“O Pré-sal é nosso”

Novo Marco Regulatório – lógica indiscutível

Paulo Roberto Campos Lemos, engenheiro, consultor, outubro 2009

Opções corretas e divulgação nem tanto

O debate sobre a nova regulação da indústria do petróleo no Brasil é mais um capítulo da novela global sobre os conflitos entre estados detentores de reservas, suas NOCs (National Oil Companies), e as petroleiras internacionais, as IOCs (International Oil Companies), essas últimas em processo histórico de perda de poder para as primeiras, a partir do momento que os países detentores de reservas passaram a exigir maior participação no desenvolvimento e domínio da tecnologia, e nos resultados da exploração. Nessa, como em qualquer mudança, há interesses contrariados.

A confusão que se estabeleceu em torno das opções do governo para o pré-sal decorreu de comunicação deficiente. O governo vislumbrou claramente que a dádiva colocada em suas mãos, representada pela descoberta de grandes reservatórios de óleo e gás, abre a possibilidade de mudar o país em profundidade, e pode se transformar em importante plataforma política. A forma inicial de explicar as opções adotadas, no entanto, foi tão inepta que deu a impressão de intencional, hábil armadilha de “pegar tucano”: ser contra vai ser desastre político, porque as opções adotadas são claras, recomendáveis, soberanas, lógicas, e perfeitamente aceitáveis.

Bresser Pereira foi feliz em recente artigo: “... ao criticar o governo anterior no lançamento do novo marco regulatório, Lula errou, porque deu a um problema que deve unir a nação um viés político-partidário. Errará, também, a oposição, se adotar uma posição contrária ao cerne de um plano que é do maior interesse nacional.”

Os fundamentos

A chave para entender as opções adotadas é mais ou menos óbvia. Basicamente, o governo entendeu que o pré-sal representa oportunidades imperdíveis de atingir objetivos estratégicos para a sociedade brasileira, e, ao mesmo tempo, alguns perigos. E mais, que o sistema atual não é adequado para a implementação das oportunidades identificadas.

Os perigos são a doença holandesa, que acarreta relativa desindustrialização pela valorização da moeda local, e a “maldição do petróleo”, desastre que o óleo pode causar a países que passam a “nadar em dinheiro” com sua exploração, a ponto de ver exacerbada a corrupção, e levar o governo a descurar de políticas públicas voltadas para outras áreas, tornando-se excessivamente dependentes do “ouro negro”, que um dia se esgota.

As oportunidades são fazer do pré-sal uma alavanca para o desenvolvimento industrial, particularmente a cadeia de fornecedores da indústria petrolífera, resgatar econômica e socialmente as parcelas da população mergulhadas na pobreza, através de uma revolução na educação, e outros objetivos estratégicos que enfrentam, historicamente, limitações orçamentárias, como o aumento dos investimentos em CT&I.

Além disso, há que considerar outra questão estratégica: o ritmo de exploração, um dilema de longo prazo, mas que envolve importantes decisões no curto e no médio prazos. Não se pode permitir que seja tão apressado que leve os reservatórios à extinção rápida, ou que impeça o aproveitamento de oportunidades industriais que exigem algum tempo de maturação, e nem tão lento que ultrapasse a duração residual da “era do petróleo”, o que - já que o mundo caminha para uma economia “sem carbono” - transformará os combustíveis fósseis em “relíquias bárbaras”.

É difícil de prever o prazo de consolidação dessa revolução tecnológica, que já se esboça, mas o ideal é que ao final da saga do pré-sal (em 40 ou 50 anos) sejam atingidos: (i) a maximização dos ganhos para a sociedade brasileira; (ii) o resgate da maior parcela possível da população pobre; (iii) a formação, com a maior parte da riqueza gerada, de poupança para gerações futuras e (iv) a transformação da Petrobras, até o final da “era do petróleo”, num player global no cenário energético “pós-carbono”.

O desenvolvimento industrial e tecnológico que pode ser extraído do pré-sal

Três objetivos de política industrial foram explicitados pelo governo: (a) em sua nova condição de país exportador, o Brasil deve maximizar a venda para o exterior de produtos com valor agregado, como gasolina, diesel, GLP, querosene e nafta; (b) promover forte expansão das indústrias petroquímica e de fertilizantes nitrogenados, com base em matérias-primas que, ao contrário do cenário que prevaleceu até hoje, passarão a ser abundantes; e (c) desenvolver a cadeia produtiva do petróleo, formando mão-de-obra intensivamente, investindo em tecnologia e engenharia de projeto, desenvolvendo e atraindo fornecedores locais e internacionais.

O desenvolvimento da cadeia de fornecedores da indústria petrolífera é uma forma óbvia de agregar valor à produção do petróleo. Um volume de encomendas avaliado pelo Credit Suisse em US$ 600 bilhões nos próximos 20 anos, mesmo que esse número seja exagerado, é mais do que suficiente para sustentar um esforço de desenvolvimento de fornecedores de equipamentos e sistemas, numa repetição amplificada e sofisticada da atuação decisiva que a Petrobras, através de seu Sermat (Serviço de Materiais), desempenhou no desenvolvimento da indústria brasileira nas décadas de 60 e 70. Perder essa oportunidade seria um pecado imperdoável.

Se adequadamente planejadas, essas ações do governo - que devem estar causando arrepios nas almas neoliberais -, coordenadas pelo BNDES, podem transformar o país num centro de excelência mundial em serviços e engenharia de petróleo, tal como a Índia o é, hoje, em software, e está planejando ser em outsourcing de serviços de engenharia.

A implementação exitosa dessa linha de desenvolvimento, possível devido à qualidade e à diversificação do parque industrial e da base cientifica do país, significa atuar estritamente em sentido contrário dos países que incorreram, por imprevidência ou por incapacidade de aproveitamento das oportunidades, na chamada “maldição do petróleo”.

Pré-sal e desenvolvimento social

O volume de recursos que o pré-sal pode gerar consolida e solidifica a visão que o mundo tem, hoje, do país. Afasta em definitivo o fantasma das crises cambiais, e cria um sólido equilíbrio fiscal. Ainda mais importante é a possibilidade de resgate da dívida social acumulada em décadas de concentração de renda e insuficiência das políticas de inclusão.

O leque de oportunidades aberto depende da avaliação de cada um a respeito da hierarquia de gravidade dos problemas da sociedade brasileira. Diversas sugestões, todas consistentes, foram aventadas. Sugestões, por exemplo, no sentido de que os recursos fossem aplicados na formação de um fundo previdenciário para financiar aposentadorias de servidores, problema orçamentário importante cuja solução poderia mudar a realidade de alguns setores como as universidades públicas, obrigadas, hoje, a “bancar”, em seus orçamentos, a aposentadoria de professores e servidores, reduzindo as disponibilidades para investimentos. Alguns sugerem aplicar os recursos preferencialmente no desenvolvimento de tecnologias voltadas para a sustentabilidade ambiental. E várias outras, cada qual procurando cobrir a área em que o “cobertor” se lhe apresente mais curto.

Tudo é uma questão de preferência. A melhor alternativa seria a de concentrar os investimentos apenas nos dois setores capazes de sustentar um desenvolvimento econômico acelerado nas próximas décadas: educação e CT&I. Uma revolução nessas duas áreas, que sempre enfrentaram restrições orçamentárias, seria decisiva para a expansão da economia no longo prazo, aumentando a produtividade e alavancando a chamada “taxa de crescimento potencial”, com reflexos positivos sobre emprego e renda.

Com a arrecadação que o governo teria com o pré-sal, poder-se-ia, por exemplo, “universalizar”, em 20 anos, a educação de base em tempo integral, promovendo melhoria na qualidade dos docentes, e povoando o país com CIEPs e/ou CEUs.

Uma revolução tecnológica depende da convocação da iniciativa privada para investimentos na área, mas, sobretudo, de verbas públicas e do uso do poder de compra do governo, não só da administração direta – que não o faz -, mas, sobretudo, das empresas estatais. O grande exemplo é o do gigante tecnológico de nosso tempo, os EUA, que sustenta programas governamentais multibilionários de pesquisa em energia, comunicações, defesa e saúde, simplesmente porque não tinha “restrições orçamentárias” a observar. Mesmo depois da crise - que sinaliza que o país terá, pela primeira vez desde a segunda guerra, que passar a ter em conta restrições da espécie -, as verbas de pesquisa seguem sendo fartas. Obama anunciou generoso programa de pesquisa em energias alternativas. As verbas para tecnologia de produção de etanol celulósico, por exemplo, são muitas vezes maiores do que as brasileiras, ameaçando nossa liderança no setor.

O governo optou por cinco áreas em que os recursos seriam aplicados: educação, ciência e tecnologia, cultura, combate à pobreza e sustentabilidade ambiental.

As opções e sua lógica

A explicação para os partidos adotados corretamente pelo governo - a despeito de um ou outro ponto de menor relevância que poderia ser objeto de correção –, é que eles são indispensáveis para a implementação segura dos objetivos fixados. Senão vejamos:



1) A inspiração

O melhor painel a orientar a regulação da exploração de novas fronteiras petrolíferas é o das experiências do Mar do Norte, com três exemplos importantes. O primeiro, o dos ingleses, que entregaram a exploração a operadores internacionais que trataram de acelerar a exploração, “torrando”, em anos de petróleo barato, as reservas, hoje praticamente exauridas. A segunda, a holandesa, que, da mesma forma, entregou a exploração de seu gás à lógica privada, e se viu diante de uma incontrolável enxurrada de reservas cambiais, que levaram à perda de competitividade internacional, causando sérios danos a sua indústria doméstica. A terceira, a norueguesa, que assumiu o controle do destino de suas reservas, introduzindo políticas públicas que permitiram o desenvolvimento da petroquímica e de uma vigorosa cadeia de fornecedores da indústria petrolífera, hoje altamente competitiva internacionalmente, e criando um fundo de interesse social, uma poupança para as gerações futuras.

A indústria de óleo e gás da Noruega é fonte constante de boas notícias para o país, desde a descoberta do campo de Ekofisk, em 1969. Após quarenta anos de exploração, a produção norueguesa de óleo se manteve, desde 1992, até hoje, acima de 2 milhões bpd, tendo passado por um pico de 3,1 milhões bpd em 2000, e passando a declinar a partir daí. A redução da produção de óleo foi compensada pela produção de gás, que, desde seu início, em 1977, vem apresentando crescimento constante, mesmo com a maturação de campos importantes do Mar do Norte que vêm sendo substituídos por novos campos nos mares da Noruega e de Barents, tendo atingido em 2008, 3,5 Tcf (1,7 milhões de bpd o.e.). A produção total é, hoje, de 4,2 milhões de óleo equivalente por dia, aí incluídas as produções de óleo, gás, GNL e condensado. Ao contrário de seus vizinhos, e apesar da produção total ter atingido seu pico em 2004 (4,5 milhões bpd o.e.), boa parte das reservas está, ainda, por ser explorada. Como a matriz energética do país é a mais limpa do mundo, baseada em energia hidráulica e eólica, cerca de 90% da produção de óleo e gás é exportada. A indústria é, de longe, a maior contribuinte para o PIB do país. O patrimônio do fundo criado para evitar a doença holandesa e criar poupança para gerações futuras é, hoje, de quase US$ 400 bilhões.

Trata-se de um notável caso de uma estratégia vencedora, e um exemplo de como uma NOC administrada profissionalmente e orientada para os interesses de longo prazo na nação, pode ser decisiva no desenvolvimento da exploração dos recursos e da sofisticada cadeia supridora do setor.

A experiência norueguesa foi, sem dúvida, a grande inspiradora dos partidos adotados pelo grupo encarregado da nova regulação da exploração no pré-sal e outras áreas estratégicas.

Ao contrário do que pretendem alguns adversários do projeto de mudança do marco regulatório, as propostas são extremamente parecidas com as da experiência norueguesa. Uma sutil diferença deve ser apontada, em apoio às opções brasileiras. É que, quando a Noruega, presenteada - após descobertas feitas alhures - com a perspectiva de grandes reservas em sua parte da plataforma do Mar do Norte, resolveu que o governo deveria ter participação mais ativa do que simplesmente cobrar impostos e taxas, foi criada, para administrar os interesses do governo, uma estatal sem nenhuma expertise inicial, a Statoil. A ela foi garantida a participação obrigatória mínima de 50% em toda e qualquer nova área de exploração. A obrigatoriedade vigorou por 13 anos, desde sua criação, em 1972, até 1985. Longo período em que a noviça estatal “aprendeu” com os parceiros internacionais, praticamente sem custo. Diferente, portanto, do caso brasileiro, em que a NOC tupiniquim, a Petrobras (empresa de capital aberto, mas com algumas características de NOC), desenvolveu com sucesso novo horizonte exploratório de grande potencial, à custa de investimentos bilionários em E&P e tecnologia, correndo todos os riscos, e, desde 1997, enfrentando a concorrência de todas as IOCs.

Após dois leilões iniciais em que foram concedidas licenças de exploração a diversas empresas, com pequena participação de empresas norueguesas, o governo, em 1972, resolveu assumir um controle maior sobre a exploração, criando regras mais rígidas, uma NOC, a Statoil - com as funções de representar os interesses do estado norueguês, e de servir de instrumento de absorção de tecnologia e de desenvolvimento industrial, tanto do upstream, quanto da cadeia de fornecedores da indústria -, e uma espécie de agência reguladora, a NPD (Norwegian Petroleum Directory). Um detalhe importante é que a NPD, como órgão regulador, não segue a tradição anglo-saxônica de independência. Não tem nenhuma autonomia, sendo diretamente vinculada ao Ministério da Energia. Daí até 1985, a licença de produção, que configura a concessão de atividades de E&P na Noruega, só era concedida para a Statoil isoladamente ou para consórcios nos quais a Statoil, como representante do Estado, tivesse a participação mínima de 50% nos direitos do empreendimento.

Em 1985, o parlamento entendeu que o crescimento explosivo da Statoil gerava um potencial importante de influência da empresa sobre decisões do Estado. Decidiu, então, criar o SDFI (State’s Direct Financial Interest), uma espécie de fundo destinado apenas a representar o Estado nas concessões, e dividir as concessões mantidas pela Statoil. Os direitos decorrentes das concessões em poder da Statoil foram convertidos em direitos financeiros, ficando a Statoil com 20%, e a SDFI com 80%.

Com as modificações, a participação mínima de 50% do governo deixa de ser da Statoil, e passa à SDFI, através de participação no capital das empresas concessionárias (SPCs ou joint ventures). A Statoil passa a ser um player como qualquer outro, podendo se habilitar nas concorrências para novas concessões, embora continue a gerenciar o SDFI até 2001.

Em 2001, o governo decide vender parte dos ativos do SDFI, tendo a Statoil comprado a maior parte. No mesmo ano, o governo abre o capital da Statoil, mantendo, no entanto, uma firme participação majoritária, de mais de dois terço do capital.

Passando a Statoil a ser uma empresa mista, o parlamento considerou que haveria conflito de interesses na continuidade de seu gerenciamento da SDFI. É criada, então, a Petoro, empresa 100% estatal, para substituir a Statoil nessa função.

O estado norueguês sempre manteve o poder de determinar as áreas a serem abertas à exploração, as condições em que serão oferecidas, e a participação da Petoro, que pode ir da simples não participação à exclusividade. O governo seleciona a empresa ou consórcio vencedor, que terá, necessariamente, que se associar à Petoro nas condições estabelecidas caso a caso, com base em critérios arbitrários, baseados na experiência técnica e alcance financeiro dos licitantes, e no projeto de exploração apresentado. A Petoro participa dos empreendimentos nas mesmas condições de parceiras, bancando sua parcela nos custos.

Até 1994, quando a Noruega entrou para o Mercado Comum Europeu, o governo manteve regras de participação mínima local de equipamentos e serviços. Tendo que aderir às normas do MCE, a exigência foi desativada, mas, com 20 anos de vigência, já tinha produzidos os efeitos positivos sobre o desenvolvimento local da cadeia produtiva do petróleo. A Noruega dispõe, hoje, de inúmeros players internacionalmente competitivos, cobrindo praticamente todo o espectro de fornecimento de equipamentos e serviços para a indústria petrolífera.

O objetivo do SDFI e da Petoro é o de maximizar a participação do estado na atividade petrolífera, seja pela participação em novos empreendimentos, seja pela administração do portifólio, sendo os resultados transferidos para o GPF (Government Pension Fund). O fundo, por sua vez, investe quase que exclusivamente no exterior, e interna na economia norueguesa apenas os resultados de suas aplicações, ainda assim, respeitado um limite de 4% de seu patrimônio. Além disso, tem uma função anti-cíclica, podendo aumentar a injeção de recursos em caso de crises.

2) Porque partilha?

O sistema de concessões não é compatível com a implementação dos projetos estratégicos identificados. Foi adotado para “achar petróleo” em ambiente de riscos e incertezas - e quando o preço do petróleo encontrava-se em níveis baixos -, e por isso tomou por base a licitação de áreas para prospecção de empresas interessadas, que por sua conta e risco realizariam os investimentos. Em havendo sido descobertas reservas gigantes, a mudança do modelo de regulação para um sistema de partilha é recomendável, respeitados os direitos adquiridos em áreas já licitadas.

O primeiro motivo para a adoção do sistema de partilha é o aumento da projeção geopolítica do país, que passa a contar com uma ferramenta de negociação internacional relevante. De fato, nas próximas décadas, a propriedade de quantidades significativas de óleo e gás pode representar reforço da segurança energética de parceiros internacionais, o que abre amplas possibilidades de barganhas comerciais e políticas. Uma razão de estado, não delegável a terceiros.

O segundo motivo é de política industrial. Se uma das oportunidades é maximizar a exportação de derivados, ao invés de óleo cru, e expandir fortemente as indústrias petroquímica e de fertilizantes nitrogenados, é fundamental poder determinar o destino de, pelo menos, parte importante do óleo e do gás a serem produzidos. Portanto, parte substancial do óleo tem que estar nas mãos do governo.

O equívoco que os opositores da mudança de modelo cometem é exatamente esse. No regime de concessão, que funcionou bem e assim deve continuar, poder-se-ia chegar a resultados equivalentes em termos fiscais e financeiros, mas não se poderia ditar o destino do óleo de propriedade de Chevron, Exxon-Mobil, Shell, BG, Anadarko, Repsol, Statoil ou Galp.

Alguns produtores de óleo e gás no pós e no pré-sal estão cogitando usar o produto da exploração como forma de penetração no mercado doméstico, majoritariamente dominado pela Petrobras. Um exemplo é o da Shell, que já declarou estar estudando refinar no Brasil o óleo produzido na Bacia de Campos (Bijupirá-Salema, que produz desde 2003, e BC-10, Parque das Conchas, que começou a produzir em junho passado), o que seria extremamente saudável para o país. Mas o fato é que a maioria dos operadores deverá exportar o óleo bruto, resultado de sua exploração.

Não parece decisivo o argumento usado para justificar a troca do modelo, de que o sistema de concessão é mais adequado a áreas com maior risco enquanto o sistema de partilha seria mais adequado em áreas de risco baixo como a do pré-sal. É preciso atentar para o fato de que o risco do pré-sal pode não ser tão baixo assim, a se julgar pelo insucesso de alguns furos recentes. O risco parece ser menor para a Petrobras, devido ao conhecimento profundo que desenvolveu, da geologia da região. A Petrobras perfurou até hoje, 37 poços no pré-sal, e obteve 87% de sucesso, sendo que na Bacia de Santos, o sucesso obtido foi de 100% (todos os poços furados encontraram óleo ou gás). Alguns operadores enfrentaram insucessos. O folclore que já começa a ser formado, afirma que a Petrobras, devido ao conhecimento geológico da região, tinha como certo o insucesso de alguns furos de outras operadoras. Por outro lado, a gestão do risco assumido é uma questão matemática, de avaliar custos e probabilidade de retorno. Sob esse aspecto, não existe diferença alguma induzida pelo regime de exploração. Tudo se resume a fazer contas.

Além dos riscos associados à exploração, há que se ter em conta as dificuldades tecnológicas para a produção, como a distância da costa, a profundidade dos reservatórios, a dimensão da lâmina d’água; e a espessura da camada de sal. Ninguém duvida que a Petrobras vá ultrapassar todas essas dificuldades, “pero que las hay, las hay”.

Finalmente, são risíveis os argumentos que classificam os países produtores em democráticos, estáveis e avançados, que prefeririam sistemas de concessão, e autocráticos, politicamente instáveis e “atrasados”, que adotariam o sistema de partilha. Trata-se de uma falácia. Na verdade, o que melhor caracteriza os dois grupos é a disponibilidade de petróleo. Países com reservas abundantes em relação aos respectivos mercados (exportadores) adotam sistemas mistos, quase sempre contemplando a partilha, e os com reservas escassas (importadores) adotam o sistema de concessões.

Poucos países, dentre os relevantes, adotam o sistema de concessões puro: EUA, Canadá, Brasil (até o advento do pré-sal), Noruega, Grã-Bretanha, África do Sul, Austrália, Iraque - por influência americana -, e os sul-americanos Argentina e Peru. Desses, apenas Canadá, Noruega e Iraque, são exportadores importantes. O sistema norueguês é apelidado de concessão, mas tem diversas particularidades, dentre as quais um poder excessivo do Estado na escolha dos operadores, na determinação da participação da Petoro, e em que proporção, e outras características não existentes em outros regimes de concessão. Os Emirados Árabes são outro grande exportador que pode ser incluído nessa lista. Não dispõe de nenhum dispositivo legal que regule a exploração de seu petróleo, mas a totalidade dos contratos em vigor é de concessão. Os demais adotam uma diversidade de regulamentos. A Rússia, o Casaquistão, a Líbia, e mais Colômbia, Trinidad & Tobago, Argélia e Nigéria, todos grandes produtores e exportadores, administram um sistema misto, em que o Estado escolhe, entre concessão, partilha, contratos de serviços ou joint ventures, o modelo a ser adotado em cada contrato. Arábia Saudita, Kuwait, Irã e México adotam o sistema de prestação de serviços puro. Na Venezuela funciona um modelo de joint ventures entre sua NOC, a PDVSA, e outras NOCs e IOCs. Todos os demais adotam o sistema de partilha. Não por acaso, são detentores de grandes reservas ou de grandes mercados, como Índia e China. Por acaso, são países pejorativamente chamados de atrasados.

Em todos esses países, as petroleiras operam há muitos anos. Em nenhum deles, nem as majors nem as não tão majors, demonstraram perda de interesse em operar. Até mesmo em países como a Bolívia e a Venezuela, que alteraram arbitrariamente contratos vigentes, houve uma retirada maciça ou uma rejeição total a futuros contratos. Carabobo, na Venezuela, por exemplo, uma das grandes fronteiras de desenvolvimento da indústria, cujos contratos foram denunciados por Chávez, vem agitando a atenção das majors, algumas saindo indignadas e sendo indenizadas, como a ExxonMobil e a ConocoPhillips, e outras permanecendo, conformadas, embora cautelosas em função da instabilidade de regras do jogo que tem caracterizado o governo, como a Total, a Statoil, a BP, e a Chevron. Em países africanos com grande instabilidade política, da mesma forma. O que interessa a essas operadoras é acesso a reservas, rentabilidade, e a perspectiva de estabilidade futura das regras.

Ora, o Brasil vai respeitar os contratos existentes, inclusive no pré-sal, como, aliás, não poderia deixar de ser, em se tratando de um país civilizado.

Os futuros detentores de reservas do pré-sal serão selecionados por leilão, em que cada um vai definir a parcela da produção que ofereceria ao governo. Como são todos “maiores de idade e vacinados”, farão suas contas e decidirão sobre as propostas de forma a ter perspectivas de ganhos.

Recentemente um órgão da mídia publicou reportagem cujo título indicava que especialistas alertavam que as novas regras afastariam investidores. Ao se ler a matéria, a surpresa: os entrevistados diziam que o interesse continuaria, e que as empresas operam alhures em regimes de partilha.

A apologia viesada dos defensores do sistema de concessões, não se sustenta. Não há regime melhor. Há, sim, sistemas que melhor se adaptam aos interesses nacionais.

Portanto, não há o que inventar: (i) o país tem o direito de determinar o regime que melhor atenda a seus interesses; (ii) a fórmula proposta parece mais adequada que a atual para atingir uma série de objetivos estratégicos para a economia e a sociedade; (iii) operadores entrarão nos leilões sempre que houver perspectivas economicamente atraentes; e (iii) o Brasil não quebrou regras em relação ao anteriormente licitado.

Sobre esse último ponto, ao contrário, os reservatórios de Tupi, Iara, Guará, Júpiter, BMS-22, Carioca, Parque das Baleias, e outros, bem como as áreas do pré-sal já licitadas nas quais ainda não se encontrou indícios de óleo, permanecerão regidos pelas regras anteriores, sendo a única novidade o fato de que a União, representada pela Petrosal, será um novo sócio dos reservatórios unitizados, em sociedade com Petrobras,.BG, Galp, Repsol, e outras.

As mudanças não são capazes de causar grande espanto. Aliás, têm sido muito bem aceitas pela maior parte das majors e das demais operadoras, afora uma ou outra manifestação de contrariedade. Apenas no Brasil, a oposição tem sido acirrada, movida, evidentemente, por expectativas frustradas e interesses contrariados.

Portanto, não há motivo para duvidar de que haverá grande interesse de operadoras nacionais ou estrangeiras nas futuras licitações. Arrependidas devem estar as poucas que “esnobaram” o pré-sal há dez anos.





3) A unitização dos reservatórios já descobertos

A prática de unitização dos reservatórios veio a se tornar universalmente aplicada na indústria do petróleo pela constatação de que a antiga “rule of capture” - segundo a qual o detentor de uma licença era proprietário de todo petróleo que pudesse extrair a partir de um determinado furo, independentemente de se o produto extraído se originasse de reservas situadas em outras áreas interligadas -, era um convite à lavra predatória - visando apenas a maximização do retorno de curto prazo -, levava ao esgotamento precoce das reservas, e gerava freqüentes litígios entre operadores vizinhos de um mesmo reservatório.

A unitização (ou individualização) dos reservatórios que extravasem as áreas licitadas é inevitável. Não é racional operar reservas como a de Tupi e Iara, sem a unitização. É que a otimização dos investimentos e custos de exploração depende de se levar em conta os parâmetros da totalidade do reservatório. Operar esses reservatórios sem a unitização introduziria conflitos e se perderia o poder de determinar o ritmo ótimo de exploração.

A unitização implica em fazer previamente o exato dimensionamento dos reservatórios descobertos, o que exige uma campanha de sondagens nas áreas contíguas ainda não licitadas. O novo regulamento prevê a possibilidade de avaliação prévia pela ANP, que já está negociando com a Petrobras as condições para a unitização de Tupi e Iara, sendo que nesta última, certamente, o reservatório extravasa a área licitada. Provavelmente, o mesmo será necessário em Carioca e Guará, Júpiter, e outros.

É importante observar que a unificação da operação de reservatórios contíguos pode ser recomendável por outros motivos que o simples conflito de lavra. É que a exploração conjunta de reservatórios próximos (pooling), ainda que não interligados, principalmente em alto-mar, pode reduzir custos logísticos e maximizar resultados. Basta observar o mapa do pré-sal na Bacia de Santos, para se ver que há inúmeras oportunidades, além de Tupi e Iara, devido à proximidade, de operação conjunta de reservatórios, compartilhando infra-estrutura, e minimizando investimentos e custos.

Na verdade, não é impossível que todo esse cluster venha a se transformar numa grande parceria entre todos os players envolvidos, devido às grandes dificuldades logísticas e à proximidade dos reservatórios.



4) Porque a NEP (Petrosal)?

A nova empresa estatal Petrosal segue aproximadamente o modelo da norueguesa Petoro, que não é uma empresa operadora e tem por objetivo básico representar o governo nos consórcios criados para gerir os diferentes contratos de partilha no petróleo norueguês.

A Petrosal, da mesma forma, representará a União nos consórcios, em regime de partilha, por meio de acompanhamento das atividades na área de E&P, em especial o custo de produção. A nova estatal, como a Petoro, será a proprietária das reservas que couberem à União, cabendo a ela definir seu destino e comercializá-la, sendo remunerada pelos serviços prestados. Particularmente, o regulamento prevê que a Petrosal deverá zelar pelo cumprimento das exigências contratuais referentes ao conteúdo local nas contratações de equipamentos e serviços.

Trata-se de escolha válida para que a União tenha total conhecimento dos parâmetros da exploração - ou, como querem os autores do novo marco, “diminuir a assimetria de informações entre a União e as empresas operadoras” -, e o controle do destino do óleo de sua propriedade.

A criação da Petrosal facilita, ainda, as negociações com outros operadores para exploração conjunta e otimizada de reservatórios adjacentes ou próximos, situação que tende a ser comum no pré-sal.

A grande questão é saber se esses objetivos não poderiam ser atingidos sem a criação de uma estatal. A resposta é mais ou menos clara. Sim, a Petrosal não é o ponto nevrálgico do modelo proposto, mas sem dúvida, facilita em muito o atingimento das metas propostas. E não deve assustar nenhum dos atores desse mercado, acostumados que estão a condições muito mais rígidas alhures.

A principal dúvida que resta em relação à nova Petrosal diz respeito ao velho preconceito contra estatais. Sem dúvida, sempre há o risco de contaminação da nova empresa com indicações e influências políticas, e com o inchaço de seu quadro. No entanto, o governo se compromete a estabelecer regras rigorosas de governança para a empresa, que deverá ser integrada por corpo técnico qualificado, com número limitado e pré-definido de empregados escolhidos por meio de concurso público.

A criação da Petrosal é, pois, recomendável, e os riscos de ingerência política em sua administração podem ser neutralizados com regras claras de governança e critérios de atuação com ampla visibilidade.

5) O papel do MME, da ANP e do CNPE

O governo Lula aproveita a mudança da regulação para materializar a tese que sustenta desde o início de sua gestão, de que órgãos do governo devem se encarregar de traçar as linhas de política, e as agências reguladoras, da execução e fiscalização das diretrizes traçadas. Não se trata de uma tese esdrúxula, mas sim da tradicional divisão de atribuições entre governo e agências reguladoras em todo o mundo. Torto e exagerado era o papel atribuído a algumas agências, dentre as quais, a ANP.

Tanto na atual regulamentação quanto no novo marco, há três órgãos encarregados da definição de políticas e da regulação das atividades de exploração de petróleo e gás: o CNPE, o MME, e a ANP. Na regulamentação proposta, o MME tem suas atribuições reforçadas, passando a estabelecer todas as diretrizes de política a serem observadas, bem como as áreas a serem leiloadas – sujeita à aprovação do CNPE -, além do formato dos leilões e dos contratos. Em contrapartida, a ANP, de fato, como afirmam os críticos, sofre certo esvaziamento, pois a Lei 9478/97 a ela atribuía o estabelecimento das linhas de política, enquanto pelo novo marco cabe-lhe apenas elaborar estudo e propor essas diretrizes MME. Da mesma forma, pelo marco anterior, cabia à ANP promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades, bem como definir formas de edital e contratos, sem nenhum tipo de ingerência ou supervisão de outros órgãos. No novo marco, cabe à agência apenas elaborara as minutas a serem submetidas ao executivo, que as aprovará (ou não).

O novo marco define duas formas de explorar blocos do pré-sal: a contratação direta da Petrobras, ou a licitação. O CNPE passa a ter a prerrogativa de determinar a contratação direta da Petrobras para a exploração de alguns blocos considerados estratégicos. Essa é uma das questões polêmicas do novo marco, já que alguns juristas consideram que a contratação direta conflita com dispositivos constitucionais. Com relação à licitação de blocos não contratados diretamente, o projeto determina que o critério de julgamento é o de maior percentual ofertado à União. Mais claro, objetivo, e democrático, do que o critério adotado na Noruega, por exemplo, em que o governo determina a participação da Petoro, e seleciona discricionariamente o consórcio vencedor com base em avaliações sobre sua expertise técnica e sobre o plano de exploração proposto.

O Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, diretamente vinculado à Presidência da República, é a instância máxima do novo modelo. Tem a competência de definir o ritmo de contratação dos blocos, o que deve ser feito em função da política energética adotada pelo governo, e do desenvolvimento da indústria nacional para o fornecimento de bens e serviços. Além disso, cabe ao Conselho, a definição, a partir de proposta do MME, dos blocos que serão contratados diretamente com a Petrobras, e os que serão objeto de licitação (atribuição que a Lei 9478/97 delegava à ANP), os parâmetros técnicos e econômicos dos contratos de partilha, a delimitação de outras regiões “estratégicas”, em função da evolução do conhecimento geológico do território, e a política de comercialização do petróleo e do gás de propriedade da União.

Além da definição da macro-política do petróleo, o MME se encarregará de planejar a exploração, de propor ao CNPE, ouvida a ANP, a definição dos blocos que serão contratados diretamente com a Petrobras, ou objeto de concessão ou de partilha de produção, de propor ao CNPE os critérios para definição e o percentual mínimo do óleo de propriedade da União, a participação mínima da Petrobras nos consórcios de partilha, nunca inferior a trinta por cento, os critérios e percentuais máximos da produção anual destinados ao ressarcimento do custo de exploração e produção, o conteúdo local mínimo e outros critérios relacionados ao desenvolvimento da cadeia de suprimentos, e o valor do bônus de assinatura e da parcela a ser destinada à Petrosal. Além disso, deverá estabelecer as diretrizes a serem observadas pela ANP para as licitações e para a elaboração das minutas dos editais e dos contratos, e aprovar as mesmas. Todos os aspectos importantes, portanto, da atividade de exploração e produção de petróleo e gás.

Finalmente, à ANP, em seu novo perfil “desidratado” - além dos estudos para subsidiar as definições de política de petróleo e gás pelo MME -, caberá promover estudos técnicos para subsidiar o MME na delimitação dos blocos que serão objeto de contrato de partilha, e elaborar – sujeitando-se à aprovação do MME -, as minutas dos contratos e editais, em caso de licitação. Além disso, cabe à agência promover as licitações, e as atribuições tradicionais de fiscalização das atividades, como analisar e aprovar, os planos de exploração, avaliação e desenvolvimento da produção, bem como os programas anuais de trabalho e de produção relativos aos contratos de partilha, e regular e fiscalizar as atividades realizadas sob o regime de partilha de produção.

Nos casos em que a Petrobras não for contratada diretamente, o vencedor do leilão deverá constituir consórcio com a Petrobras (detentora de parcela mínima obrigatória de 30%), e com a Petrosal. Além disso, deverão estabelecer contrato de serviços de operação com a Petrobras.

Os consórcios serão administrados por um comitê operacional, onde o governo, através da Petrosal, detém um poder considerado exagerado por alguns analistas.

6) Porque os comitês operacionais e o poder da Petrosal nos mesmos?

Os comitês operacionais encarregados da gestão de contratos não constituem novidade. É apenas uma das possíveis formas de administrar os consórcios encarregados dos contratos, em qualquer regime. Fórmulas semelhantes existem em outros países, para administração de contratos de concessão, de partilha, ou joint ventures.

Ao comitê compete definir os planos de avaliação de descoberta de jazida de petróleo e de gás natural, e de exploração, declarar a comercialidade de cada jazida descoberta, e definir o plano de desenvolvimento da produção do campo, a serem submetidos à análise e aprovação da ANP. Além disso, o comitê definirá os programas anuais de trabalho e de produção a serem submetidos à análise e aprovação da ANP, analisar e aprovar todos os orçamentos, supervisionar as operações e aprovar a contabilização dos custos. Finalmente, o comitê decidirá sobre eventuais acordos de unitização da produção a serem firmados com titulares de áreas adjacentes.

A polêmica reside no poder de ingerência que a Petrosal terá nos comitês: 50% dos membros, incluindo seu presidente, voto de qualidade (desempate) e poder de veto, tudo constando dos contratos de partilha a serem firmados. Isto significa que terá participação decisiva sobre a definição dos planos e programas anuais de trabalho, sobre os orçamentos relacionados a essas atividades, sobre eventuais acordos de operação em pool com os titulares de áreas adjacentes, e sobre contratações de materiais e equipamentos, como a construção de plataformas.

De fato o, poder designado à Petrosal é grande o suficiente para incomodar eventuais parceiros. É que a maior parte dessas decisões será tomada ao longo da vigência dos contratos, quando um sócio descontente não poderá mais voltar atrás com relação às obrigações e riscos assumidos.

Isso assustará os parceiros a ponto de afastá-los das licitações? Não parece ser esse o caso. O país tem uma boa imagem no que diz respeito a parcerias na área de petróleo, o que será decisiva na aceitação da Petrosal.

Finalmente, não é impossível que essas regras venham a ser atenuadas nas negociações para aprovação legislativa das propostas.

7) Porque os Fundos?

A criação do Fundo Social tem o objetivo de evitar a “maldição dos recursos”, que tem duas faces: a valorização da moeda, e a dependência da commodity. A primeira cria um desequilíbrio na economia cujas conseqüências podem ser dramáticas. É que a valorização do câmbio tira a competitividade da economia, podendo gerar até mesmo uma relativa desindustrialização do país. Por outro lado, as facilidades trazidas no curto prazo por um excesso de divisas pode levar a uma perigosa dependência, com o governo descuidando de políticas públicas para outros setores.

Não se trata de uma inovação. Os primeiros fundos soberanos foram criados na década de 50, sendo o pioneiro o KIA - Kuwait Investment Authority, do Kuwait, de 1953, que tinha como objetivo diminuir a dependência do país em relação a suas reservas petrolíferas. Ao longo das décadas de 70 e 80, diversos fundos foram criados, em função do crescimento das receitas decorrentes dos dois choques de preços de 1973 e 1979, e, sobretudo, depois da experiência desastrosa da Holanda, como o ADIA – Abu Dhabi Investment Authority, o maior do mundo, atualmente, e o APF - Alaska Permanent Fund. Fundos não baseados em receitas petrolíferas foram criados nessas duas décadas, como o CSF – Cooper Stabilization Fund, um fundo defensivo com objetivos de política anticíclica, e o GIC – Government of Singapore Investment Corporation, com o objetivo de gerir as reservas cambiais do país. Na década de 90 foram criados vários fundos como o GPF – Government Pension Fund, da Noruega, o SOF – State Oil Fund, do Azerbaijão, e o SAFE Investment Company, da China. A partir de 2000, a prática se generalizou, e foram criados nada menos que 34 fundos. Hoje, fundos soberanos existem em praticamente todos os grandes países exportadores de petróleo, como Rússia, Casaquistão, todos os árabes, e a Noruega, e em países com excesso de reservas cambiais, como Singapura e China. Em 2008, havia 58 fundos soberanos, sendo 37 baseados em receitas de petróleo e gás, 5 baseados em receitas de outras commodities, como o CSF, do Chile, e 16 não baseados em receitas de commodities, como o GIC, de Singapura. Os maiores são o ADIA do Abu Dhabi, com mais de US$ 800 bilhões de patrimônio, o GPF da Noruega, com cerca de US$ 400 bilhões, o SAMA da Arábia Saudita, com cerca de US$ 380 bilhões, e o GIC de Singapura e o SAFE da China, com cerca de US$ 350 bilhões.

No caso brasileiro, o Fundo Social será constituído: (a) do bônus de assinatura; (b) da parte da União nos royalties; (c) da receita proveniente da comercialização de petróleo e gás destinados à União pelos contratos de partilha; e (d) dos resultados das aplicações do Fundo.

O projeto que cria o fundo define três objetivos, sendo o primeiro a formação de poupança pública de longo prazo, a segunda, gerar uma fonte regular de recursos para o desenvolvimento social, e a terceira, desempenhar um papel anticíclico, compensando eventuais flutuações de renda na economia, a exemplo dos fundos chileno (do cobre) e da Noruega.

As regras de uso dos recursos deveriam ser rígidas no sentido de formar uma poupança para gerações futuras. Assim, deveriam ser claras no sentido de fixar em lei a definição de que, quando os recursos começassem a fluir, o fundo teria que acumular patrimônio, antes de internar recursos na economia, que as aplicações seriam feitas no exterior, e que, em situação de normalidade, apenas os rendimentos seriam passíveis de internação.

Esses princípios estão contemplados de forma frouxa no projeto de lei de criação do Fundo Social apresentada ao Congresso. O projeto deixa em aberto os parâmetros de capitalização e resgate anual do fundo, atribuindo essas definições a um conselho gestor, que teria poderes para determinar a capitalização mínima a ser atingida, antes de quaisquer transferências para as finalidades sociais, a rentabilidade mínima a ser exigida do fundo, os percentuais mínimos e máximos a serem investidos no exterior ou a serem investidos por setor ou atividade econômica, e o montante anual a ser resgatado do fundo para investimento no país. Além disso, o projeto determina que o fundo poderá participar, como cotista único, de fundos de investimento específicos, de natureza privada, com patrimônio próprio e separado do patrimônio do cotista e do administrador, com a finalidade de promover a aplicação em ativos no Brasil e no exterior, em setores a serem determinados. A primeira intenção, segundo declarações, é investir em infra-estrutura, e na própria exploração de petróleo e gás, no pré-sal ou em outras áreas consideradas estratégicas. Aparentemente, a finalidade dessa abertura é investir no conhecimento geológico da plataforma continental brasileira, de forma a explorar algumas possibilidades como a possível extensão do pré-sal para o litoral nordestino, por semelhança geológica com a costa africana.

A indefinição legal, e a delegação da atribuição a um conselho, dão grande grau de liberdade ao executivo, mas geram apreensões quanto à disciplina de gastos e aos critérios futuros a serem observados.

8) Porque a ênfase no desenvolvimento da cadeia produtiva do petróleo?

O governo decidiu não permitir que uma exploração apressada e predatória das novas reservas, dirigida por lógica meramente empresarial de minimização do tempo de retorno dos investimentos e maximização de lucros de curto prazo, leve o país a se tornar, em relação ao pré-sal, um mero exportador da commodity. Esse seria o resultado de aplicação, ao caso, de uma lógica liberal. Seria um erro dantesco.

A experiência e as oportunidades perdidas pelo país, no passado, em setores como o de telecomunicações após as privatizações, quando, à semelhança do que ocorrerá no pré-sal, houve grande volume de investimentos concentrados, e os novos operadores trouxeram seus fornecedores externos, matando a então promissora indústria de equipamentos nacionais, servem de alerta para que não se repita o erro crasso cometido.

O desenvolvimento do pré-sal vai gerar um volume de investimentos em equipamentos e serviços da ordem de algumas centenas de bilhões de dólares. Tais números evidenciam que a oportunidade de desenvolvimento da cadeia de fornecimento à indústria do petróleo é grande e representa a oportunidade de incremento de uma atividade altamente intensiva em capital e tecnologia, absorvedora de mão de obra altamente especializada, e agregadora de valor. Não faria nenhum sentido direcionar essas encomendas para o exterior. A idéia é evitar que o país se transforme em exportador de óleo bruto e importador de plataformas, navios, sondas e outros, além de projetos e sistemas para a indústria.

9) Porque a Petrobras como operadora única?

A Petrobras como única operadora do pré-sal é a forma mais segura de garantir que o plano do governo de desenvolver a indústria de bens de capital e serviços da cadeia do petróleo seja implantado com segurança.

A imposição de índices mínimos de componentes nacionais poderia funcionar com uma multiplicidade de operadores, mas o poder do governo de influenciar e orientar, definindo áreas prioritárias e desenvolvimento de fornecedores nacionais de bens e serviços, ficaria sensivelmente reduzido.

Assim, se se concorda que o desenvolvimento da cadeia da indústria de petróleo - como fez, aliás, sob elogios gerais, a Noruega -, é uma oportunidade imperdível, e nitidamente viável ante a sofisticação e diversificação da indústria e a infra-estrutura científica brasileiras e o volume de encomendas que será gerado nas próximas décadas, não se pode rejeitar a opção de escolher a Petrobras como operadora única.

As críticas são no sentido de que, em primeiro lugar, a Petrobras poderia não ser capaz de sustentar o desafio de operar todo o pré-sal, e, em segundo, essa atribuição pode não ser saudável para a própria empresa, que perderia graus de liberdade na administração de riscos e na escolha das áreas e parceiros de sua preferência. A empresa seria “engessada”, pois obrigada a operar áreas pouco atrativas e até a trabalhar compulsoriamente com parceiros que não escolheu.

Os argumentos não parecem consistentes. É importante notar que a Petrobras será remunerada pela operação, o que é uma fonte de receitas não negligenciável. Além disso, é provável que a forma final da legislação incorpore a possibilidade de a Petrobras terceirizar a operação em alguns casos, o que resolveria ambos os problemas, o da escolha dos projetos de interesse, e o de eventual e temporária – por falta de disponibilidade de equipamentos no mercado, por exemplo - incapacidade de a empresa cumprir simultaneamente todas as atribuições que lhe sejam entregues.

É óbvio que, desconsiderados os problemas de disponibilidade de equipamentos no mercado, que, de resto, afetaria todas as operadoras, operar a totalidade dos campos do pré-sal é uma questão gerencial administrável, embora apresente grandes desafios como por exemplo o de formação intensiva de mão-de-obra especializada. Mormente se o Congresso aprovar, como, aliás, é desejo da Petrobras, a possibilidade de terceirização.

O IBP e outros críticos levantam a questão de que a opção por um operador único cria um monopsônio desconfortável para os fornecedores, um mercado cativo que tende a oprimir fornecedores e levar à acomodação, negligenciando-se a busca da eficiência e a redução de custos.

Essa linha de crítica não condiz com a atuação passada da Petrobras. Fora um ou outro acidente de percurso, a atuação da empresa, inclusive, e, sobretudo, na época do monopólio, foi importante e decisiva no desenvolvimento industrial brasileiro, e no apoio a fornecedores. Dificilmente a opção deixará de ter o apoio majoritário da iniciativa privada brasileira.

É importante assinalar que a regra deve ser bem recebida devido à excelência tecnológica e ao conhecimento da geologia do pré-sal por parte da Petrobras, que contribuem para diminuir riscos. Com possíveis exceções de majors como Chevron, Exxon-Mobil, Shell e BP, e de operadores independentes com tecnologia de águas profundas, como a Anadarko.

A grande maioria dos consultores internacionais ouvidos pela mídia ressaltou que, embora preferissem uma regulamentação com menor ingerência estatal, têm como certo que as mudanças não afugentarão o investidor. Fazem radical distinção entre o processo em curso no país e as nacionalizações promovidas recentemente por Venezuela e Bolívia. Em outras palavras, confirmam que alguns players estrangeiros prefeririam atuar como operadoras, mas o papel a elas destinado pelas novas regras é preferível ao de países que restringem a atuação dos estrangeiros à prestação de serviços, ainda que paga em óleo, como Irã e México, ao de países cujas normas contêm grande dose de arbitrariedade, como Rússia e Casaquistão, e de outros países da África e Oriente.

Por outro lado, reconhecem que a reputação do Brasil no mercado de petróleo é a de respeitar contratos, de forma que, estabelecidas as novas regras, há, praticamente, a certeza de sua estabilidade para o futuro.

Finalmente, lembram que diversos operadores têm interesse maior em garantir o suprimento de petróleo, notadamente as operadoras asiáticas e as de menor porte. Algumas delas preferem o mero papel de sócia da Petrobras, por não terem capacitação técnica para operar áreas complexas. Mesmo as grandes, concordam, manterão o interesse, porque o acesso a reservas é cada vez mais restrito e, dado o enorme potencial do pré-sal, vale a pena manter fatias da produção.

10) Porque a participação especial de 30% da Petrobras?

A Petrobras investiu valores bilionários no desenvolvimento de tecnologias de exploração e produção em águas profundas, e no conhecimento da geologia da costa brasileira. Com isso, chegou, por volta de 2006, à auto-suficiência do país em petróleo. A descoberta do pré-sal, área que segundo todas as estimativas pode conter reservas de óleo e gás estimadas em 80 a 100 bilhões de barris de petróleo equivalente, trouxe a perspectiva de o país se tornar exportador relevante de petróleo nas próximas décadas, e, brevemente, auto-suficiente, também, em gás natural.

Tornar a Petrobras sócia de todas as áreas que forem licitadas futuramente no pré-sal não é um privilégio indevido, mas sim uma forma de reconhecer os méritos da empresa na abertura desse novo horizonte de produção, e compensá-la pelo esforço financeiro e tecnológico realizado. É importante ressaltar que não se trata de um presente: a empresa vai entrar com sua parte nos recursos necessários a cada desenvolvimento.

É prática usual na indústria petrolífera exigir que o operador tenha participação substancial nos resultados, como forma de garantir seu máximo engajamento e interesse no sucesso da empreitada.

A regra deverá ser aceita pela maioria dos operadores internacionais, interessados na parceria com a Petrobras, e acostumados com participações até maiores em outras fronteiras de E&P como Golfo do México e África.

As regras atuais da ANP, no modelo de concessão, já definem que o operador deve ter pelo menos 30% de participação no bloco. Ora, sendo a Petrobras a operadora de todos os blocos do pré-sal, a regra dos 30% nada mais faz do que consagrar a norma atual. Aliás, trata-se de regra que é aplicada de forma generalizada.

A Noruega, por exemplo, entre 1972, data de criação da Statoil, e 1985, reservou uma participação mínima de 50% para sua NOC. Ainda hoje, o governo tem o poder de escolher as áreas em que a Petoro – sucessora da Statoil como NOC norueguesa – vai participar, e em que proporção.

Alguns analistas sugerem que a Petrobras toma grandes riscos ao assumir a dupla responsabilidade de ser operadora única e responsável por pelo menos 30% dos investimentos em todo o pré-sal. Trata-se de uma crítica superficial e improcedente. Em primeiro lugar, a Petrobras, em todo o processo de E&P em águas profundas, desde antes do pré-sal, demonstrou grande expertise em administrar os riscos envolvidos. Além disso, na pior das hipóteses, a empresa estará atuando em consórcios, de forma que até 70% dos investimentos serão bancados por operadores estrangeiros, com experiência em operações da espécie e avaliação de riscos. Portanto, a avaliação das perspectivas de cada exploração será feita por dois ou mais parceiros, nenhum deles neófito.

Finalmente, alguns analistas adotam outra linha de crítica: consideram desnecessária a participação obrigatória da Petrobras, porque, se necessário, a empresa teria condições de ganhar todas as licitações que lhe interessassem, mesmo sem a cláusula de obrigatoriedade. Não deixa de ser verdade. Mas o privilégio dado à empresa faz justiça a seu desempenho passado, não tem nada de exagerado ou esdrúxulo, sendo prática usual, e não “assusta” nenhum parceiro potencial, talvez até agrade à maioria.

11) Porque a capitalização da Petrobras?

A Petrobras é, há muitos anos, uma empresa de economia mista, tendo sido sempre uma blue chip do subdesenvolvido e subcapitalizado mercado de capitais brasileiro. Nos próximos anos, a empresa deverá dar um salto apreciável, em porte, volume de operações, e desenvolvimento de tecnologias de exploração, produção, refino e petroquímica. O volume de investimentos e o esforço tecnológico que lhe serão exigidos demandam um reforço em sua estrutura de capital. Não capitalizar a empresa limitaria seu alcance financeiro e alargaria os prazos de exploração do pré-sal.

A operação, pelos volumes anunciados, deverá ser o maior lançamento de ações da história do mercado de capitais mundial, primário ou secundário. A operação tem boas chances de ser exitosa, devendo ser bem absorvida pelos mercados. O feeling dos analistas é que os mercados de capitais encontram-se ávidos por participarem da operação, em função das grandes perspectivas da empresa. Se isso ocorrer, a operação trará grande prestígio internacional para a Petrobras e para o país.

12) O formato da capitalização da empresa

A opção de capitalizar a empresa através da incorporação de reservas contidas em áreas não licitadas, de propriedade da União, é lógica. Trata-se apenas de combinar três fatos: a necessidade de dotar a empresa de estrutura de capital adequada, a necessidade de unitização dos reservatórios, e a impossibilidade de aporte em dinheiro por parte da União. A solução é, pois, óbvia, natural e perfeitamente aceitável.

A decisão de colocar um limite de 5 bilhões de barris, para incorporação ao capital da empresa, evidentemente, faz com que provavelmente, a União (através da Petrosal) venha a ser sócia da Petrobras e parceiros, nos reservatórios unitizados, que, possivelmente, contêm, em áreas contíguas não licitadas, mais do que os 5 bilhões de barris a serem capitalizados.

As críticas de alguns supostos porta-vozes dos minoritários são precipitadas. Evidentemente, a forma de incorporar as reservas ao capital da empresa terá que ser tecnicamente correta, até porque existem normas e regulamentos que terão de ser observados. Uma avaliação detalhada da evolução dos preços futuros do petróleo, dos custos de sua exploração e, conseqüentemente, do valor atual das receitas provenientes das reservas, terá que ser feita e devidamente atestadas, por firmas especializadas e internacionalmente acreditadas. E os minoritários e acionistas preferenciais terão que ser ouvidos e concordar com os critérios adotados. As vantagens que o novo marco está conferindo à empresa são de tal monta, que dificilmente os acionistas criarão dificuldades ao processo de capitalização, desde que tecnicamente correto e justo. Outra empresa operadora fez seu IPO no ano passado, com base em laudos de avaliação de reservas ainda não definidas, mas prováveis, feitos por empresas internacionais independentes, com grande sucesso e adesão maciça de investidores.

As armadilhas a serem evitadas

Petrobras como operadora única

Essa é uma opção de que não se pode abrir mão se houver determinação no sentido de implementar uma política ambiciosa de desenvolvimento da cadeia de fornecedores de bens e serviços da indústria de petróleo.

As frustrações dos operadores privados são compreensíveis, mas devem ser atendidas de forma atenuada através da provável aprovação da forma final da legislação que incorpore a possibilidade de a Petrobras terceirizar a operação nos casos em que seja de seu interesse.

Esse é um aspecto é de suma importância. Lembremo-nos de que a saga do pré-sal não se limita às áreas já descobertas, nem mesmo aos blocos não licitados da mancha geológica delimitada que vai de Santa Catarina ao Espírito Santo, mas se estende a grande parte do litoral do Nordeste, onde - por semelhança geológica com o litoral africano, e pela constatação por estudos geofísicos, da presença de rochas encaixantes -, podem se localizar “outros pré-sais”. Nesse panorama ampliado, aí, sim, a tarefa se torna grande demais para ser desempenhada apenas pela Petrobras, por causa do tempo para o acesso a esses prováveis recursos.





A governança da Petrosal

A escolha dos dirigentes da Petrosal não escapará de indicação política, mas é importante lembrar que nos últimos anos as indicações em estatais, têm respeitado critérios técnicos. Na Petrobras, por exemplo, os dirigentes, salvo uma ou outra exceção menor, têm sido recrutados entre empregados ou ex-empregados da própria empresa, a maioria dos quais com ampla experiência. Na Petrosal isso é ainda mais importante por se tratar de empresa nova, portanto sem desempenho anterior, e que vai lidar com problemas e negociações complexas e de alta especialização.

Ninguém é ingênuo a ponto de imaginar que indicações políticas não impliquem em alguma ingerência sobre a atuação dos dirigentes, mas é certo que os corpos técnicos de empresas como a Petrobras desenvolveram anticorpos que costumam neutralizar, em grande parte, essas ingerências. Em outras palavras, o que garante o profissionalismo na atuação da Petrobras é seu corpo técnico, particularmente os profissionais mais antigos e experientes, que constituem o grupo de gerentes e superintendentes.

A única forma de escapar a esse tipo de questionamento seria o de contratar uma empresa especializada de recrutamento e delegar a ela uma seleção de executivos independente, submetida à aprovação do governo. É evidente que esse tipo de opção, que não foi usada sequer nas privatizações, está fora de cogitação. De forma, que só resta apostar que as escolhas de dirigentes da Petrosal será feita por critérios técnicos.

Por tudo isso, nessa nova empresa estatal, é extremamente importante que regras de governança e critérios operacionais sejam bem definidos, de forma a trazer clareza e visibilidade a sua atuação, e que a mesma seja amplamente monitorada pela ANP.

A Petrobras com 30%

Ponto importante na implementação das novas regras é não obrigar a Petrobras e seus parceiros a qualquer decisão que não obedeça a critérios econômico-financeiros claros, como seria o caso, por exemplo, de uma eventual imposição, por critérios políticos, do desenvolvimento campos de menor interesse ou menos prioritários.





O ritmo de exploração

O ritmo de exploração é uma variável extremamente importante do ponto de vista estratégico.

Como lembrou o presidente da Petrobras, o maior fator limitador do ritmo de exploração do pré-sal não é financeiro, nem tecnológico, nem gerencial, mas sim a velocidade em que a cadeia de fornecedores, aí incluídas a indústria brasileira e a mundial, responderá às demandas do pré-sal.

O primeiro critério a ser observado, de longo prazo, é adequar o ritmo de exploração ao horizonte da era do petróleo, ou seja, o ritmo deve ser tal que se evite que o país sobre com um “mico” na mão, que seria a posse de grandes reservas quando essa commodity deixar de ser relevante.

O outro é desenvolver os campos respeitando a capacidade dos fornecedores nacionais de atenderem ao substancial volume de encomendas gerado pelo pré-sal.

Trata-se de um delicado equilíbrio, que não deve e não pode ser deixado ao arbítrio das operadoras. A determinação do ritmo de exploração é uma função compartilhada da União (através do MME, do CNPE, da Petrosal, e da ANP), e das operadoras, Petrobras e parceiras.

Uso dos recursos – doença holandesa

É importante regular a entrada de recursos provenientes da exploração do pré-sal na economia, para evitar a “doença holandesa”. O governo tem um track record pouco recomendável no que diz respeito à neutralização da sobrevalorização cambial, no nosso caso, decorrente de juros básicos da economia, excessiva e desnecessariamente elevados, dos saldos comerciais provenientes de exportações de commodities entre 2005 e 2008, e da recusa sistemática em intervir de forma mais incisiva no mercado de câmbio. Com esse histórico, são cabíveis as dúvidas sobre se será possível evitar o mesmo fenômeno decorrente de um pré-sal mal regulado.

A exposição de motivos do projeto de lei explicita claramente que o FS se constitui num instrumento para maximizar os benefícios das receitas da exploração, levando-se em conta a perspectiva de sua extinção, sua volatilidade, por depender dos preços internacionais, e o inevitável ingresso de grandes volumes de moeda estrangeira no mercado interno. Reconhece, ainda, que é necessário evitar a apropriação dos benefícios pelas gerações atuais, em detrimento das futuras. Daí a necessidade de o fundo seja gerido no sentido da criação de poupança de longo prazo, a ser desfrutada mesmo depois que as reservas tenham se esgotado.

Apesar disso, seria ingênuo imaginar que o governo fosse se auto-limitar, criando critérios rígidos para as aplicações do Fundo Social, uma camisa de força para quem enfrenta tantas dificuldades para viabilizar investimentos, por exemplo, na área de infra-estrutura. A impressão que dá o projeto de lei é que deixa um excesso de flexibilidade ao executivo.

A situação ideal seria a de que a regulamentação dos Fundos fosse rígida no sentido de estabelecer que a totalidade dos recursos fosse aplicada no exterior, sendo apenas os rendimentos internados na economia. E mesmo esses rendimentos respeitassem um teto de internação. Na Noruega, por exemplo, os rendimentos do fundo internados anualmente na economia não podem ultrapassar os 4% do valor total do fundo, limite esse que foi aumentado este ano como forma de neutralizar os efeitos da crise.

Essa parecia ser a determinação inicial do governo. Declarações recentes de membros do governo dão margem a preocupações. A Chefe da Casa Civil, por exemplo, em entrevistas à mídia nacional e internacional, declarou que “o correto seria aplicar apenas os rendimentos”, mas que parte dos recursos terá destinação orçamentária, sendo internados diretamente na economia, com destinações específicas, simplesmente porque o país não é a Noruega, que já tinha todos os seus problemas sociais previamente resolvidos quando da descoberta das reservas do Mar do Norte.

Diante desses sintomas prévios, é quase impossível imaginar que nossos políticos e dirigentes sejam capazes de disciplina e paciência suficientes para aguardar o rendimento dos recursos dos Fundos.

A questão é séria, e se configura como um dos principais problemas da nova regulamentação do pré-sal, podendo se transformar num pesadelo futuro para a economia brasileira.

Uso dos recursos – perda de foco e pulverização

O governo optou por apontar cinco áreas em que os recursos seriam aplicados, educação, ciência e tecnologia, cultura, combate à pobreza e sustentabilidade ambiental, leque de alternativas aberto demais, mas ainda aceitável. O Congresso ameaça aumentar ainda mais o “leque”, pulverizando verbas e comprometendo o alcance dos programas. Há sugestões abusivamente demagógicas, no sentido, por exemplo, de destinar recursos para esporte, aumento dos proventos de aposentadoria de idosos, delimitação de áreas de quilombolas e outras.

Propostas oficiais dão conta de que os recursos poderiam ser aplicados, ainda, em infra-estrutura, e na própria exploração de petróleo e gás, tornando os Fundos sócios nos contratos de partilha.

Esse é um dos maiores riscos de que a grande expectativa criada no sentido de resgatar a “dívida social” e criar uma poupança para gerações futuras venha a se concretizar.

Da base governista, poucas vozes foram ouvidas apontando o perigo de uso orçamentário dos recursos e a pulverização de verbas. A imensa maioria parece focada em buscar uma fatia dos futuros recursos para o atendimento de interesses de suas clientelas políticas. As notícias recentes dão conta de que o relator da matéria já relaxou suas convicções, tendo incluído a saúde como uma das áreas contempladas com os recursos do fundo.

Capitalização

Uma operação do porte da que está sendo desenhada deve ser feita com grande cuidado. Algumas premissas devem ser observadas com atenção. A primeira delas é que respeitar os minoritários deve ser uma regra pétrea da operação, que deverá estar sob severa vigilância da SEC e da CVM, e sob os holofotes do mundo inteiro.

Em primeiro lugar, é importante observar que o aumento da participação percentual do governo no capital, com diluição de participações minoritárias, não pode figurar como um dos objetivo, aberto ou oculto, da operação. Até porque essa seria uma opção burra. O governo deveria rechaçar com convicção essa versão, que tem sido alardeada por representantes do Ministério das Minas e da ANP, que, além de dar um ar de xenofobia à proposta, é injusta para com acionistas que, no passado, correram risco e ajudaram a capitalizar a empresa. O fato é que a Petrobras tem, hoje, sócios minoritários, que são seus proprietários tanto quanto a União, e que assumiram riscos, a convite do próprio governo brasileiro, quando a situação e os prognósticos sobre o mercado do petróleo e sobre a empresa não eram tão promissores quanto os de hoje. Portanto, seus interesses e direitos têm que ser religiosamente respeitados, gostemos ou não do fato consumado do lançamento internacional de ações pelo governo anterior.

A emissão de ações da empresa feita pelo governo tucano, ao contrário do que vêm dizendo porta-vozes do governo, foi uma das poucas iniciativas parcialmente acertadas de um governo que, ao final, veio a se caracterizar como o “genocida” do mercado de capitais brasileiro. Parcialmente acertado, porque ideal teria sido uma operação de aumento de capital, ao invés da venda de participação da União (o objetivo do governo tucano era arrecadar para o Tesouro, e não capitalizar a empresa), e feita paulatinamente, em diversas tranches, no mercado brasileiro, como forma de fortalecê-lo, aumentando sua liquidez, ainda que os compradores – o que parece incomodar os porta-vozes - fossem investidores internacionais.

Mas o aspecto mais esdrúxulo das declarações feitas no sentido de que a União pretende aumentar sua participação na Petrobras, é que o interesse do governo devia ser exatamente o contrário. O ideal seria que todos os minoritários exercessem seus direitos de preferência, o que em nada prejudica os interesses da União. Infelizmente, isso dificilmente ocorrerá, a menos que a operação seja realizada em etapas, ou seja, que permita ao mercado o tempo necessário para se adaptar para a absorção dos lotes a que têm direito, e que o governo, ao invés de dificultar, facilite essa absorção. Um exemplo claro de restrições indesejadas é a exclusão do uso dos recursos do FGTS, sentido pelos detentores dessa poupança forçada, quase que como um direito.

Que o governo desative – ainda está em tempo - os “arautos da diluição”, impedindo-os de continuar a falar besteira!

Se o valor atual das reservas de 5 bilhões de barris incorporadas for avaliado, por exemplo, em US$ 15 a 20 bilhões, isso significaria que os demais sócios teriam que aportar, em dinheiro, cerca de US$ 30 a 40 bilhões. Se isso ocorresse, a Petrobras ficaria, provavelmente, super capitalizada, com caixa suficiente para tocar todos os seus planos de investimentos nos próximos dez a quinze anos, praticamente sem endividamento adicional. Provavelmente se tornaria a primeira ou segunda maior empresa de petróleo do mundo em valor de mercado. Qualquer cidadão que conheça um pouco de aritmética adoraria que isso ocorresse. Alguns setores do governo, usando uma aritmética paranóica, parecem não se terem dado conta do fato, e torcem para que os minoritários não exerçam seus direitos.

Se alguma diferença houvesse, seria exatamente no sentido contrário do que pensam os que torcem para que os minoritários não acompanhem a chamada de capital. É que a avaliação que o mercado fará da empresa no futuro (valor de mercado) será determinada por diversos parâmetros, mas, fundamentalmente, pela governança e respeito aos acionistas.

Em segundo lugar, é fundamental que a forma de integralização por parte do acionista majoritário, a União, seja clara e aceitável para todos os acionistas. A integralização através da entrega de títulos públicos, para posterior “troca” por reservas de petróleo é, obviamente, uma forma de contornar a dificuldade de que essas reservas ainda não foram individualizadas, dependendo, ainda, de uma intensa campanha de sondagens para identificar o exato volume disponível nas áreas não licitadas de propriedade da União, particularmente no prospecto Iara. Além disso, parece ter o objetivo de caracterizar a cessão de direitos de exploração como um contrato comercial, o que daria à empresa a faculdade de aprovar o negócio sem anuência dos minoritários em Assembléia. Se essa é a intenção, por se tratar de óbvia tentativa de contornar uma dificuldade que deveria ser enfrentada com lisura e clareza, deverá ser contestada. Por se tratar de uma operação com parte relacionada, devidamente regulada tanto pela lei brasileira quanto pelas legislações internacionais sobre a matéria, e pelos órgãos reguladores dos mercados onde a ação da Petrobras é transacionada, o imbróglio resultante seria pior que a encomenda, e macularia todo o processo. Tende a não ser bem recebida pelo mercado.

Os minoritários teriam que “acreditar”, ex-ante, que o critério futuro de avaliação das reservas será justo. Por isso, ainda que demande mais tempo, a incorporação direta seria a forma mais recomendável, depois da individualização das reservas, e determinação do valor atual das mesmas através de pelo menos dois criteriosos pareceres elaborados por firmas especializadas de credibilidade internacional. Formato mais longo e trabalhoso, mas o único correto de realizar a operação. E mais, salvo uma ou outra contestação, deverá ser aprovada pelos minoritários (a União não vota na Assembléia de aprovação).

A adesão maciça dos acionistas é o que de melhor poderia acontecer para a Petrobras, e é altamente recomendável que o governo se convença disso. A empresa ficaria capitalizada, com grande volume de caixa, talvez maior do que o necessário para financiar o pré-sal, o que lhe permitiria pensar até mesmo em alguma aquisição no mercado internacional, o que faria todo o sentido se um dos objetivos é exportar derivados e expandir a petroquímica.

São equivocadas, portanto, duas decisões já, aparentemente, tomadas pelo governo. A primeira, a de impedir que os acionistas, pelo menos os dos Fundos FGTS-Petrobras, usem suas poupanças retidas no Fundo de Garantia para integralizar seus direitos de preferência. A segunda, a decisão de “atropelar” os minoritários realizando a operação de chamada de capital em uma única tranche. Trata-se de exigência desnecessária, que impediria o mercado de se “acomodar” ao volume da operação. A chamada de capital deveria ser feita em dois ou três estágios, ao longo de dois ou três anos, à medida que as reservas a serem incorporadas forem sendo individualizadas e avaliadas.

É fundamental que a Petrobras e sua controladora, a União, após o aumento de capital, sejam vistos como exemplos do ponto de vista de respeito aos sócios, e das regras de governança.

A legalidade/constitucionalidade das propostas

A discussão sobre a legalidade das novas regras vai ser centralizada no Congresso e no STF, porque é inevitável que os interesses contrariados e a oposição argua inconstitucionalidade de alguns dispositivos.

Os pontos que deverão ser contestados são a possibilidade de alterar o regime de exploração por Lei ordinária, a possibilidade de contratação direta da Petrobras, sem licitação, para determinados blocos a serem escolhidos diretamente pelo governo, a participação mandatória de 30% da Petrobras nos demais blocos, e exclusividade da Petrobras para operar os blocos do pré-sal e áreas estratégicas. Todas, questões essenciais para a preservação da lógica do novo marco regulatório proposto.

É provável que o Congresso aprove os quatro Projetos de Lei sem modificações significativas, a não ser na questão referente à divisão dos royalties do petróleo entre as unidades da Federação. A manutenção da integridade e da lógica do novo marco, portanto, ficará nas mãos do STF.