O PRANTO DO RIO... 

Hoje fui ao calçadão da gameleira, olhar o rio acre, o rio da nossa aldeia. Estava lindo o rio. Caudaloso, veloz, pujante! Contrastando com a pujança e com a beleza do rio, testemunhei, também, o desespero dos moradores e dos comerciantes das suas margens, cujas casas foram invadidas pelo rio. Mesmo sensibilizado com o drama vivido pelos moradores e pelos comerciantes ribeirinhos, percebi, em meio aquele cenário contrastante de beleza e dor, que o invasor não era o rio... Quiçá fosse até a maior vítima... Sim! Tomei coragem e assumi, a maior vítima continuava sendo o rio! Dominado pela insensatez e cego pela ganância e pelo lucro imediato, o homem esqueceu-se de respeitar o rio, esqueceu-se da importância e da necessidade de cuidar bem da sua calha, das suas margens! Fato é que há décadas desrespeitamos, afrontamos, violentamos o rio, e ninguém fez nada. Ninguém levou a serio ou tomou pra si as dores do rio! Magoada e não suportando mais tanto sofrimento, a mãe do rio, a natureza, exigiu do filho uma reação forte, e o rio decidiu dar o troco de forma inesperada, apesar de previsível, jorrando água, um turbilhão de água na sua calha, transbordando e alagando os seus próprios limites, assustando os seus agressores e afugentando-os para bem longe das suas margens. Assim foi como o rio decidiu reagir, e pedir de volta a vegetação que protegia as suas margens e a sua calha: as uranas, com suas copas inclinadas sobre as águas, as imbaúbas e nos seus galhos o socó, o bico-de-brasa, o galo-campina, o martim-pescador; os tracajás, os pitiús, os cabeças pintadas e as tartarugas tomando sol em cima dos galhos secos cravados às margens do rio. Os homens e mulheres sexagenários, que habitavam harmoniosamente as margens do rio, lembram-se disso, o rio para eles era como uma espécie de uma grande dispensa, a céu aberto... Os provia de tudo! Porém justo os homens e mulheres, que por tanto anos tiraram do rio o seu sustento, deram ao rio um presente macabro: merda, urina e muito lixo, toneladas de lixo! Não suportando mais tanto sofrimento, o rio entrou em prantos. O turbilhão de lágrimas escorreu velozmente fazendo transbordar toda a extensão da sua calha. Mas, mesmo tendo sido ingrata e agressivamente atacado, o rio escolheu se vingar com água, com muita água, apenas assustando os seus agressores, os seus algozes. Sabia que, apesar de terem sido os homens tão cruéis e insensatos, não mereciam ser punidos com a falta d’água. Seria o princípio do fim... Quantos alertas e sustos já foram dados pelo velho rio em épocas de seca, principalmente nos dois meses de maior estiagem, mas nunca o levamos a sério?... Os limites que não devem ser invadidos pelo homem são estabelecidos quase que anualmente pelo próprio rio, alagação após alagação. Basta ao homem respeitá-los! Quem assim não proceder deve ser rigorosamente punido, não apenas pelo próprio rio... As decisões e as ações devem ser sempre a favor do rio! Defender os direitos do rio é defender o direito dos que dele dependem, e esses são milhares de homens, mulheres e crianças. Portanto, grite forte: ESSE RIO É MEU! Moro longe do rio, mas não me sinto menos culpado... A urina e a merda que excreto diariamente também acabam indo para dentro do rio! Tenho poço e dinheiro para comprar água mineral... Portanto, acabo contribuindo também com o longo e lento martírio do rio. A minha omissão e a minha covardia me encharcam de vergonha!

- E você, tem alguma culpa? Se achar que sim, te convido para sanarmos a nossa dívida com rio, defendo-o e nos inserindo nos movimentos e nas ações em defesa da recuperação e preservação das margens e da calha do rio, do seu, do meu, do nosso rio!