O profissional “ensinador” de filosofia e o amante da sabedoria: considerações sobre a presença da filosofia no currículo na Educação Básica

Por Werner Leber[1]

Lembro-me de ter lido em um livro de André Comte-Sponville a seguinte afirmação: “filósofos são só alunos; só os sábios são mestres”.[2] Conforme meu entendimento, com o qual certamente um grande número de pessoas não concordaria, a filosofia nos diz respeito de dois modos basilares.  Do primeiro modo, que chamo aqui de primeira visão, ela está sumariamente presente entre nós como teoria e componente de um ideário político e pedagógico, cujo fim consiste em dar à filosofia um conteúdo ao lado de outros saberes presentes nos projetos pedagógicos e nos nossos currículos escolares. Enfim, fazer da filosofia um componente público dos conteúdos considerados necessários para a formação ética e profissional das pessoas. E a Lei, que nesses termos, inclui a filosofia na educação.[3] Assim, a filosofia passa a ser profissão de “licenciado em filosofia”, posto que não existe tecnicamente a profissão “filósofo” decorrente do fato de alguém ter cursado filosofia.[4] Tudo muito bonito, mas isso não salva a filosofia e nem a torna importante, embora veja-se nos meios acadêmicos muitos professores e estudantes de filosofia fazendo uma severa apologia dessa forma de entendê-la. Não seria isso apenas cultivar espaço no mercado de trabalho? Certamente é. E não é justo que o busquem? Certamente. E o que isso acrescenta ao tipo de conhecimento a que chamamos filosófico? Essa é a questão em jogo. Conforme penso, o conhecimento crítico, aquele que é peculiar e bem peculiar da filosofia, não se faz presente simplesmente porque a filosofia, desse modo, está contemplada nos currículos escolares da Educação Básica.  

Sob essa primeira visão, que seria o de um papel profissional, a filosofia está muito mais voltada às teorias pedagógicas que à sabedoria, sendo essa segunda seu centro irradiador e constituidor. Mas pode a pedagogia salvar a filosofia? E que filosofia a pedagogia quer salvar? Os pedagogos, bem sei, são importantes, mas não servem àquilo que considero filosofia. Nem sempre uma boa pedagogia é também boa filosofia.[5] No que me diz respeito, sou ainda mais radical: não considero a pedagogia uma espécie de filosofia. E os grandes pedagogos, quando pensaram e escreveram, filosofaram e não “pegagizaram”. Grande parte do pensamento de Piaget, por exemplo, é tributária da filosofia de Kant. E foi reagindo como filósofo e não como pedagogo, que ele melhor pensou. Todo interacionismo, não pode ser amputado da luta que Piaget travou com a filosofia de Kant, que, de modo básico, consiste em determinar o quanto a experiência empírica contribui ao conhecimento e o que caracteriza a inatidão do saber, que para Kant é o a priori, também denominado Sujeito Transcendental. Fazer defesas do interacionismo, contra os “inatistas cartesianos”, como se lê facilmente em manuais de pedagogia ligeira (aqueles clichês pedagogais e estereotipantes, escritos para quem não quer pensar muito), é produzir sofismas baratos sobre coisas complexas além de nivelar a filosofia em nível do que é meramente informativo. Bons professores de filosofia não são, só por isso, filósofos. Valem lembrar de André Comte-Sponville, quando afirma em seu “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes que “filósofos são apenas alunos; só sábios são mestres”. E bons filósofos raramente seriam bons pedagogos, quer dizer, bons professores só serem sábios. Sábios espantam, confrontam e desafiam. E, certamente, bons pedagogos seriam capazes de serem grandes professores de história da filosofia e capazes de explicar didaticamente sistemas filosóficos que não dominam completamente, ou seja, sem serem especialistas e amantes dessas questões. Desse primeiro modo, se excluído dele algo central, do qual falarei adiante, a filosofia se torna inútil, impotente, secundária.[6] E, assim, abomino esse tipo de filosofia que só surge por conta de leis e visões pragmáticas nos currículos escolares. Do segundo modo, o cultivo da sabedoria, a filosofia continua a ser o esteio metafísico, a centralidade do pensar e do conhecer, a estrutura edificante, a nossa douta ignorância, muito além do circunstancial e do conhecimento “útil”. Pensando nesse segundo modo é que se deve entender a afirmação taxativa de Olavo de Carvalho: “filosofia não é para fracos”. Voltarei a esse ponto, mas primeiro quero me alongar pouco mais na visão que considera a filosofia como conteúdo público e necessário à educação e à “formação crítica”. Que crítica? Apenas incluir a filosofia em um edifício cuja estrutura pedagógica é de principio estranho ao conhecimento filosófico? Pode não ser uma chance, porém o sepultamento definitivo dele. Embarcar em um trem cuja rota e destino não teve a participação do convidado no planejamento– no caso, a filosofia -, nada de crítico tem. Como a filosofia, nesse caso, dever trazer sua contribuição crítica se antemão o plano já está pronto? Tal atitude pode não diminuir o preconceito que se criou nas últimas décadas em relação à filosofia, mas aumentá-lo a ponto de tornar a filosofia ainda mais tripudiada do que já é. Adiante mostrarei que isso não diminui a filosofia, mas o conhecimento e o acesso a ela. Não é a filosofia que perde, mas as pessoas. Esse primeiro modo diz, portanto, respeito aos respectivos relacionamentos com a institucionalização do conhecimento filosófico como componente curricular, obrigatório ou não, dos níveis de ensino da Educação, seja ela a Básica ou a Superior, conforme nossas Leis  - a 9394/96 e seus derivados - definem os níveis de educação. Nesse modo, via de regra, situam-se os professores e ensinadores de filosofia, que podem ser pensadores da filosofia (no sentido da pesquisa e da publicação), mas não necessariamente o precisam. E também, não raramente, não o são de fato. Profissional professor é, antes, um pedagogo com algum domínio sobre informações filosóficas e não um filósofo stricto sensu – um amante acurado das formas e dos detalhes do saber. Além disso, lamentavelmente, precisa-se de muito pouco para ser professor de filosofia na atualidade, haja vista a banalidade com que se enxerga o conhecimento filosófico e a importância da filosofia de modo geral. Qualquer baboseira, qualquer coisa fútil passa a ser revestido do nome “filosofia”. Coisas bem corriqueiras como, por exemplo, uma simples visão sobre algo passa a ser chamado de “minha filosofia”. E a pessoa faz pose de sábio e diz “minha filosofia é a seguinte” quando se refere a algo bem simples, como comentar um capítulo de novela da noite anterior. Sem considerar situações ainda piores, situações em que qualquer um, mesmo o mais despreparado e descomprometido profissional (alguém assim nem merece ser chamado “profissional”), leciona filosofia, tenha ele formação acadêmica superior ou não. É certo que isso ocorre em vários casos da Educação Básica e também em uma infinidade de cursos superiores que aqui e acolá têm alguma abordagem de filosofia em seus currículos. Não admira que assim seja. Quem conhece o que foi o ideário da técnica, a instauração de uma “mente voltada ao útil e afastada de toda especulação aristotélica”, sabe como chegamos até aqui.[7] O que nada mais é que a instrumentalização cientificista com que a cultura do planeta foi sendo revestida desde o século XVI - da qual Francis Bacon é apenas um bom sumário. Mas admira, isso sim, que mesmo os já formados em filosofia - pelo menos um grande número deles - ou que estão a se formar em filosofia, desesperaram e já nem se põem essas questões. Ou então, não tem cultura filosófica para entender a problemática. Deve haver então também algum problema com a formação filosófica recebida.[8] Aceitam a filosofia como arrolação de ideários e ideologias educativas ao lado das ciências positivas. Como se fossem coisas paralelas, como a história é paralela à sociologia e à geografia, por exemplo. Insisto, está errado. Querem assim proceder, pois assim então procedam. Mas que fique claro também que a filosofia vista sob essa perspectiva quase nada tem a contribuir. Dessa forma, o conhecimento filosófico nada mais é que uma ferramenta de ideologias já arraigadas e não a voz discordante, a voz crítica e séria (como queria Husserl). Volto ao trem: desse modo a filosofia é apenas convidada a entrar em um trem já em movimento, mas proibida de perguntar o destino e os objetivos da viagem. Quem dirá então, entender “o sentido” da viagem. Aqui cabem as tristes e emblemáticas palavras de Rubem Alves, que li em algum de seus livros que já tive: “para que plantar ipês e jequitibás se já decidiram que só os eucaliptos devem sobreviver?”. [9]

O segundo modo é o daqueles que cultivam a filosofia para além das aplicabilidades e dos contornos pedagógicos, enfim, para além da "ensinagem". Explico-me melhor, quero dizer, daqueles (e daquelas) que a vêem como o suporte elementar de conceber a nossa forma de pensar e estar no mundo. Em palavras filosóficas: quem vê a filosofia como ontologia, como interesse em detalhes de como o ser humano organiza aquilo que diz que conhece. Essa é a concepção que não pode ser da filosofia amputada. Sem ela, a vala do senso comum, do dogmatismo revestido de falsa tolerância, está aberta e prestes a fazer cair nela os incautos, melhor, os preguiçosos mentais. Tem sido o caso das situações que vivenciei. Nesse segundo modo, que considero central, não há como não ser de alguma maneira também “filósofo e filósofa”. Nessa perspectiva estão os amantes do saber e da crítica ética e honesta, pouco importando se a pessoa tem formação acadêmica específica em filosofia.  Olavo de Carvalho, pensem o que quiserem, é um excepcional filósofo. Concordar ou não com tudo que ele pensa e escreve, é outra coisa. Mas lhe reconhecer a grande competência e erudição filosófica, é desonestidade. E ele não tem formação em filosofia e em formação alguma. E, no entanto, também tem. Se fez, como fizeram todos os grandes. Precisamos considerar que a filosofia é de quem pensa e cultiva o saber e não de quem só tem diplomas, que, conforme Alves, são apenas chaves para abrir portas das profissões.  Convenhamos, a literatura tem bem mais filosofia que a pedagogia profissional, com a qual querem cobrir a filosofia. Pois, colocar essa perspectiva em relevo já denota uma busca pela compreensão do sentido, daquele "o que há? e o que é isso que dizemos que há?", conforme desde os pré-socráticos a filosofia vem se eregindo entre nós. Mas essa perspectiva, não está na pedagogia atual. E se os pedagogos com ela se preocuparem, praticarão filosofia e não pedagogia. O ser se diz de muitos modos, escreveu Aristóteles na parte 4 da Metafísica. Mas o ser também tem graus dos quais cada saber dá ou deveria dar conta. Questões ontológicas pertencem ao tipo de conhecimento que consideramos filosófico. O Prius da pedagogia não é ocupar dos graus do ser. E que “ser”, afinal, é a educação? O significa, em sentido rigoroso e crítico, ensinar? De onde vem a presunção humana segundo a qual o homem é “ensinável?”. Dependendo da perspectiva que cada um adota, pode-se situar no primeiro ou no segundo caso. Melhor seria, conforme penso, situar-se nos dois, ou seja: compreender o que significa tratar da filosofia institucionalizada como componente acadêmico, e questionar se essa perspectiva não encurrala a filosofia e a nivela aos níveis dos conhecimentos operativos, que Heidegger chamou de "entes". Todavia, o segundo modo, para mim, é determinante e primaz. Desaparecendo esse ou se deixado em segundo plano, o primeiro também se vai. E se ficar, já não passaria de peça pálida, desnutrida, sem força alguma de fazer qualquer diferença. Tratada do segundo modo, a filosofia representa não as certezas fáceis, mas a luz tênue a iluminar nossa ignorância. Ou a nos dizer que continuamos ignorantes como sempre fomos - mantendo nos sensatos em relação à fragilidade, precariedade e presunção com que revestimos nossas concepções de mundo. Essas, quase sempre,  desavisadamente consideramos impenetráveis e absolutamente necessárias. É isso que leva Harold Bloom a dizer que Homero, Cervantes e Shakespeare são mais contributivos e decisivos à cultura universal que Platão. Os textos desses literatos nos mostram que as certezas não são alcançáveis de modo objetivo. Aqui, conforme penso, a filosofia indaga se não nos autoarrogamos saber o que sequer nos propusemos a conhecer de modo sério. Conforme Bloom ainda, a literatura tem feito isso melhor que a filosofia dita profissional. Concordo com ele. Precisamos ainda aprender o que é uma visão crítica, dizia Husserl, e que Olavo de Carvalho considerou o mais honesto filósofo europeu do século XX. São nossas presunções, sejam elas científicas, religiosas e mesmo filosóficas que precisam ser chacoalhadas. Ciência rigorosa (Strenge Wisssenschaft), dizia Husserl, “pai” de Heidegger e Merleau-Ponty, avô de Vattimo e Derrida. Filhos e netos, aqui, menores, e muito, que o pai. A filosofia, exerceria então, conforme penso, seu papel realmente crítico. Tratada apenas do primeiro modo, a meu ver, a filosofia poderia desaparecer por representar apenas aborrecimentos, elevar a taxa de contribuição ao dogmatismo institucionalizado que povoa nossas concepções de mundo, alicerçadas no senso comum. Nada pode ser mais dogmático que o senso comum. Deve ser por isso que Descartes observa, logo no início de seu Discurso do Método, que ele é a coisa mais geometricamente bem distribuída na face da Terra. E assim seria, conforme penso, mesmo que nela estivessem as pessoas dotadas das mais nobres intenções e formadas em nossos melhores centros. O papel de somente compor um elencamento de disciplinas de uma grade curricular não cabe à filosofia, se ela estiver destituída de seu papel central, qual seja, não ser um conteúdo específico - que aqui chamamos “positividade” ou “ente”, como quer Heidegger -, mas o estudo da forma de como se concebe conteúdos. E se o aceitar dentro das condições que aqui tentei condenar, nada estará fazendo de interessante e relevante, pelo menos a meu ver. Somente detratando o que se entende por filosofia e filosofar, além de contribuir acriticamente para uma ideologia de conhecimento já amplamente aceita entre nós – o trem em movimento cujo destino não pode ser mudado e nem questionado porque o determinismo do útil e a nossa religião inquestionável. Assim, a filosofia serve apenas para cultivar lugar para professores de filosofia em meios a outros espaços já ocupados por outros profissionais ensinadores.[10] O papel do determinismo utilitarista, que Bacon preconizou como a aurora do novo saber ocidental contra a especulação teórica de Aristóteles, não combina com a filosofia. Papel esse já muito bem exercido pelas disciplinas positivas.

É de bom alvitre que Aristóteles, Platão, Cusa, Shakespeare, Cervantes, Saramago, Bloom, para citar só alguns, sejam estudados, porque a especulação, que Bacon e seus adeptos condenaram, é a grande arma para o ser humano não perder de vista a imaginação e a capacidade criativa, quer dizer a luz que sustenta nossa precariedade existencial. Disso a filosofia sempre tratou, estivesse ela explicitamente requerida nos projetos pedagógicos, legais e educacionais, como agora está, ou não. Engana-se quem pensa engrandecer a filosofia enfileirando-a simplesmente ao lado de outros saberes, como muitos atualmente fazem. E ainda dizem: “melhor assim do que estar ausente”. Quanto a mim, se for para ser assim, melhor que não esteja. Engana-se, de igual modo, aquele que pensa que a filosofia alguma vez foi destituída de seu status mor do saber. É isso que está na filosofia de Aristóteles, autor, cuja obra nem está totalmente traduzida para o português, conforme nos avisa Olavo de Carvalho.[11] Mesmo nos momentos em que foi denegrida, detrata e vilipendiada, não estava ausente. A filosofia está no ser humano e dela não pode prescindir, aceite e concorde explicitamente ou não. Só uma mente vazia, bitolada pela situação de momento, seria seria assim tola em desconhecer e negar essa centralidade. Basta ver que educação se construiu, que pensamento crítico se desenvolveu onde a filosofia foi tratada dessa forma negligente. Enfim, a filosofia é a estrutura mais central de nossas formas de pensar. Umberto Ecco a denominou “estrutura ausente”. Não é uma profissão – um conteúdo em sentido de “meios e fins”. Mesmo as ciências, sem se aperceber, estão imersas na metafísica do ser, sem a qual nada poderiam desenvolver. As ciências só podem tratar do que é, do há, do que se pode dizer “que existe”. As ciências positivas não são possíveis sem a filosofia. Foi o que Husserl, que era matemático, ensinou a Martin Heidegger. Mas muito antes, Aristóteles, em sua monumental Metafísica, já havia dito isso. O Ser se diz de muitos modos, diz o estagirita na Parte IV de sua Metafísica. E todo grande cientista quando deixou a operação e o utilitarismo de lado, tornou-se “filósofo”. Vemos isso em Einstein, Newton, Galileu. Vemos isso nos astrônomos atuais. Vemos isso nos grandes físicos, desses que escrevem sobre Massa Clara e Escura no Universo. Vemos isso nos químicos. Longe das certezas empíricas, a física atual está imersa em grandes incertezas. A física quântica, gostem dela ou não, é só a ponta de um enorme Iceberg que mexe com o dogmatismo de uma possível física tradicional. A biologia, pelo menos para as mentes abertas, há muito tempo deixou de ser vista apenas pelos determinismos cientificistas do século XIX, e que só descrevem “fatos”.  E não nego que há biólogos que resumem a biologia à descrição e catalogação de “fatos”. Todavia, mesmo um biólogo positivista não tem como negar que as representações mentais de grandeza, extensão, enumeração se fazem presentes. Não há “fatos” fora da alçada de uma mente inteligente e incerta como a humana. Reconhecer a importância dos estudos evolutivos de Darwin nem de longe explica porque estamos aqui, nos diz André Comte-Sponville. Dizer que é o acaso é tão incerto quanto filosofar bem. Explicar mutações são antes teses e não “fatos empíricos”. Como ensinou Hume, a sucessão de causas, são imaginações que o hábito produz e não observações empíricas. Ninguém vê ou nada causando nada. Sem a interpretação, nenhum fato “existe”. Sem a criação de quadros comparativos e imaginativos, nenhuma tese surge. “Que seria de nós sem o auxílio das coisas que não existem”, diz nos William Shakespeare, em Hamlet. Quem fala em “fatos” não percebe que um cavalo não descreve fatos, embora os veja como nós. Os vê, mas não os vivencia como nós. Está certo Kant, quando postulou que entre nós e as coisas está o fenômeno; e é este que nos serve e não a coisa em si, dizia o alemão, professor de filosofia e geógrafo em Königsberg. É no homem que um fenômeno, como a “fatologia” de Comte, toma corpo. Sem a imaginação, sem a falta de certeza, nenhuma certeza, nenhuma tese, nenhum ideário científico poderia ser construído. Os demais animais estão imersos no mesmo mundo que nós. E, no entanto, não parecem se preocupar com o sentido de estar aqui, com a razão de estar aqui, com a origem da vida e do mundo, com a finalidade do conhecer. Nada disso, aparentemente surge em outros animais, com  exceção do ser humano. Por quê? Há bem mais que a mente precisa supor para bem elaborar a ciência, dizia Descartes, na parte VI de seu Discurso do Método. Assim, fecho aqui minha pequena reflexão: a filosofia não morrerá porque foi omitida ou proibida de ser estudada oficialmente. Também quem a proibiu, filosofou na proibição, sem mesmo se dar conta disso. Quem pensou que proibindo-a dela prescindiu, não passa de tolo e acrítico. A filosofia é, de certo modo, indestrutível. Qualquer método destrutivo já a pressupõe. O homem não pode vencê-la. E todos que lutaram contra a metafísica como, por exemplo, Bultmann, Nietzsche e Heidegger foram derrotados, ainda que tivessem produzidos grandes e eloquentes textos, dignos de apreciação. Quem a proibiu, cometeu não um suicídio da filosofia, mas do engrandecimento de nossas formas de saber. Privou não a filosofia de ser o que é, mas privou as pessoas de exercer sua capacidade intelectiva. Amputou uma dimensão fundamental do saber humano. Os ignóbeis, quando negam a razão do conhecimento filosófico por considerá-lo especulativo em detrimento do conhecimento operativo, via de regra, representado pelas ciências, conforme suas ideologias colhidas no senso comum do mercado, não sabem o que dizem. Mal percebem que toda negação pressupõe de antemão a estrutura basilar das formas de ser e de pensar. A filosofia em nada contribuirá à educação e à  formação se aqueles que dela tratam não a colocarem onde deve estar: na condição de poder parar o trem e mudar seu destino. Se à filosofia não couber o papel de perguntar “esse currículo é mesmo necessário?”, e se ficar claro que não, não puder mudá-lo, então em nada contribuirá. Nesse caso, estar no currículo ou não estar, não faz definitivamente nenhuma diferença. Pois de que adianta reconhecer a importância dos ipês e depois concordar que só eucaliptos devem sobreviver porque crescem mais rapidamente que os primeiros? Ninguém precisa de uma filosofia covarde assim.


[1] O autor é teólogo, licenciado e mestre em filosofia.

[2] COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: WMF; Martins Fontes, 2009, p. 07.

[3] Desde 2008 filosofia é conteúdo obrigatório no Ensino Médio brasileiro definido por legislação. Muitos educadores consideram isso positivo. O que digo é que a inclusão da filosofia como parte da formação obrigatória da formação que nossos alunos devem receber, não engrandece, só por isso, a filosofia, ou seja, não dá um salto qualitativo à produção filosófica. Conhecer bem os caminhos da história da filosofia, ainda que já seja esse ato também filosofar, como muitos têm dito, não desenvolve o pensamento filosófico de per si.

[4] Um bacharel em filosofia é só um bacharel em filosofia e não, por isso, filósofo. Diferentemente do que ocorre com outras profissões. Alguém formado em medicina é, a rigor, médico. Em administração, administrador; em ciências contábeis, contador; em engenharia, engenheiro. Todavia, alguém licenciado em filosofia, assemelha-se mais às formações positivas acima descritas que a filósofo em sentido de cultivar o saber. Ademais, alguém para ser filósofo, não precisa de formação acadêmica em filosofia, mas conhecer e produzir pensamentos filosóficos. Isso ocorre também com a literatura. Desse modo há uma relação muito estreita entre filosofia e literatura. Um bom literato, um bom escritor de romances, contos e peças teatrais não precisa ser necessariamente formado em letras e literatura. Precisa gostar de literatura, cultivar o bem escrever, ler e dedicar-se às letras. Me arrisco a dizer que isso ocorre também com a matemática. Fazendo ela parte do saber universal, digo, da mesma curiosidade que leva ao filosofar, nem sempre um bom matemático precisar ter formação acadêmica oficial nela. Quantos se fizeram matemáticos sem escola, igualmente aos que dedicaram à filosofia e às letras.

[5] Uma boa crítica sobre o profissionalismo educativo e as divergências com ele que se encontra no pensamento filosófico enquanto liberdade e sabedoria, pode ser lido em ARENDT, Hannah et. al. Quatro textos excêntricos. Tradução de Olga Pombo. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 2000.

[6] O que aqui chamo de primeiro modo é aquele que situa a filosofia como componente acadêmico e curricular, e que, desde ele, visa à formação acadêmica para a docência e as ditas competências adjacentes a esse componente de um currículo acadêmico-científico. Os famosos filósofos da educação situam-se, viam de regra, nessa perspectiva: discutir como se forma profissionais de filosofia e que função teria a filosofia nas epistemologias que dão coro às teorias educacionais. Nesse modo, a filosofia pode ser importante, mas nem de longe, só por isso, engrandece a importância do conhecimento dito filosófico. E menos ainda, faz dele a contribuição crítica e ética sobre os valores desta ou daquela percepção de ensino.

[7] E entenderá porque também não defendo a simples inclusão da filosofia como algo relevante na educação brasileira atual.

[8] Essa é a ponta de outro enorme Iceberg, cuja investigação detalhada revelará, certamente, que as graduações em filosofia estão distantes do rigor de outrora.

[9] Acho que está naquele livrinho, bem antigo, “Conversas com quem gosta de ensinar”.

[10] Nesse caso, refiro-me à Educação Básica. No Ensino Superior, em cursos como Direito e Teologia, por exemplo, creio que ainda boas exceções se fazem presentes.

[11] Acho que é no “Jardim das aflições” que ele traz essa informação.