O Princípio Ético da Não Agressão.

Antes de iniciar qualquer análise conceitual de propriedade, é importante demarcar o axioma a partir do qual o estudo da propriedade se desenvolve na análise de Hans-Hermann Hoppe.

Como base ética, utiliza-se, para o estudo da propriedade, o axioma central da não agressão, que consiste no entendimento de que é injustificada e, portanto, condenável qualquer agressão contra pessoas pacíficas ou suas propriedades.

Simpáticos a esse entendimento existem basicamente três perspectivas filosóficas: a emotivista, a utilitarista e a que se convencionou chamar de direitos naturais racionalistas - que é precisamente a perspectiva sob a qual o Prof. Hans-Hermann Hoppe desenvolve seu trabalho.

Pela perspectiva emotivista, o axioma da não agressão é considerado essencialmente de forma subjetiva, como uma noção particular de justiça que deve ser respeitada simplesmente porque respeitá-la “faz bem” ao seu possuidor. Assim, inexiste preocupação em desenvolver alguma argumentação racionalmente elaborada sobre os motivos que levaram seus seguidores a adotarem o axioma da não agressão como correto.

Em outros termos, a perspectiva emotivista, em vez de justificar racionalmente a ideia de não agressão como válida, e, pois, como norte moral a ser seguido, coloca a questão em termos sentimentais: se o argumentador entende que é “bom” não agredir outros homens, então agredi-los seria “mau”, razão pela qual aquele argumentador – e não outros - “deve” agir de acordo com o que entende ser bom (não agredir), indo na direção oposta do que considera mau (agredir).

Como, para o emotivismo, bom/mau e certo/errado são expressões de sentimentos/emoções de determinado agente, o princípio da não agressão termina por ser uma preferência subjetiva que só se mantém aceita porque, empiricamente, percebeu-se repetida na sociedade. Ou seja: verificou-se que a maioria das pessoas acredita que agredir outras pessoas é “mau”. Apenas por isso o axioma da não agressão como diretriz moral restou preservado.

A corrente utilitarista, apesar de academicamente desenvolvida e respeitável, não acarreta o entendimento absoluto que uma ética da propriedade e da liberdade exige.

Pelo utilitarismo, representado pela já citada Escola de Chicago e Escola de Direito e Economia, o que se estuda são os efeitos de determinadas escolhas relacionadas à propriedade. Elaboram-se cálculos capazes de demonstrar os efeitos positivos de uma cultura de respeito aos direitos de propriedade a partir da redução dos custos de transação e alocação eficiente dos recursos.

Alguns de seus estudos, como o desenvolvido pelo professor Ronald Coase em “O problema do custo social”, demonstram racional e empiricamente que uma comunidade cujos direitos de propriedade são respeitados podem despender menos recursos para contratação de segurança e, a partir disso, investir mais em produtividade. Seria a cultura da geração de valor em vez da cultura da destruição de valor.

O grande jurista da Análise Econômica do Direito, Richard Posner, em The Law of Torts, observa que uma pessoa pode

[...] fazer uso de sua própria propriedade ou... conduzir suas atividades às custas de algum prejuízo aos vizinhos. Ele pode administrar uma fábrica cujos barulho e fumaça causam algum desconforto a outras pessoas, contanto que o faça dentro de limites razoáveis. Somente quando a sua conduta se mostra desarrazoada, tendo em vista a sua utilidade e os prejuízos que causa [itálico acrescentado], é que constitui um dano... Como afirmado em um antigo caso, em relação à atividade de fabricação de velas em uma cidade, “Le utility de chose excusera le noisomeness del stink”*. O mundo deve ter fábricas, siderúrgicas, refinarias de petróleo, maquinário pesado e barulhento, ainda que à custa de alguma inconveniência à vizinhança e os autores de ações judiciais podem ser instados a aceitar algum desconforto não-razoável em prol do bem comum.

            O problema dessa corrente, coloca Hoppe, – embora seja de fantástica contribuição argumentativa – está na aceitação de eventuais injustiças éticas quando estas não se demonstrarem numericamente relevantes para o quadro geral da comunidade ou, nas palavras de Posner, para o “bem comum”.

            Com base na análise de custo-benefício sugerida pelos utilitários, poder-se-ia praticar as maiores injustiças dentro da perspectiva ética.

Tomemos o seguinte exemplo: em uma comunidade X, existe uma cultura que prega o massacre a todos as pessoas que nasçam com olhos azuis. A cada pessoa de olhos azuis massacrada, a comunidade faz um mês de festa, aquecendo o comércio e aumentando enormemente o grau geral de felicidade. Suponha-se, também, que a comunidade seja muito numerosa e, por sua vez, a quantidade de bebês nascidos com olhos são azuis não passa de dois ou três por ano.

Diante disso a visão utilitária poderia perceber, absurdamente, que o custo de perder duas ou três pessoas por ano fosse aceitável perante o aumento vertiginoso de felicidade geral da comunidade.

Ora, uma perspectiva que se queira realmente ética e, por tanto, justa, deve fazer-se presente em todas as circunstâncias, por mais aparentemente irrelevantes que sejam para o quadro geral, pois a ética é, antes de tudo, uma ciência para o indivíduo desenvolvida de modo a orientar o que deve ser feito “aqui e agora”. Não se pode propor uma ética a posteriori, que dependa de confirmações numéricas para efetivar seus comandos.

Por fim, temos a ética dos direitos naturais (ou ética absoluta) que considera a justiça de um ponto de vista imutável e eterno. Inicialmente, deve-se notar que a ética dos direitos naturais que embasam a propriedade não retira suas conclusões do Divino, mas da razão humana. Entende-se que o homem possui uma natureza que pode ser descoberta não pela consulta aos deuses ou por outra forma de misticismo, mas que pode ser descoberta pelo exercício da razão e da lógica prática do homem (praxeologia). Sobre a natureza humana, Murray N. Rothbard trata resumidamente, porém com o costumeiro brilhantismo:

[...] enquanto o comportamento das plantas e de pelo menos os animais mais inferiores é determinado por sua natureza biológica, ou talvez pelos seus “instintos”, a natureza do homem é tal que cada indivíduo deve, ao agir, escolher seus próprios fins e utilizar-se de seus próprios meios para atingi-los.

Como não possui instintos automáticos, cada homem deve aprender sobre si mesmo e sobre o mundo, utilizar sua mente para escolher valores, aprender sobre causa e consequência, e agir de uma maneira intencional para se manter e levar sua vida adiante. Como os homens podem pensar, sentir, avaliar e agir apenas como indivíduos, torna-se vitalmente necessário para a sobrevivência e a prosperidade de cada homem que ele tenha a liberdade de aprender, escolher e desenvolver suas faculdades, e aja a partir de seu conhecimento e seus valores.

Este é o caminho necessário da natureza humana; interferir com este processo e danificá-lo através do uso da violência vai profundamente contra o que é necessário, na própria natureza humana, para a sua vida e prosperidade. A interferência violenta no aprendizado e nas escolhas de um homem é, portanto, profundamente “anti-humana”; ela viola a lei natural das necessidades do homem.

Desta forma, a corrente dos direitos naturais coloca como pressuposto básico de justiça o conceito da autopropriedade, ou seja o entendimento de que a primeira propriedade existente é a propriedade que o homem tem de seu próprio corpo.