15/03/2011


O Presente



Autor: Eduardo Silveira



1964

Lino despertou assustado quando sua mãe o acordou para ir trabalhar. Há dois meses, ele arranjara um emprego de entregador de pães, em uma padaria da periferia do bairro onde morava. Tinha quinze anos e, sonhava em comprar uma bicicleta nova. Como os pais não tinham muitos recursos, ele arranjava alguns bicos aqui e acolá, afim de ganhar algum dinheiro. Levantou-se vagarosamente, olhou a hora, o relógio marcava quatro e meia da manhã, vestiu uma calça jeans surrada, uma camiseta velha, uma japona azul, calçou seu único par de tênis, lavou o rosto, escovou os dentes, passou um pente nos cabelos e saiu. No quintal da casa, pegou sua velha bicicleta Phillips, e foi pedalando sob um céu ainda escuro, rumo ao trabalho.

Sua tarefa era de entregar pães para os donos de armazéns e bares do bairro e da periferia, já previamente cadastrados na padaria. Começava o seu trabalho bem cedinho e, por volta das dez horas da manhã, já estava em casa, e aí, estudava um pouco e, depois do almoço, ia para a escola.
Aos poucos, ele ia se acostumando com aquela rotina. Os dias eram, invariavelmente, a mesma coisa. Chegava cedinho na padaria, o padeiro, Seu José, já estava lá assando os pães e fazendo os doces que ele tanto apreciava. E, enquanto esperava os pães ficarem prontos, comendo um doce ou outro, eles ficavam ali, papeando. Seu José, que era semi analfabeto, gostava de conversar com Lino porque ele era um garoto inteligente e sabia explicar direitinho, como as coisas funcionavam. E assim, naqueles minutos em que ficavam ali, a conversa girava geralmente, sobre os astros e as estrelas, um assunto que Seu José adorava. Lino explicava como a Terra girava, por que havia o dia e a noite, falava das estrelas, dos planetas, o que era um eclipse, e por aí afora.

Lino já conhecia todos os comerciantes pelo nome. Seu contato com eles, era na realidade, muito rápido. Entregava a mercadoria pedida, e se, na próxima entrega quisessem mais ou menos determinados produtos, ele anotava tudo num caderninho que trazia sempre consigo, e entregava para o dono da padaria.
Um dia, Lino estava fazendo suas entregas normalmente, quando chegou ao estabelecimento de dona Sofia, uma mulher de origem europeia e de poucas palavras. Bateu na porta e ela, como de costume, abriu e dirigiu-se para trás do balcão. Lino entrou, entregou os pães e, enquanto conversavam sobre a próxima entrega, sua caneta caiu no chão, imediatamente ele abaixou-se para pegá-la e, nesse breve momento, olhando através do vidro, ele viu que ela estava com uma das pernas apoiada num ferro do balcão e o seu roupão totalmente aberto, deixando a mostra, suas pernas grossas e brancas. Lino ficou embaraçado com aquela visão. Levantou-se e Dona Sofia percebeu o que ele tinha visto. Conversaram mais um pouco e ele foi embora.

Lino era um adolescente e, como todos os adolescentes da sua idade, fantasiava muito as coisas. A visão das pernas da Dona Sofia, por mais que ele quisesse, não saía dos seus pensamentos. Ela não era exatamente uma mulher exuberante, pelo contrário, era de estatura média, meio gordinha, trazia sempre os cabelos presos num coque no alto da cabeça, e seu rosto mostrava sempre uma expressão séria. Mas, mesmo assim ele passou a esperar ansiosamente, todos os dias, por aquele encontro. Entretanto, ela o tratava com uma certa frieza, como se estivesse sempre distante, e só falava estritamente o necessário.
Mas um dia, enquanto calculava um pedido, ela pegou um lápis e deixou-o cair no chão. Lino olhou o lápis perto de seu pé e olhou para ela. Ela, olhando-o com um ar distraído, disse:
Pega pra mim.
O coração de Lino começou a bater tão forte, que ele teve receio que ela ouvisse. Um calafrio desceu pela sua espinha. A boca ficou ressecada, sem uma gota de saliva.
Pegue pra mim. - repetiu ela com uma voz, esquisitamente, rouca.
Tá. - respondeu ele, num fio de voz.
Então, ao abaixar-se, lentamente, seus olhos foram se voltando em direção ao vidro do balcão. O que ele viu, deixou-o boquiaberto. Ela estava com o roupão totalmente aberto, expondo seu corpo coberto apenas pela sua calcinha preta. Lino ficou mudo.
Ficou ali, parado, olhando extasiado.
Pegou? - Perguntou ela.
Peguei! Peguei sim. - respondeu ele, enquanto se erguia ? Aqui está.
Obrigado ? agradeceu ela, fechando o roupão, olhando-o fixamente nos olhos e com um sorriso enigmático.
Lino, embaraçado como estava, baixou o olhar. Suas mãos tremiam, não conseguia nem escrever direito. Quando acabou de anotar o pedido, se despediu e, sem nem olhar pra ela, pegou sua bicicleta e saiu correndo, pedalando rapidamente. Depois de percorrer uns quatro quarteirões ele parou. Respirava com dificuldade, estava cansado. Ficou parado por alguns minutos e só aí percebeu que, na pressa, havia errado o caminho para o próximo freguês.
O dia seguinte era um domingo, e aos domingos ele não trabalhava. Passou o fim de semana todo pensando naquela "visão".
Será que ela faria aquilo de novo? - perguntou-se.
E se ela fizesse? O que ele faria? Como deveria agir? E se ela o agarrasse? Se o beijasse?
Se fazia tantas perguntas que sua cabeça parecia que ia explodir. Ele nunca havia beijado ninguém. O máximo que ele chegara perto de um beijo, foi quando Clara, uma colega de classe, o havia beijado no rosto, em plena sala de aula, agradecida por um trabalho que ele havia feito pra ela. E ele lembrava muito bem da balbúrdia que os colegas haviam feito, e de como ficara envergonhado.
O domingo transcorreu lento e sem nenhuma novidade. Quando anoiteceu, sua preocupação aumentou. Não sabia o que ia acontecer quando voltasse lá. E o pior de tudo, é que tinha que ir lá todos os dias.

Segunda feira.

Sua mãe sacudiu-o. Lino sentou-se rapidamente na cama. Sua mãe estranhou o fato, pois ele sempre remancheava um pouco, antes de levantar. Arrumou-se e saiu de casa no horário de costume. Enquanto pedalava pelas ruas, seus pensamentos se fixavam só em uma coisa, no encontro com dona Sofia. Não podia contar o acontecido para ninguém, muito menos para o padeiro, Seu José. Sua amizade com ele era meramente profissional. Eles nunca haviam tido nenhuma conversa desse tipo. E, Seu José já era um adulto, enquanto ele, era só um adolescente.
Quando bateu à porta de dona Sofia, seu coração parecia que ia sair pela boca. Apesar da névoa fria da madrugada ainda pairar no ar, ele sentiu que suas mãos suavam. Os minutos que se passaram até ele ouvir o barulho da chave na fechadura da porta, pareceram séculos. Dona Sofia, como de costume, abriu a porta e, quase sem olhar pra ele, virou-se e dirigiu-se para detrás do balcão. Lino entrou, entregou os pães e já ia saindo quando ela o chamou. Seu coração quase parou. Sentiu um frio percorrer-lhe todas as entranhas. Ele deu meia volta e olhou para ela, como a perguntar o que ela queria. Seguiu-se uns segundos de silencio, então, ela disse para que na próxima entrega, ele aumentasse para vinte, a quantidade de pães doces. Ele aquiesceu e saiu.
Só quando chegou na padaria é que se lembrou de anotar o pedido dela no seu caderninho.

E assim, uma semana se passou e, nada acontecera. Lino, não sabia o que fazer. Havia criado tanta expectativa, achando que ela faria uma porção de coisas mas, ela não fez nada. Ele bem que procurava notar alguma coisa nela, um olhar diferente, um sorriso, uma conversa estranha, mas ela não dizia ou fazia nada do que ele estava imaginando. Um dia, ela perguntara quantos anos ele tinha, ele respondeu, mas ela não fez nenhum outro comentário. Ele imaginou que ela o havia achado muito novo, muito criança.
Vinte dias depois, em um domingo,na hora do almoço, Lino teve uma surpresa. O pai, disse que achava aquele trabalho muito desgastante para um menino da idade dele, e que por causa disso queria que ele deixasse o emprego e se concentrasse mais nos estudos. Lino alegou que estava juntando dinheiro para comprar uma bicicleta nova e foi então que, o pai levantando-se, caminhou até o quarto e voltou com uma bicicleta novinha, que havia comprado. Lino mal pode acreditar no que estava vendo. Imediatamente, ele rasgou a embalagem, abriu a porta e saiu desabalado pela rua com a sua nova bicicleta. Rodou por várias ruas, foi na casa de alguns colegas para mostrar o seu presente, e depois de muito pedalar, voltou para casa.
Os pais viram que ele ficara muito feliz com o presente. E voltaram a pedir para que ele deixasse o emprego. Lino concordou.
À noite, em sua cama, Lino começou a avaliar o seu trabalho e chegou a conclusão de que seus pais estavam certos. O seu rendimento escolar havia diminuído. O fato de acordar muito cedo o deixava muito cansado, e por conta disso, não conseguia prestar atenção nas aulas. O que, obviamente, dificultava a compreensão das matérias. Então, ali deitado em sua cama, ele resolveu que ia conversar com o seu patrão e pedir demissão.
No dia seguinte, Lino falou com o patrão, e este lhe pediu que esperasse pelo menos uma semana, até arranjar um outro entregador. Lino concordou. Quando ele contou pra dona Sofia o que havia resolvido, ela deu de ombros, não fez nenhum comentário a respeito, e Lino ficou um pouco decepcionado, pois em sua ingenuidade e imaturidade, havia imaginado que poderia observar no rosto dela, alguma expressão de tristeza, ou mesmo que ela pudesse fazer algum comentário. Mas, dona Sofia não disse nada.
Dias depois, o patrão contratou outro rapaz para fazer as entregas e pediu para Lino trabalhar até o sábado, porque o seu substituto começaria na segunda feira.
Sábado cedinho, lá estava Lino na padaria conversando com seu José, o padeiro. Depois saiu, e após algumas entregas, chegou ao bar de dona Sofia. Bateu à porta, como de costume e ela demorou a abrir. Bateu mais umas três vezes e nada. Já ia embora quando, ouviu o barulho da chave na fechadura. Dona Sofia abriu a porta e ele estranhou a sua aparência. Ela estava com um roupão colorido, seus cabelos soltos, caíam-lhe em cachos negros quase até a cintura, ele nunca imaginara que ela tivesse os cabelos tão compridos. Ele entrou com a cesta de pães. Ela conferiu tudo e depois disse a ele:
É seu ultimo dia hoje?
É sim. - respondeu ele.
O que você gostaria de ganhar de presente? - perguntou ela.
De presente? Como assim? - respondeu ele sem entender.
Por que você não fecha a porta?
Lino começou a sentir as mãos suando. Fechou a porta. O coração batia tão forte que ele podia jurar que ela estava ouvindo.
Não estou entendendo. - disse ele baixinho.
Venha cá. _ disse ela. - Dê a volta aqui no balcão.
Eu preciso ir embora. Tenho que entregar os...
Vem cá! - disse ela segurando a mão dele e puxando-o devagar mas, firmemente, para detrás do balcão.
Lino parecia um autômato. Se deixou puxar e deu a volta no balcão. Quando ficou bem à sua frente, ela foi abrindo o roupão devagar e deixou-o cair ao chão, ficando totalmente nua na frente dele. Lino não sabia o que fazer.
Já viu uma mulher nua antes? - perguntou ela.
Já.
Já mesmo? - ela riu discretamente.
Não. - respondeu Lino completamente envergonhado.
Vem cá. Me dê a sua mão. - disse ela. - Toque em mim. - pediu.
Pegou a mão dele e encostou em seu seio. Lino sentiu que o bico estava duro, parecia um botão. Ela pegou as duas mãos dele e começou a esfregar suavemente em seus mamilos. Esfregava e apertava as mãos dele de encontro aos seios, depois de um tempo, lentamente, ela foi conduzindo as mãos dele pelo seu corpo em direção à sua região genital. Lino tremia, estava tão próximo a ela que podia sentir o seu hálito forte e o arfar do seu peito, que aos poucos ia ficando mais intenso. Os dedos de Lino tocaram algo macio, aveludado, logo ele percebeu que eram os pelos pubianos dela. Como eram sedosos e tão macios, pensou ele. De repente, dona Sofia colocou uma das pernas sobre um banco alto, pegou uma das mãos dele e começou a esfregar em seu sexo. Lino sentiu seus dedos molhados por um líquido quente e muito viscoso. A figura dela, ali, com o rosto afogueado, os olhos semicerrados, parecendo estar em transe, balbuciando coisas ininteligíveis, era realmente assustadora O corpo dela estava quente, a genitália parecia uma fogueira, um vulcão, Lino sentia sua mão e dedos completamente melados.
Ficaram ali alguns minutos, que para ele pareceram uma eternidade. Então, de repente, a respiração dela se intensificou. Com um braço, ela puxou-o de encontro a si, Lino sem saber o que fazer, se deixou levar. Dona Sofia arfava, grunhia, jogava a cabeça para trás e seus cabelos compridos se emaranhavam em seu rosto e corpo que reluziam molhados de suor. Parecia ter enlouquecido. Lino assustado, não fazia nada.. Então, num ímpeto, ela apertou-o de encontro a si, e ficou ali, parada, abraçada a ele, sem dizer nada. Lino, quase sufocado, podia sentir a respiração acelerada dela junto com as batidas de seu coração.
Após uns poucos minutos, ela o afastou um pouco, virou-se de lado e apoiou as mãos no balcão. Pediu para ele pegar o roupão no chão. Lino abaixou-se, olhando aquelas coxas grossas e pegou. Ela vestiu-se. Lino viu que ela respirava com mais vagar, lenta e profundamente.
Sabe o que você viu aqui? - perguntou ela.
Lino ficou sem saber o que responder.
Meu filho, - disse ela ? o que você viu aqui foi uma mulher tendo um orgasmo, ou sendo mais clara, para que você entenda bem, você acabou de ver uma mulher gozando, exclusivamente, pra você. O orgasmo, para uma mulher, é o momento de uma entrega sublime, principalmente quando é feito assim, como uma forma de doação, de carinho, de afeto, de amor. O orgasmo feminino sintetiza todas as emoções que uma mulher traz dentro de si. Portanto, poder vivenciar e compartilhar um momento desses com uma mulher, é uma coisa para você guardar em seu coração para sempre. Você é muito jovem para entender isso agora. Durante a sua vida, você provavelmente, terá algumas mulheres, mas , preste atenção, pouquíssimas, doarão um orgasmo assim para você.
Lino não entendeu nada do que ela dissera. Apenas esboçou um meio sorriso, e ficou olhando para ela, meio aparvalhado.
É melhor você ir agora. - disse ela, olhando-o com uma ternura que ele jamais vira em seus olhos.
Tá bem. - respondeu ele, virando-se e já se dirigindo-se à saída.
Adeus. - disse ela baixinho.
Adeus.- respondeu ele olhando mais uma vez para ela. E saiu.

Lino percebeu, enquanto pedalava, que aquela sensação de medo que ele sentira, havia desaparecido. Já não sentia aquele nó apertado em sua garganta. Suas mãos não tremiam mais. Pedalava alegre, com uma euforia boa que tomava conta do seu coração e da sua alma. Sorriu, ao pensar na cara de espanto dos seus colegas quando, na segunda feira, contasse com minúcias de detalhes, que estivera com uma mulher. E seriam tantos os detalhes que eles não teriam como duvidar dele. Era claro, que, omitiria seu desempenho medíocre e inventaria alguma coisa para causar inveja nos colegas. Já se imaginava tendo de repetir a história dezenas de vezes. Os olhares adolescentes todos cravados nele, não querendo perder um só detalhe.
A única coisa que ele omitiria, pensou ele, seria o nome de dona Sofia. De repente, lembrou-se da ternura do olhar dela quando se despediram, e achou por bem, preservar a sua privacidade. Afinal de contas, apesar dele não ter entendido nada do que ela dissera quando se despediram, ele sentia que algum bem ela havia feito a ele.
Fez uma curva fechada com a bicicleta e deu um grito. Sorriu. Imprimiu mais velocidade em suas pernas. A bicicleta nova deslizava rápida pelas ruas que agora, começavam a refletir alguns poucos raios do sol que iam puxando a manhã, e prometiam um dia quente e... engraçado ? pensou ele, subitamente ? por que aquela manhã estava parecendo mais bonita do que as outras?
Provavelmente, em seu íntimo, ele já soubesse, mas só com o tempo,ele teria a certeza desta resposta.




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