbios bíblicos advertiu a todos acerca do vinho (yayin) e da bebida forte (Shakar): Provérbios 20 -  1. O vinho é escarnecedor, e a bebida forte alvoroçadora; e todo aquele que neles errar não é sábio. Quando Ana foi acusada por Eli de estar embriagada recebe como resposta: "[...] Não, Senhor meu, eu sou uma mulher atribulada de espírito; não bebi vinho (yayin) nem bebida forte (Shakar), porém derramei a minha alma perante o Senhor." 1 Samuel 1 -  15.

     Ainda em provérbios 31.4-7, foi dado ao rei Lemuel a instrução para que ele não bebesse vinho para não perder o senso de justiça, mas devia dar aos pobres e miseráveis porque o vinho lhes faria esquecer da sua lastimável condição:

    Provérbios 31 -  4. Não é dos reis, o Lemuel, não é dos reis beber vinho, nem dos príncipes desejar bebida forte;   5. para que não bebam, e se esqueçam da lei, e pervertam o direito de quem anda aflito. 6. Dai bebida forte ao que está para perecer, e o vinho ao que está em amargura de espírito. 7. Bebam e se esqueçam da sua pobreza, e da sua miséria não se lembrem mais. 

    6- yayin ha-rekah - esse tipo de vinho era conhecido como "vinho aromático" conforme vemos no livro de Cantares 8.2:

      "Eu te levaria e te introduziria na casa de minha mãe, e tu me instruirias; eu te daria a beber vinho aromático, o mosto das minhas romãs". 

    O "vinho aromático" refere-se a uma variedade de vinhos mesclados ou misturados com vários tipos de ervas e seu potencial inebriante era maior que os vinhos comuns. Provérbios 9.2,5 faz referência a esse tipo de vinho: "já imolou as suas vítimas, misturou o seu vinho, e preparou a sua mesa. 5. Vinde, comei do meu pão, e bebei do vinho que tenho misturado." O sábio Salomão fez um alerta a todos por conta dos problemas causados por essa bebida muito utilizada nos banquetes:

     Provérbios 23 -  29. Para quem são os ais? para quem os pesares? para quem as pelejas, para quem as queixas? para quem as feridas sem causa? e para quem os olhos vermelhos? 30. Para os que se demoram perto do vinho, para os que andam buscando bebida misturada. O vinho misturado com uma especiaria por nome mirra era utilizado como anestésico e foi oferecido a Jesus por ocasião de sua crucificação (Mt 27.34; Mc 15.23). 

7- mishrah - Esse vocábulo hebraico faz referência ao suco extraído da uva e engloba todo produto originário da uva.

    O NDITEAT assim diz sobre esse vocábulo:

"Essa palavra é encontrada 1x em Números 6.3, identificando o liquido/suco de uvas [...].  O  nazireu  não  pode  partilhar  nem  mesmo  do  refresco/suco  de  uvas  ou,  por implicação, de  nada  feito/preparado  com  elas."

    Conforme foi dito acima, o Nazireu no período do seu voto, não poderia beber ou comer nada proveniente da uva, nem mesmo tomar o suco dela proveniente: Assim diz  Números 6:3-4: "abster-se-á de vinho e de bebida forte; não beberá, vinagre de vinho, nem vinagre de bebida forte, nem bebida alguma feita de uvas, nem comerá uvas frescas nem secas. 4. Por todos os dias do seu nazireado não comerá de coisa alguma que se faz da uva, desde os caroços até as cascas."

    A versão da Nova Tradução na Linguagem de Hoje traduz o termo "mishrah" por "suco de uvas" na passagem de Nm 6.3:  "não deverá  beber  vinho  nem  cerveja.  Não  deverá  beber  nenhum  tipo  de  vinho,nem qualquer outra bebida feita de suco de uvas;  não comerá uvas frescas nem passas. 4-Enquanto for nazireu,não comerá nada que  venha da parreira,nem mesmo as sementes ou as cascas das  uvas. O DITAT traz o mesmo significado de suco: "(Mishrah) suco (Nm 6.3)"

    Vejamos agora o que diz Números 6.3 com as respectivas palavras hebraicas que fazem referência ao vinho:

      "abster-se-á de vinho (yayin) e de bebida forte (Shēkar); não beberá, vinagre (chomets) de vinho (yayin), nem vinagre (chomets) de bebida forte (Shēkar), nem bebida (mishrah) alguma feita de uvas, nem comerá uvas frescas nem secas."

     A palavra "mishrah" tem o significado de "qualquer bebida feita do suco da uva" ou (vide traduções alternativas de Nm 6.3 nas notas de rodapé e a definição dessa palavra no NDITEAT logo acima). Nessa palavra, está incluso, o suco de uva sem fermento e teor alcoólico, ou seja, tomado como refresco.

    Sobre a conservação do suco de uva para impedir a fermentação as fontes de pesquisas divergem entre si. A favor da possibilidade da conservação do suco de uva sem fermentar, argumentam alguns, que deixando esse suco a temperatura de -10º ou fervendo-o há possibilidade de alcançar esse êxito. Contrariamente a EBMT diz: "[...] Aparentemente não havia nenhuma tentativa para preservar o vinho num estado não fermentado. Por exemplo, a Mishna não se refere a nenhuma tentativa deste tipo. Alguns estudiosos são de opinião que o vinho sem fermento era impossível nos tempos antigos na Palestina [...]" Mesmo que levarmos em consideração o fato de que havia vinho fermentado e não fermentado tanto no período do Velho Testamento e do Novo Testamento, isso não muda o fato de que judeus bebiam tanto um como o outro.

Segundo os especialistas no vernáculo hebraico, as palavras "yayin" (vinho) e "tirosh" (vinho novo ou mosto) que são traduzidas na maioria das vezes, por vinho no Velho Testamento, são vertidas na septuaginta pela palavra grega "oinos" e poucas vezes por "gleukos" que é utilizada para traduzir "vinho novo ou mosto". Já a palavra hebraica "mishrah" que aparece uma única vez no livro de Números 6.3 fazendo referência aos produtos derivados do sumo da uva é traduzida na LXX por "osa katergazetai ek estaphiles" que numa tradução livre para o português seria: "e as muitas coisas fabricadas a partir da uva ele não deve tomar".

     No Novo Testamento encontramos a palavra vinho nos seguintes livros com as respectivas quantidade de vezes em que o termo aparece em cada um deles: Mt-9.17; 27.34(4); Mc-2.22; 15.23(5); Lc1.15; 5.38; 7.33; 10.34 (8); Jo 2.3;10; 4.46(6); Rm 14.21 (1); Ef 5.18 (1); 1Tm 3.3,8; 5.23 (3); Tt 1.7; 2.3(2); Ap6.6; 14.8,10; 16.19; 17.2; 18.3,13; 19.15 (8). Já a palavra "vinho novo ou mosto" encontrada no livro de Atos 2.13 é tradução da palavra grega "gleukos”. Portanto, não há menção no Novo Testamento de nenhuma palavra grega que se refira exclusivamente ao "suco de uva sem fermento ou sem teor alcoólico”, tal qual, a palavra hebraica "mishrah" de Nm 6.3 que o comporta. Cabe aqui, porém, uma observação, que talvez a única passagem que se encaixa no sentido da palavra hebraica "mishrah" (bebida ou suco feito de uva), seja a tão conhecida ceia celebrada por Jesus e instituída como uma das duas ordenanças do Novo Testamento:Mateus 26 - 29. Mas digo-vos que desde agora não mais beberei deste fruto da videira até aquele dia em que convosco o beba novo, no reino de meu Pai.

    O fragmento "...fruto da videira..." é tradução do grego "gennematos tes ampélou" e que pode ser uma metáfora para "vinho fermentado" ou simplesmente "suco de uva”, visto que como foi dito acima, não temos no grego uma palavra exclusiva para indicar o "suco de uva sem fermento". É tarefa árdua para qualquer comentarista que queira aqui afirmar com absoluta certeza que o fruto da vide a qual nosso Senhor se refere é um suco de uva sem teor alcoólico, ou, o vinho que procede do suco de uva fermentado. Se fizermos uma análise das orientações que o apóstolo Paulo dá aos crente de Coríntios, veremos que a ceia do Senhor ou festa ágape, era celebrada pelos primeiros cristãos com a presença de vinho com teor alcóolico, pois como inferimos do texto, um simples suco de uva não podia embriagar os crentes daquela comunidade cristã: 1 Coríntios 11 -  20. De sorte que, quando vos ajuntais num lugar, não é para comer a ceia do Senhor; 21. porque quando comeis, cada um toma antes de outrem a sua própria ceia; e assim um fica com fome e outro se embriaga. 

    Apesar de que na época da Páscoa nenhum produto com fermento poderia ser usado (Êx 12.15,19,39; Êx 13.7;Êx 23.18; Êx 34.25;Lv 2.11;6.15-17;23.7; Dt 16.3) e por analogia o vinho fermentado estaria entre as proibições, somos informados por especialista na cultura judaica de que apesar da lei não determinar a utilização de vinho na ceia Pascal, a tradição contida no Talmude o exigia:

    "O uso  de  vinho  na  Ceia  Pascoal,  (14)  apesar  de  não mencionado  na  Lei,  era  estritamente  exigido  pela  tradição.  De acordo  com  o  Talmude  de  Jerusalém  o  vinho  era  destinado  a exprimir  o  gozo  de  Israel  na  noite  pascoal,  de  sorte  que  até  o mais  pobre  devia  ter  ao  menos  “quatro  cálices,  ainda  que  tivesse de  receber  o  dinheiro  para  isto  da  caixa  dos  pobres”.  (15)  Se  ele não  pudesse  obtê-lo  de  outro  modo,  acrescentava  o  Talmude, “devia  vender  ou  empenhar  a  sua  roupa,  ou  alugar-se  a  si  próprio por  estes  quatro  cálices  de  vinho”."

    Por ocasião da Festa da Páscoa grandes carregamentos de vinhos chegavam a Jerusalém, pois em média, cada adulto bebia o equivalente a quatro copos. Sendo a ceia substituta da páscoa judaica, há grandes possibilidades da utilização do vinho fermentado misturado com água no cerimonial da ceia ministrada por Jesus, pois até hoje somos informados de haver na páscoa judaica o uso dos "arba kosot",ou seja, os "quatro copos" de vinho que são bebidos durante essa importantíssima festa judaica. O Suco de uva faz parte do cerimonial judaico da Páscoa na atualidade, mas somente para ser ingerido por crianças.

     Comentando sobre a celebração da ceia da Páscoa, assim diz Louis Claude Fillion na sua obra "Enciclopédia da Vida de Jesus":

    "Depois que todos estavam em seus devidos lugares, o pai de família tomava em suas mãos uma taça cheia de vinho — normalmente vinho tinto — levemente aguado e a abençoava com uma oração que iniciava com as seguintes palavras: “Bendito sejas, Senhor nosso Deus, que tens criado o fruto da videira”. Em seguida, após beber o vinho, passava a taça aos demais, e cada um devia beber um gole. Depois, punha- se à mesa rodeada de divãs [...]Concluída a refeição, todos bebiam, como das vezes anteriores, a terceira taça de vinho, que se chamava o cálice de bênção, porque era abençoado de forma especial."

    Percebe-se que o autor em questão admite a presença do vinho, mas levemente aguado, e segundo consta, pelo menos três taças de vinho eram tomadas coletivamente pelos participantes. Não é sabido, porém, se no momento da refeição propriamente dita, havia a ingestão de quantidades maiores de vinho. Se tomarmos como base as palavras de Paulo aos Coríntios, como já dissemos anteriormente, os crentes daquela comunidade cristã estavam exagerando nas doses alcoólicas.

    Outra fonte digna de muito crédito nos informa que na "Mishnah" há exigência da utilização do vinho misturado com água quente na ceia Pascal:

    "Somente vinho vermelho podia ser usado na Ceia Pascoal,e sempre  misturado com água.(25) Cada um dos quatro cálices devia conter,ao menos,um  quarto da quarta parte de um hin (o hin tinha dois galões e duas pintas,medida  inglesa)."

    Podemos concluir então que o vinho utilizado na ceia por Jesus pode ter sido misturado com certa dose de água. Sugiro ao leitor uma análise do meu comentário de Lv 23.5 onde discorro detalhadamente sobre a páscoa judaica que foi substituída pela ceia cristã instituída por Jesus. 

Vamos agora analisar brevemente outras passagens neotestamentárias que contém o vocábulo vinho.

    O próprio Jesus foi acusado de comilão e bebedor de vinho:  "Veio o Filho do homem, comendo e bebendo, e dizem: Eis aí um comilão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores. Entretanto a sabedoria é justificada pelas suas obras." (Mt 11.19). Se considerarmos que o vocábulo vinho (Gr. oinos) indica uma bebida fermentada e que portanto, produz embriaguez, e se, beber vinho é algo pecaminoso como interpretam alguns, poderia se inferir daí, o absurdo de que Jesus pecou, pois o verso acima não deixa dúvidas de que Ele próprio tomava vinho.

    É muito conhecido a passagem da transformação da água em vinho por Jesus em Caná da Galiléia tido como o seu primeiro milagre (Jo 2.1-11). A palavra grega aqui utilizada para vinho é "oinos" que como comentamos logo acima, traduz as variadas palavras hebraicas referentes a vinho utilizadas nas passagens bíblicas do Velho Testamento podendo ter ou não teor alcoólico. Como no texto grego temos simplesmente a palavra "oinos" que mais uma vez repito, pode ser ou não bebida fermentada, como poderemos aqui afirmar alguma coisa com precisão?

    A Timóteo, o apóstolo Paulo deu a orientação para que ele repassasse aos líderes que não fossem " [...] dado ao vinho, [...]" e que também seu discípulo Timóteo, por conta de suas enfermidades estomacais, fizesse uso de "[...] um pouco de vinho [...]" (1 Tm 5.23). O conselho de Paulo é que seu discípulo fizesse uso do vinho com propósitos medicinais (vide Lc 10.34), visto que a qualidade das águas no Oriente não era das melhores e provocavam problemas no estômago. Era crença comum naquele período que o vinho misturado à água, tinha o poder de purificá-la. O apóstolo Paulo, ciente do desejo de Timóteo de ser exemplo, percebe que ele está levando esse desejo ao extremo, ao ponto de em detrimento de sua saúde, abster-se completamente do uso do vinho. 

    Escrevendo a Tito, o apóstolo Paulo aconselha as mulheres idosas, moderação no consumo de vinho: "as mulheres idosas, [...] que sejam [...] não dadas a muito vinho[...].    Pedro exorta os leitores de sua epístola a deixarem a bebedice que era marca dos gentios de sua época (1 Pe 4.3). Por sua vez o apóstolo Paulo aconselha aos tementes a Deus que habitavam em Roma: "Bom é [...] não beber vinho [...]" e também aos crentes de Éfeso: "E não vos embriagueis com vinho, no qual há devassidão, mas enchei-vos do Espírito”, pois diz as escrituras: "[...] os bêbados, [...] não herdarão o reino de Deus. 

    Podemos perceber através das escrituras e das citações dos eruditos no vernáculo hebraico que não há consenso, se as palavras hebraicas relacionadas ao termo vinho referem-se ao vinho fermentado-alcoólico ou não fermentados sem teor alcoólico. Muita discussão tem-se levantado nos círculos evangélicos, sobre se o crente pode ou não tomar vinho. Argumentos a favor e contra, buscam embasamento no sentido das palavras hebraicas que acima comentamos e pôde-se perceber que elas não podem nos fornecer base segura para um posicionamento inquestionável. Daí, conclui-se que qualquer estudioso que não buscar a moderação no posicionamento sobre a questão que envolve o vinho, está fadado a cometer enganos na interpretação, visto que, até os próprios hebraístas, não são unânimes quanto ao significado exato das palavras hebraicas que fazem alusão ao vinho no Velho Testamento, e que por consequência refletirá na interpretação das palavras "oinos" e "gleukos" no Novo Testamento.

    Após essa pequena exposição sobre o vinho, a conclusão a que chego é a de que não há nas escrituras uma proibição direta ao uso do vinho, mas sim, ao seu uso imoderado. Vemos então, que  tanto no velho, como no Novo Testamento, o vinho era muito consumido, mas abster-se de bebidas alcoólicas, para os crentes, parece ser o melhor conselho, tendo em vista que a embriaguez que é totalmente condenada na Bíblia, inicia-se com pequenas doses, ainda que isso não se aplique a todos. Para os tementes a Deus que tem sua consciência tranquila quanto a seu uso, a Bíblia sempre recomenda sua apreciação com moderação. Reproduzo de novo aqui, os conselhos de Paulo que servem de base a todos os crentes em todas as épocas:"Bom é [...] não beber vinho [...]" (Rm 14.21); e "Quem és tu, que julgas o servo alheio? Para seu próprio senhor ele está em pé ou cai; mas estará firme, porque poderoso é o Senhor para o firmar." (Rm 14.14). Sugiro ao leitor a análise de todo o capítulo catorze de romanos para uma ideia final sobre o beber e o comer.