O PROCESSO DE EXECUÇÃO E NUÂNCIAS FRENTE A CASO HIPOTÉTICO
Por Felipe Marto Soeiro Carneiro | 18/08/2016 | DireitoFelipe Marto Soeiro Carneiro
Carlos Eduardo Cavalcanti
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DESCRIÇÃO DO CASO
Zaqueu Togarma, detentor de título de crédito, ajuizou ação de execução de título judicial contra NAFTALI INVESTIMENTOS LTDA em fevereiro de 2015, versando sobre cheque emitido pela parte devedora no valor de R$ 500.000 (quinhentos mil reais).
Pela não localização da executada no endereço indicado, configurou-se dissolução irregular da sociedade e, com amparo no art. 50 do CC, houve a inclusão dos sócios no polo passivo da relação. Além disso, o juiz determinou a penhora dos ativos dos sócios e ex-sócios que constavam na data da emissão do cheque.
Quanto ao ex-sócio Levi Metusael, houve penhora da conta-poupança, investimento de plano de previdência privada e conta-corrente, fator que gerou diversas objeções por parte do advogado de Levi. Frente ao exposto, insurge problemática quanto às ações realizadas e o devido processo legal.
- IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
2.1. Questões para análise
- a) O princípio do devido processo legal foi observado no processo de execução?
Primeiramente, é necessário ressaltar que o devido processo legal relaciona-se com uma série de normas e princípios com respaldo constitucional que asseguram o direito de ação e o direito de defesa, englobando o contraditório, ampla defesa, juiz natural e etc. (DIDIER JR, Fredie, 2011).
No processo de execução, o devido processo legal (principalmente na esfera do contraditório) ocorre de forma singela. O caso em tela remonta a um título extrajudicial e, consequentemente, não há um processo cognitivo anterior ao ajuizamento da ação. É nesse sentido que é possível encontrar divergência a respeito do contraditório na supracitada lide.
Destarte, é necessário ressaltar que alguns autores negam a presença do contraditório no processo de execução (fator que tornaria a conduta do caso praticada pelo juiz legítima). Já outros o consideram como sendo de forma atenuada. É nesse sentido que Alexandre Câmara afirma categoricamente que “o contraditório é elemento integrante do conceito de processo. Sendo a execução um processo (ou pelo menos fase dele), não se pode negar a existência de contraditório, sob pena de se desvirtuar aquele conceito geral”. (CÂMARA, Alexandre Freitas, 2014, p. 167)
É subsídio presente no fato apresentado que o juiz determinou de forma imediata penhora de todos os ativos dos sócios e ex-sócios, constituindo explícita afronta ao art. 652 do CPC, uma vez que há o prazo de três dias para o pagamento por parte do executado, sob pena de penhora. Incidiu-se, por tanto em afronta ao contraditório.
Todavia, é necessário ressaltar que, frustrada a citação do devedor, é admissível o arresto de seus bens na modalidade online, constituindo o chamado arresto executivo ou arresto prévio, conforme súmula do STJ que visa efetivar a pretensão do exequente quando resta localizado o patrimônio do devedor.
b) O título executivo extrajudicial apontado na exordial é líquido, certo e exigível?
A necessidade de apresentação de título executivo que consubstancie obrigações certa, líquida e exigível são requisitos para autorização da execução (luiz flux, 38), conforme art. 586 do CPC. Quanto à liquidez, é notório que se faça presente no processo mediante a ciência do devedor quanto ao que deve (obrigação por quantia certa). O objeto da execução é delimitado de forma satisfatória e possibilita o procedimento subsequente. É presente tal elemento na importância de R$ 500.000 (quinhentos mil reais) representada em título de crédito.
A certeza, por sua vez, se faz presente através da obrigação induvidosa resultante do título executivo. “É aquela assumida pelo devedor e consubstanciada em título executivo, muito embora ao crédito possa opor-se o executado sustentando fatos supervenientes à criação da obrigação.” (FUX, Luiz, 2008, p. 39). Apesar de impugnação por parte do advogado de Levi de que a dívida decorre de crime contra a economia popular (posteriormente demonstrada), faz-se mister ressaltar que a apresentação do título findou satisfatoriamente a necessidade de certeza.
Por fim, quanto à exigibilidade definida como a obrigação vencida (FUX, Luiz, 2008), tem-se que o título executivo apresentado não pode ser exigido, uma vez que ocorreu a prescrição. De acordo com o art. 33 da Lei nº 7.357/85, a apresentação do cheque para pagamento (a contar da data da emissão) deverá ocorrer no prazo de 30 dias ou 60 dias de emitido em outro lugar do país ou exterior. O prazo para ação de execução, por sua vez, é, conforme art. 59, de 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação. Com os dados apresentados, é possível notar que a emissão do cheque ocorreu em janeiro de 2014. A ação de execução, por sua vez, em fevereiro de 2015. Portanto, resta prescrito o direito de ingressar com ação de execução, não sendo exigível a cobrança do título executivo.
- Restaram atendidos os requisitos da desconsideração da personalidade jurídica da NAFTALI INVESTIMENTOS LTDA, para a responsabilização patrimonial dos sócios?
A fundamentação apresentada do art. 50 do CC ressalta o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. Nesse sentido, Farias afirma que “o desvio de finalidade tem ampla conotação e sugere uma fuga dos objetivos sociais da pessoa jurídica, deixando um rastro de prejuízo, direto ou indireto, para terceiros ou mesmo para outros sócios da empresa”. (FARIAS, 2009, p. 386).
A impossibilidade de localização pelo endereço indicado no exordial reflete em prejuízo direto à terceiro (Zaqueu Togarma). O cumprimento dos requisitos expressos na legislação é fator satisfatório para a desconsideração da pessoa jurídica, consubstanciando-se com o entendimento de André Luis Ramos (p. 407, 2013), que afirma:
“Hodiernamente, todavia, tem-se tentado estabelecer critérios mais seguros para a aplicação da teoria da desconsideração, sem que seja necessária a prova da fraude, ou seja, sem que seja preciso demonstrar a intenção de usar a pessoa jurídica de forma fraudenta. Adota-se, pois, uma concepção objetivista da disregard doctrine, segundo a qual a caracterização do abuso de personalidade pode ser verificada por meio da análise de dados estritamente objetivos, como o desvio de finalidade e a confusão patrimonial.”
Quanto à responsabilização patrimonial dos sócios, tem-se que, segundo o art. 1052 do CC, “a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social”. Ainda que haja desconstituição da pessoa jurídica, é entendimento que “a limitação de responsabilidade dos sócios de sociedade limitada, relativamente ao capital subscrito e integralizado, não é motivo para limitar a responsabilidade dos sócios atingidos pela regra prevista no artigo 50 do Código Civil” (TJSP, Ap. 991.09.042169-9, 03/02/10).
- É cabível a penhora do patrimônio de Levi Metusael para a satisfação integral da dívida? São penhoráveis os recursos de Levi bloqueados via BACEN-JUD?
Como tratado anteriormente, a penhora é possível, visto que há responsabilização dos sócios e ex-sócios, ainda que desconsiderada a personalidade jurídica. Todavia, quanto ao Levi, a penhora recaiu sobre conta-poupança, investimento em plano de previdência privada e conta-corrente.
De acordo com o inciso X, art. 649 do CPC, há impenhorabilidade da caderneta de poupança no montante de até 40 (quarenta) salários mínimos, com a finalidade de preservar o pequeno poupador. Portanto, sendo ação indevida a penhorabilidade da conta-poupança de Levi. Já quanto as outras duas formas, é cabível a penhora, uma vez que a previdência privada não se trata de verba alimentar, mas investimento de longo prazo. Todavia, a previdência não deveria ser penhora pelo BACEN, uma vez que esta não é localizada por plano online, mas sim através de pedido a Confederação Nacional de Empresas de Seguros Gerais (CNSeg).
- Quais as medidas judiciais poderiam ser apresentadas para defesa dos interesses de Levi nesse momento? Quais os fundamentos do direito processual e material podem ser suscitados na defesa dos interesses de Levi?
Judicialmente, cabe ao executado a possibilidade de interpor os embargos de execução, faceta doutrinariamente aceita como contraditório eventual. “Assim, na execução extrajudicial o executado pode opor-se ao crédito, ao título executivo ou mesmo infirmar o processo por vícios formais, introduzindo na execução de título extrajudicial, de um processo de conhecimento, que se denomina ‘embargos’”. (FUX, Luiz, 2008, p. 405).
Há possibilidade de alegação na defesa de Levi da prescrição da ação de execução, uma vez que, comprovou-se nos fundamentos supracitados; alegação de nulidade por crime contra economia popular (agiotagem); ausência de contraditório, fundamentado no art. 652 do CPC e, ainda que qualificando-se como ponto jurisprudencial divergente, ausência de responsabilidade do sócio minoritário que não possui poder de gerência, conforme decisão: TJSP, A.I., 991.09.046547-5.
REFERÊNCIAS
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. v. 2. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V. 1. Bahia: Juspodivm, 2011.
FARIAS, Cristiano Chaves de, ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009.
FUX, Luiz. O novo processo de execução. São Paulo: Forense, 2008.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil . v. 1. Tocantins: Intelectus, 2003.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.
THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil . v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
[1].
[2] Aluno do 7° período, do curso de Direito, da UNDB.
[3] Professor, orientador.