O princípio da reserva legal no Direito Penal Internacional

Ailton Henrique Dias

 

Resumo: pelo Princípio da Reserva Legal, nenhum fato pode ser considerado crime se não existir uma lei que o enquadre no adjetivo criminal. E nenhuma pena pode ser aplicada se não houver sanção pré-existente e correspondente ao fato. A Reserva Legal permite aos particulares a liberdade de agir e todas as limitações, positivas ou negativas, deverão estar expressas em leis. Entretanto, aos agentes públicos, o mesmo princípio se torna adverso. O Estado, na ausência das previsões legais para seus atos, fica obrigatoriamente paralisado e impossibilitado de agir. Nesse sentido, cabe realizar o estudo acerca da aplicação do princípio da reserva legal no Direito Internacional Penal, como sendo também a base da atuação do Tribunal Penal Internacional, ao demonstrar a sua evolução histórica e a constante preocupação com os direitos humanos.

Palavras-Chave: Reserva Legal. Direito Penal Internacional. Princípios.

 

 

  1. INTRODUÇÃO

 

O Direito Penal Internacional é o ramo do Direito que define os crimes internacionais (próprios e impróprios) e comina respectivas penas. O Direito Penal Internacional estabelece, também, as regras relativas: à aplicação extraterritorial do Direito Penal interno; à imunidade de pessoas internacionalmente protegidas; à cooperação penal internacional em todos os seus níveis; às transferências internacionais de processos e de pessoas presas ou condenadas; à extradição; à determinação da forma e dos limites de execução de sentenças penais estrangeiras; à existência e funcionamento de tribunais penais internacionais ou regionais; a qualquer outro problema criminal vinculado ao indivíduo, que possa surgir no plano internacional.(ACCIOLY, CASELLA, 2010)

Segundo o Doutrinador Donnedieu de Vabres (1929), define o Direito Penal Internacional como a ciência que determina a competência das jurisdições penais do Estado em confronto com as jurisdições estrangeiras, a aplicação de suas leis penais e os efeitos dos julgamentos criminais estrangeiros, o subordinava exclusivamente ao direito penal interno.

No Brasil, René Ariel Dotti (1998), que adota as expressões Direito Penal Internacional e Direito Internacional Penal, define o primeiro como ‘’ o conjunto de disposições penais de interesses de dois ou mais países em seus respectivos territórios’’ e o segundo como ‘’ o complexo de normas penais visando à repressão das infrações que constituem violações do direito internacional’’.

Nesse sentido, cabe então realizar o estudo acerca dos princípios que regem a aplicação do direito penal internacional, sobretudo no que diz respeito ao princípio da reserva legal, posto no direito internacional como nullum crimen sine lege e nulla poena sine lege. Ademais, cabe também realizar a minuciosa análise acerca da evolução histórica do Tribunal Penal Internacional, como sendo Órgão onde ocorre de forma direta e contínua a aplicação dos princípios que regem o Direito Penal Internacional.

 

2  EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

2.1  Origem do Tribunal Penal Internacional

O Tribunal Penal Internacional representa, em verdade, uma grande conquista de
todos por tratar-se de uma garantia de que os grandes crimes cometidos contra a
humanidade não ficarão impunes, independentemente da força política do país
envolvido. Trata-se de tema que tem se colocado cada vez mais em evidência, em razão do crescente número de conflitos internacionais, que se intensificaram nos últimos anos, notadamente como a chamada Primavera Árabe, e, mais recentemente, com os
conflitos deflagrados na Ucrânia e na Síria. (BRANDÃO, 2006)

Para a compreensão de seu surgimento, é importante que se faça referência à sua origem histórica, desde os Tribunais de Nuremberg e Tóquio, seguindo pelos tribunais
ad hoc da ONU, até a efetiva criação do Tribunal Penal Internacional. Já no ano de 1872 surgiu a ideia de jurisdição penal internacional, lançada por Gustavo Moynier, quando este apresentou em uma Conferência da Cruz Vermelha, a primeira proposta para a formação de um Tribunal com competência para julgar os Crimes de Guerra, também chamada de “Convenção para Criação de um Órgão Judicial Internacional para a Prevenção e Punição das Violações à Convenção de Genebra”.  (BERNADES, 2008)

Não obstante, foi no século XX que se deram os passos mais importantes para o
desenvolvimento do Direito Penal Internacional. Dessa forma, é consenso de que foi
a Primeira Guerra Mundial que deu origem à iniciativa de levar indivíduos à justiça, incluindo altos funcionários de Estados supostamente responsáveis por graves crimes
internacionais. (BERNARDES, 2008)

Ao contrário do Direito Internacional Público, no Direito Internacional Penal a
responsabilização criminal internacional recai sobre os indivíduos, mesmo que agindo em nome, por conta e no interesse de um Estado. Assim, o Direito Internacional deixa
de ser um direito unicamente dos Estados, e passa a levar em consideração o ser
humano, estruturando-se a jurisdição penal internacional de forma imparcial e não
militar.


2.2. O Tratado de Versalhes

O Tratado de Versalhes foi um tratado de paz elaborado em 1907, com base nos
princípios da 2ª Convenção de Paz de Haia, que teve por fim encerrar a 1ª Guerra
Mundial. Em decorrência das pesadas perdas civis, urgia a apuração e punição dos
responsáveis pelas atrocidades cometidas durante o conflito.

A ideia de punir os agressores do direito humanitário teve origem entre os países
aliados (EUA, França, Inglaterra, Itália e Japão), em 25 de janeiro de 1919, tendo por
inovador o conceito de responsabilização penal individual no âmbito do Direito
Internacional.  Na Conferência de Paz de Paris, em 1919, os Aliados já discutiam sobre a
possibilidade de realização de julgamentos por crimes contra a humanidade, previstos
na Convenção de Genebra de 1864, visando punir, notadamente, a figura tida como
o iniciador dessa guerra, o Kaiser alemão Wilhelm II. (LEWANDOWSKI, 2006)

Em seguida, ocorreu a assinatura do Tratado de Paz de Versalhes, em 28 de junho
de 1919, entre os Aliados, os Poderes Associados e a Alemanha. Esse tratado previa,
em seu artigo 227, a criação de um tribunal penal internacional ad hoc para julgar o
Kaiser Wilhelm II por ter iniciado a guerra, bem como em seus artigos 228 e 229, o
julgamento dos militares alemães acusados de violar as leis e costumes da guerra por
tribunais militares dos aliados, ou cortesmilitares de qualquer dos aliados. .(ACCIOLY, CASELLA, 2010)

Para viabilizar estes julgamentos, a Alemanha promulgou lei conferindo competência à Suprema Corte Alemã, em Leipzig, para processar os acusados. Esse evento, que ficou conhecido como Julgamento de Leipzig, representou, apesar de seu restrito alcance, um avanço para a justiça penal internacional. O Julgamento de Leipzig contribuiu para iniciar a flexibilização do princípio da soberania absoluta de cada Estado ao tratar dos crimes cometidos em seu território, e expôs a necessidade de ser ter um organismo de jurisdição penal internacional. (BRANDÃO, 2006)

 

2.3.Tribunais de Nuremberg e de Tóquio

Após o término da Segunda Guerra Mundial em 1945, a opinião pública, motivada
pelas atrocidades cometidas durante o conflito tanto pelo Japão na China, quanto pela
Alemanha contra judeus, ciganos e outras minorias, levou os governantes das
potências vencedoras a instaurar, pela primeira vez na história, tribunais penais
internacionais. Assim, os tribunais militares internacionais de Nuremberg e de Tóquio foram estabelecidos para julgar e punir os crimes cometidos na Segunda Guerra Mundial, e representaram a base para o atual Direito Internacional Penal. (HIZUME, 2007)

A Declaração de Moscou em 1º de novembro de 1943, adotada por Roosevelt, Stalin e Churchill em nome de seus países, que estabeleceu princípios para julgar os
criminosos do Eixo após o encerramento dos conflitos, é tida como o marco inicial
para a criação do Tribunal de Nuremberg.

A Alemanha rendeu-se de forma incondicional em 8 de maio de 1945, submetendo-se ao Acordo de Potsdam, que previa que os criminosos de guerra deveriam ser julgados, sem estabelecer, contudo, a forma deresponsabilizá-los em tribunais penais
internacionais. Posteriormente, a criação do Tribunal Penal de Nuremberg foi
normatizada pelos acordos de Londres, subscritos pelas grandes potências mundiais
e por outros 19 Estados. (HIZUME, 2007)

O Estatuto do Tribunal de Nuremberg (Charter of the International Military Tribunal for the Trial of the Major War Criminals) foi aprovado em 6 de agosto de 1945, contendo 30 artigos, bem como estabelecendo que aquela seria uma corte quadripartite, a qual cada país aliado deveria enviar um juiz titular e outro suplente, com a Presidência
sendo e0xercida na forma rotativa. (MAZZUOLI, 2006)

Ficou definido que o tribunal poderia julgar pessoas que tivessem cometido crimes
contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, devendo a responsabilidade dos acusados ser apurada tanto como indivíduo como quanto membro de organizações. Estabeleceu assim, pela primeira vez, que a posição dos acusados, sejam chefe de
Estado ou responsáveis oficiais por departamentos governamentais, não deveria isentá-los da responsabilidade, ou funcionar como atenuante para os crimes cometidos.

Os crimes contra a paz se referem à proibição de iniciar guerra injusta. Planejar, preparar, incitar ou contribuir para a guerra, ou participar de um plano comum ou
conspiração para a guerra. Os crimes contra a humanidade se referem ao genocídio, assassinato, estupros, escravatura, entre outros, cometidos contra civis e/ou militares.
Já os crimes de guerra se referem aos crimes cometidos durante a guerra pela
utilização de técnicas como gás ou bombardeio direcionado aos civis.

Umas das principais críticas feitas ao tribunal foi o fato de ter sido adotado após as condutas incriminadoras terem sido cometidas, o que configuraria criminalização ex
 facto
. Uma espécie de Tribunal de Exceção, feito pelos vitoriosos para condenar os
perdedores. De modo a refutar essa argumentação, o tribunal referiu-se às
Convenções de Haia para os crimes de guerra e ao Tratado de Renúncia à Guerra (Pacto de Paris ou Briand-Kellog, de 1928). Flávia Piovesan (2007) explica este tema da seguinte forma: 

(...) muita polêmica surgiu em torno da alegação de afronta ao princípio da anterioridade da lei penal, sob o argumento de que os atos punidos pelo Tribunal de Nuremberg não eram considerados crimes no momento em que foram cometidos. A essa crítica outras se acrescentaram, como as relativas ao alto grau de politicidade do Tribunal de Nuremberg (em que “vencedores” estariam julgando “vencidos”); ao fato de ser um Tribunal precário e de exceção (criado post facto para julgar crimes específicos); e às sanções por ele impostas (como a pena de morte).

 

Mesmo assim, o Tribunal de Nuremberg contribuiu para o fortalecimento da jurisdição penal internacional, promovendo a universalização do princípio da responsabilidade internacional daqueles que violassem os direitos humanos.  No que tange aos fundamentos do Tribunal de Tóquio, os mesmos situam-se na
declaração do Cairo, de 1º de dezembro de 1943, a qual foi assinada por
representantes dos EUA, da Grã-Bretanha e da China. A punição aos criminosos de
guerra japoneses, em especial aos que cometeram crueldades contra prisioneiros, é
anunciada, assim como no Tribunal de Nuremberg, durante a Conferência de
Potsdam, em julho de 1945. (MAZZUOLI, 2006)

A rendição do Japão ocorreu em 2 de setembro de 1945 e foram estipulados os
procedimentos e as condições relativas à detenção e ao tratamento a ser dado aos
suspeitos de terem cometido crimes de guerra. Ao mesmo passo, a Comissão de
Crimes da Organização das Nações Unidas aprovou uma recomendação para que
fosse estabelecido um tribunal militar internacional para julgar, no Extremo Oriente, os
criminosos de guerra, endereçando-a a oito países diretamente interessados para que
seguisse a recomendação.

O Tribunal de Tóquio, no Extremo Oriente, foi criado em 19 de janeiro de 1946. Sua criação foi anunciada pelo General Douglas MacArthur, comandante-chefe das forças aliadas da região. O Estatuto contendo 17 artigos foi redigido de forma semelhante ao do Estatuto do Tribunal de Nuremberg. O Julgamento de Tóquio iniciou-se em 3 de maio de 1946 com duração aproximada de 3 anos e meio, tendo sido este julgamento objeto de críticas tanto durante, quanto depois do evento. Afirmava-se ser este uma forma para que os Estados Unidos se vingassem do ataque traiçoeiro a Pearl Harbor, ou um meio de aliviar a culpa nacional pelo uso de bombas atômicas no Japão. (HUZEK, 2012)

Mesmo criticados, os Tribunais de Nuremberg e de Tóquio, sem dúvida, representaram um marco, onde os juízes abandonaram tanto a doutrina da imunidade
dos atos de Estado, quanto a do responde ao superior, que considera a obediência
cega a ordens superiores uma defesa automática e completamente contra a
persecução criminal. Dessa forma, encerrou-se ao leitor a longa era de impunidade de governantes criminosos, que se escudavam nos mantos da imunidade do Estado e das ordens superiores para cometer atrocidades em tempos de guerra e em tempos de paz. (HUZEK, 2012)

 

2.4. A Criação do Tribunal Penal Internacional Permanente

Em 1948 já havia sido cogitada a ideia de estabelecer um Tribunal Penal Internacional de caráter permanente, quando a Assembleia Geral das Nações Unidas pediu à Corte Internacional de Justiça que examinasse a possibilidade da criação de um tribunal para julgar os casos semelhantes aos que haviam sido submetidos aos Tribunais de Nuremberg e de Tóquio. (HUZEK, 2012)

 

Entre 1951 e 1953 foram apresentados projetos de estatuto para o futuro tribunal
através de dois comitês constituídos pela Assembleia Geral da ONU, contudo, em
razão da chamada Guerra Fria, os trabalhos de criação do tribunal ficaram suspensos
até o ano de 1989, quando a pedido da Assembleia Geral da ONU a Comissão de
Direito Internacional voltou a trabalhar no assunto. (HUZEK, 2012)

Entre 1995 e 1998, a Assembleia Geral das Nações Unidas convocou dois comitês
para a elaboração do Projeto de Estatuto para a criação de um Tribunal Penal
Internacional de caráter permanente. O primeiro comitê, ad hoc, durante o ano de
1995, iniciou as discussões, e o segundo comitê, que em 1996 substituiu o primeiro
de caráter ad hoc, submeteu um Projeto de Estatuto e um Projeto de Lei final à
Conferência Diplomática em Roma.

No tocante à participação do Brasil, Mazzuoli (2008) explica que:

O corpo diplomático brasileiro, que já participava mesmo antes da
Conferência de Roma de 1998, de uma Comissão Preparatória para o
estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional, teve destacada
atuação em todo processo de criação deste Tribunal. E isto foi devido, em grande parte, em virtude do mandamento do art. 7º do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição brasileira de
1988, que assim preceitua: “O Brasil propugnará pela formação de um
tribunal internacional dos direitos humanos. ”

 

Em 17 de julho de 1998 foi aprovada a criação do Tribunal Penal Internacional, sendo que o Estatuto entrou em vigor na data de 1.º de julho de 2002 em Haia, Países
Baixos, local de sua sede atual. Dados de 2012 indicam 120 Estados-partes do
Estatuto de Roma, porém Estados Unidos, China e Rússia ainda não assinaram e/ou
ratificaram o referido tratado.

O ingresso dos 120 países, com a ratificação do Estatuto do Tribunal Penal
Internacional, pode ser considerado o passo mais importante da sociedade
internacional na batalha contra a impunidade e em favor de um maior respeito aos
Direitos Humanos.

Assim, por força do artigo referido, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional integrou-se ao Direito brasileiro com status de norma constitucional, não podendo haver abolição de quaisquer dos direitos e garantias, nele constantes, por qualquer meio no Brasil, inclusive por emenda constitucional.

Cabe salientar que o Estatuto de Roma adotou um mecanismo bastante rígido, onde não se permite fazer reservas. Assim, o Estado signatário deve aceitar integralmente
o tratado, comprometendo-se com cada um dos seus artigos, sem poder impor uma
reserva a determinado artigo do documento, o que teria atrasado o processo de
ratificação por parte de cada Estado signatário.

A criação de uma jurisdição penal permanente significou um grande avanço, trazendo importantes vantagens em comparação com a jurisdição ad hoc, como a economia de custos de instalação, a estabilidade institucional e, principalmente, a legitimidade acrescida que decorre de uma maior garantia de imparcialidade, igualdade e uniformidade na aplicação do Direito.

 

2.5 O Tribunal Penal Internacional e a Sociedade Internacional

É uma corte permanente e independente, que julga pessoas acusadas de crimes do
mais sério interesse internacional, como homicídios, crimes contra humanidade e
crimes de guerra. Ela se baseia num estatuto do qual fazem parte 106 países.

O Tribunal Penal Internacional é uma corte de última instância. Ele não agirá se um caso foi ou estiver sendo investigado ou julgado por um sistema jurídico nacional, a
não ser que os procedimentos desse país não forem genuínos, como no caso de terem
caráter meramente formal, a fim de proteger o acusado de sua possível
responsabilidade jurídica. Além disso, o Tribunal Penal Internacional só julga os casos
que considerar extremamente graves. Em todas as suas atividades, o Tribunal Penal Internacional observa os mais altos padrões de julgamento justo, e suas atividades são estabelecidas pelo estatuto de Roma.

 

 

3 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E A RESERVA LEGAL

Os princípios são fontes basilares de todo um ordenamento jurídico pátrio, e de grande importância na aplicação do direito. Seguindo nessa linha de raciocínio Humberto Ávila (2012), cita em sua obra Teoria dos princípios que:

[...] Karl Larenz define os princípios como normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento. Ou seja, os princípios dão a direção necessária para a aplicação do direito de forma que, pode-se dizer que, princípio e normas caminham juntos, pois a aplicação de uma norma deve ser norteada por um princípio fundamental para tanto.

 

Dessa forma, para que seja possível a imputação de crimes a pessoas na esfera criminal de competência do Tribunal Penal Internacional, o Estatuto de Roma trouxe em seu texto princípios e fundamentos que norteiam tal aplicação, sendo eles: nullum crime sine lege; nulla poena sine lege; não retroatividade ratione personae; responsabilidade criminal individual; exclusão da jurisdição relativamente a menores de 18 anos; irrelevância da qualidade oficial; responsabilidade dos chefes militares e outros superiores hierárquicos; imprescritibilidade; elementos psicológicos; causas de exclusão da responsabilidade criminal; erro de fato ou erro de direito; decisão hierárquica; complementariedade e juiz natural.

 

Não obstante, há de se falar também que, aplica-se o princípio da Dignidade da
Pessoa Humana, pois é ele quem traz á unificação dos direitos fundamentais do indivíduo, e vêm sendo considerado por doutrinadores como sendo um princípio maior. O doutrinador Rizzatto Nunes (2012) preceitua que: “A dignidade humana é intangível.
Respeitá-la, e protegê-la é obrigação de todo o poder público” Ou seja, a dignidade humana é o princípio que norteia os demais princípios, sem ele não há de se falar em
liberdade pessoal e nem tampouco em justiça social.

No preâmbulo do Pacto de São José da Costa Rica, adotou neste contrato internacional americano um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos essenciais, tendo como fundamento a pessoa humana, segue trecho:

“Reafirmando seu propósito de consolidar neste Continente, dentro do
quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal
e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos
essenciais; Reconhecendo que os direitos essenciais da pessoa humana não derivam do fato de ser ela nacional de determinado Estado, mas sim
do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão
por que justificam uma proteção internacional, de natureza
convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito
interno dos Estados americanos;” (CIDH, 1969)



O direito à vida é o bem jurídico maior a ser tutelado, não há como se falar em
liberdade, por exemplo, sem respeito e tutela a pessoa humana. Na Constituição
Brasileira, a título de exemplo traz em seu artigo 1º, a dignidade da pessoa humana, como sendo mais do que apenas um princípio norteador, mas como sendo um dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Ainda, no que diz a esta linha de princípios, na esfera de Direito Internacional, há a Teoria do Garantismo Penal, idealizada por Luigi Ferrajoli, em que o garantismo
designa um modelo normativo de direito, em que garante direitos, privilégios e isenções conferidas constitucionalmente aos cidadãos de um Estado, maximizando a liberdade de indivíduos e minimizando as arbitrariedades do Poder do Estado, no que diz respeito à restrição de direitos individuais e coletivos. (TRINDADE, 2013)


3.1 Princípio do nullum crimen sine lege

Não há crime sem Lei. A previsão de um crime deve estar estabelecida de forma
precisa, de modo que se não houver uma tipificação prévia anterior ao fato jurídico, não será crime, pois para uma ação ser considerada crime é necessário haver a
tipificação de um comportamento humano na lei penal, previamente ao fato.

O professor Rogério Greco (2008) ao conceituar tipo penal pontua:

Por imposição do princípio do nullum crime sine lege, o legislador, quando quer impor ou proibir condutas sob a ameaça de sanção, deve, obrigatoriamente, valer-se de uma lei. Quando a lei em sentido estrito descreve a conduta (comissiva ou omissiva) com o fim de proteger determinado bem cuja tutela mostrou-se insuficiente pelos demais ramos do direito, surge o chamado tipo penal.

 

Ora, sabe-se que o direito penal é a última ratio, dessa forma, ele pune o indivíduo
infrator de uma conduta tipificada como criminosa, restringindo-o de sua liberdade ou
limitando a mesma. No artigo 5º do Estatuto de Roma, há o rol taxativo dos crimes de competência do Tribunal Penal, ou seja, nenhuma pessoa será considerada
responsável por um crime na esfera Internacional, se no momento do ato, não era
crime tipificado.

Neste princípio não admite o uso de analogia, onde nos casos de ambiguidade, será interpretada a favor da pessoa objeto de inquérito, acusada ou condenada, por essa
razão a previsão de um crime deve ser precisa em sua tipificação.

 

3.2. Princípio do nulla poena sine lege

Não há pena sem lei. Ninguém pode ser punido se, anteriormente ao fato praticado, não existir uma lei que o considere como crime, mesmo que o fato seja imoral, antissocial ou danoso. (MIRABETE, FABRINI, 2011) É necessária a tipificação da conduta bem como a aplicação de sua punição.

Na obra clássica penal dos delitos e das penas Cesare Beccaria (2001) diz que: “A primeira consequência desses princípios é que só as leis podem fixar as penas de cada delito e que o direito de fazer leis penais não pode residir senão na pessoa do legislador, que representa toda a sociedade unida por um contrato social. ” Na esfera do Tribunal Penal Internacional, qualquer indivíduo só poderá ser punido em conformidade com as disposições do Estatuto de Roma, conforme dispõe o artigo 23 do mesmo.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O Princípio da Reserva Legal no Direito Penal Internacional surge juntamente com a ideia garantista que envolve a maioria dos ordenamentos jurídicos internacionais.  O princípio da legalidade nasceu do anseio de estabelecer na sociedade humana regras permanentes e válidas, que fossem obras da razão, e pudessem abrigar os indivíduos de uma conduta arbitrária e imprevisível da parte dos governantes. Tinha-se em vista alcançar um estado geral de confiança e certeza na ação dos titulares do poder, evitando-se assim a dúvida, a intranquilidade, a desconfiança e a suspeição, tão usuais onde o poder é absoluto, onde o governo se acha dotado de uma vontade pessoal soberana ou se reputa legibus solutus e onde, enfim, as regras de convivência não foram previamente elaboradas nem reconhecidas.

Hoje, os países que possuem uma Constituição rígida, ou seja, aquelas cuja modificação de seu texto somente pode ser realizada por meio de um procedimento qualificado de emendas, que obedeça não só à forma constitucionalmente prevista para tanto, bem como às matérias que poderão ser objeto dessa modificação, adotam um verdadeiro Estado Constitucional de Direito, no qual a Constituição, como fonte de validade de todas as normas, não pode ser contrariada pela legislação que lhe é inferior. Como instrumento de defesa da hierarquia constitucional existe o controle de constitucionalidade das leis.

Ora, todos os Estados submetidos ao Direito Penal Internacional e ao julgamento do Tribunal Penal Internacional, estarão estão submetidos também à aplicação do princípio da Legalidade e de seus conectivos lógicos, afim de que os indivíduos sobre processo de julgamento sejam resguardados dos abusos que podem decorrer a partir da Soberania dos Estados-julgadores, tendo como alvo a proteção e manutenção perpétua da dignidade da pessoa humana e os direitos humanos, base do Direito Público Internacional.

 

5 REFERÊNCIAS

 

ACCIOLY, Hildebrando; CASELLA, Paulo. Manual de Direito Internacional Público.
18° ed. São Paulo: Saraiva,2010.

 

BRANDÃO. Renata Costa Silva. Tribunal Penal Internacional: uma nova realidade do
Direito Penal Internacional para a garantia da segurança dos Direitos Humanos. Dissertação em mestrado em Direito e Economia. Universidade Gama Filho. Rio de
Janeiro: 2006. Disponível em: www.dhnet.org.br. Acesso em: 28 ago. 2019

 

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 6ª reimpressão. São Paulo, Ed.Edipro, 2001. p.18.

 

BERNARDES. Marcelo Di Rezende. A importância para a humanidade do Tribunal
Penal Internacional. Revista Intellector. Ano VII, volume VII, nº 14. Rio de Janeiro:
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CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS – CIDH . Pacto de São José da Costa Rica. Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969

 

Donnedieu de Vabres, Henri Felix Auguste. La justice penale d'aujourd'hui. Data. 1929. Classificação (CDDir)

 

DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o Sistema de Penas. Revista dos Tribunais. Rio de Janeiro. 1998.

 

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte geral. Volume I. Artigos 1º a 120 do Código Penal. 10ª edição, revista e atualizada até 1º de janeiro de 2008. Niterói, RJ, Ed.Impetrus, 2008. p.155.

 

HIZUME, G. C. Breves Reflexões Acerca da Questão da Cooperação Jurídica no
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HUSEK, Carlos Roberto Curso de Direito Internacional Publico.11Ed, São Paulo, LTr,
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MIRABETE E FABRINI, Julio Fabrini e Renato. Manual de Direito Penal. Parte geral. Artigos 1º a 120 do Código Penal. 27ª edição revista e atualizada. São Paulo, Atlas s.a., 2011. p.39.

 

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