No Brasil a liberdade científica é considerada direito fundamental e, como tal, não significa que esteja isento de cotejos, como outros princípios fundamentais. Mas do ponto de vista constitucional, a liberdade científica é uma garantia, e a pesquisa é benéfica para a própria humanidade. Quanto a um marco civil para restringir a atuação da área da saúde, tem-se o Código de Ética Médico.

Ainda assim é importante ter em mente que, antes mesmo da liberdade da pesquisa científica, antes de se pensar a aplicação da ciência médica e dos avanços científicos à pessoa, existe o Art. 1º, III/CF, determinando um olhar para o princípio básico do biodireito: a dignidade da pessoa humana. A pesquisa científica precisa então ser vista dentro de uma visão antropocêntrica: o ser humano é o principal objetivo e o principal beneficiário das pesquisas científicas, de modo que ele não pode ser mero instrumento, não pode ser considerado mero objeto anímico. Neste sentido, deve-se sempre considerar a autonomia da pessoa, motivo pelo qual o biodireito consagrou o princípio da autonomia humana como basilar.

O princípio da autonomia impõe ao médico o dever de considerar e respeitar a autonomia do paciente. Este princípio será cotejado com outros princípios jurídicos e, por vezes, em maior grau, como é o caso da dignidade da pessoa humana. Para o STF, é assim, o que fica bem ilustrado com a pacificação do entendimento quanto à vida ser mais importante do que a escolha religiosa, no caso da transfusão de sangue em testemunhas de jeová.

Essa autonomia não é sinônimo de capacidade. Na área do biodireito, esse conceito rígido de capacidade proveniente do direito civil tem que ser flexibilizado. Logo, no direito do biodireito, pouco importa se uma pessoa é capaz ou não: ela tem que ser ouvida para determinada opção clínica, inclusive para auxiliar o médico na adoção da opção mais benéfica para aquele paciente. Assim é que o incapaz também teria que ser ouvido pelo médico para se adotar determinado tratamento, o que garante a dignidade da pessoa humana e prestigia o princípio da autonomia.

Isso tudo porque o biodireito adapta o direito civil à situação existencial, então é natural que a autonomia atue independentemente da capacidade do sujeito. De acordo com o entendimento de Aline Mignon de Almeida (2000):

"O princípio da autonomia está diretamente ligado ao livre consentimento do paciente na medida em que este deve ser sempre informado; em outras palavras, o indivíduo tem a liberdade de fazer o que quiser, mas, para que esta liberdade seja plena, é necessário oferecer a completa informação para que o consentimento seja realmente livre e consciente. O princípio da autonomia é considerado o principal princípio da Bioética, pois os outros princípios estão, de alguma forma, vinculados a ele (p. 7)."

 O Estatuto do Deficiente (Lei 13.146/15), ao pensar o deficiente como sujeito de direito e limitar as hipóteses de incapacidade, objetivou emancipar o deficiente e torná-lo ator da vida social. Hoje, se a pessoa não for interditada, ela é amplamente capaz! O médico precisa, acima de tudo, exercer o direito de informação. Para Mozer (2004), o princípio da autonomia tem relação estreita com o dever de informação, de modo que o primeiro se constitui:

"... como uma espécie de princípio primeiro e fundante de uma nova postura global: ninguém pode decidir pelo enfermo, desde que este apresente condições mínimas para isso. E ainda que estas lhe faltem, não cabe ao médico, mas ao círculo familiar tomar as decisões mais importantes. A tomada de decisão, contudo, tem a pressuposição de que os doentes sejam devidamente informados não só sobre o diagnóstico, como também sobre as várias alternativas para uma intervenção de ordem terapêutica. Com isso passou a ganhar força o que se denomina direito ao consentimento informado."

Correlato ao princípio da autonomia está o princípio da beneficência, segundo o qual, na atividade da área da saúde, é necessário que, dentre as opções possíveis, dentre as intervenções e tratamentos possíveis, o médico tem o dever ético de optar por aquela que gere o maior benefício e, ao mesmo tempo, gere o menor número de malefícios.

Assim é que se pode dizer que o princípio da beneficência pode sofrer alguma mitigação, em função da expressão e exercício da autonomia da vontade do paciente, sem que se admita ofensa severa à integridade física ou à vida do sujeito, pois a dignidade da pessoa humana é inalienável. Saliente-se que, para isso, todas as informações devem ter sido prestadas de forma clara e adequada pelo profissional da saúde.

Neste sentido, submeter um paciente a um tratamento experimental, ou um tratamento que se sabe inócuo, ou que lhe trará muito mais sofrimento do que benefícios, implicará ao médico estar infringindo o princípio da beneficência, pois nestes casos ele tem o dever de não fazer isso. Conforme ensinam Dantas e Coltri (2010):

"... a prestação das informações sobre o quadro do paciente, quais são as opções de procedimento, quais as consequências de cada um dos procedimentos, possíveis benefícios dos procedimentos e, principalmente, quais os riscos envolvidos em cada um dos procedimentos. Ainda o paciente deve ser informado sobre as consequências e os riscos inerentes a não adoção de procedimentos (p. 105)."

Por fim, cumpre destacar que capacidade para consentir prevê a compreensão da capacidade para decidir sopesando os valores próprios do paciente, além da capacidade de compreensão dos próprios fatos em si e o que cada tratamento (ou ausência deste) pode significar, capacidade, portanto, para compreender as alternativas e finalmente para se autodeterminar diante das informações prestadas.

Diante do exposto é seguro afirmar que o princípio da autonomia privada no biodireito não é o mesmo que o princípio da autonomia desenvolvido pela teoria geral dos contratos, porque o biodireito congrega uma autonomia para a proteção de um direito existencial. O rigor é quanto à informação, sendo que a capacidade é flexibilizada, assim preservando o princípio da dignidade da pessoa humana.

O princípio da autonomia tem então sua expressão maior como manifestação da liberdade de escolha, devendo referida escolha ser respeitada pelos demais, mesmo por aqueles que se posicionem contrariamente. Isso porque todo indivíduo é agente protagonista e responsável por seus atos, sendo capaz de posicionar-se quanto ao que melhor atender a seus interesses, em relação à sua integridade física, saúde e vida.

 

ALMEIDA, Aline Mignon de. Bioética e biodireito. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2000.

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília, 2015.

Dantas, Eduardo; Coltri, Marcos Vinicius. Comentários ao Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 1.931, de setembro de 2009. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2010.

Mozer, Antônio. A Biotecnologia e bioética: para onde vamos?. Petrópolis: Vozes; 2004.