O meu silêncio tem sido propositado, estou seguindo um conselho de Wittgenstein “cale-se o que não deve ser dito” pois na verdade concordo que se disser o que sinto, serei no mínimo, ofensivo para alguns, coisa que de facto não quero.

Mas como omitir é de certa forma faltar à verdade, o que também não quero. Correrei conscientemente o risco de ser inconveniente.

Em minha opinião, temos assistido ultimamente a um surto de falsos voluntariados, promovidos por oportunistas sedentos de vontade de poder que vêem nessas ações o trampolim do reconhecimento social partidário que os tornará conhecidos e prestigiados politicamente, e supostamente dinâmicos e potencias líderes de massas.

Por outro lado temos os aderentes, os voluntários destas promoções partidárias que esperam igualmente ser reconhecidos e posteriormente recompensados, e no meio de todos estes, aparecem, claro, alguns genuinamente voluntários, aqueles cuja autenticidade e vontade de entrega gratuita, não lhes permite imaginar sequer a teleologia da questão.

Ora meus amigos; o voluntariado deve ser um acto livre, solidário e gratuito, nunca essa espécie de nota de crédito em que estas duas espécies de oportunistas o pretendem transformar.

 

È por isso que os verdadeiros voluntários quando se apercebem do que se passa se retraem e recusam participar nessas jogadas políticas privadas de promoção pessoal.

 

Dar. Não é despojar-se, dizem até que fica mais rico quem dá do que quem recebe. E que a verdadeira grandeza do homem reside na sua capacidade de entrega.

Acredito que quem dá verdadeiramente… o faz de forma livre e completamente gratuita, mas sinto por vezes que quando o fazemos, não somos verdadeiramente livres… mas antes, controlados, manipulados num jogo de interesses que em nada dignifica o sentido original e a intenção do dador.

Se houver de facto algum acto que possamos praticar e que nos destaque dos outros, é sem dúvida o que fazemos gratuita e voluntariamente. Reconheço em todos os que o praticam um valor humanitário incalculável, mas não posso deixar de expressar o meu desacordo em relação ao aproveitamento que por vezes dele é feito, nomeadamente em serviços públicos, os quais, mercê de práticas economicistas pouco claras, se vão institucionalizando de forma estúpida… lenta, mas solidamente, prejudicando o mercado de emprego, ocupando postos de trabalho que deveriam ser preenchidos por quem os pudesse e soubesse desempenhar e deles necessitasse para fazer face às despesas correntes do dia-a-dia.

A generalizar-se esta prática, em breve veremos em todos os serviços os nossos postos de trabalho ocupados por uma horda, (desculpem o termo) de voluntários reformados, caridosos e cheiinhos de boas intenções, ávidos de boas práticas humanistas e religiosas, que não tendo mais o que fazer (agora que se reformaram demasiado cedo) se ocupam a emendar um soneto para o deixarem pior ainda que antes da emenda, engrossando a lista dos sem emprego e consequentemente sem salário.

Pergunto eu: -Quem poderá dar-se ao luxo de praticar tamanho acto de solidariedade para com os outros, se simultaneamente ele se reflectir de forma tão negativa na sociedade?

Mais; -Com que consciência poderemos continuar a aplaudir o voluntariado, se afinal contribuir, embora que sub-repticiamente, para um dos maiores flagelos da actualidade?

É. Penso eu, urgente e necessário colocar o dedo nesta ferida, comprimi-la até lhe expurgar a necrose que a infecta, pois só assim restituiremos a verdadeira intenção humanitária e social que se espera do voluntariado, para que um dia possamos voltar a acreditar plenamente nas boas intenções desta prática.

Por enquanto recomenda-se cuidado e muita moderação. Não é o voluntariado que está errado, o erro consiste em tirar partido da boa intenção dos voluntários e reduzir à sua custa postos de trabalho que podem significar a diferença entre uma vida digna, em que possamos ganhar o nosso sustento, e o ter que viver da caridade alheia. Paradoxalmente daquela que nós próprios geramos.