O POVO CIGANO BRASILEIRO: GARANTIA DE SEUS DIREITOS HUMANOS EM FACE À SUAS PARTICULARIDADES CULTURAIS¹

 

RESUMO

A abordagem deste trabalho compreende a problemática de como os direitos humanos, considerados universais, podem ser garantidos ao povo cigano no Brasil, discorrendo sobre suas peculiaridades, seus aspectos sócio-culturais, para que de modo subsequente se dê enfoque à de que forma pode-se assegurar e respeitar a garantia desses direitos à esse povo, levando-se em consideração seus costumes e tradições diferenciadas, os particularismos de sua cultura. Assim, discorreremos sobre as principais características dos ciganos, falando sobre a sua origem, levantando os conflitos que envolvem tal tema e as alternativas para solucionar o problema da garantia de direitos iguais aos mesmos com ajuda da Antropologia.

 

INTRODUÇÃO

Neste trabalho buscamos conhecer um pouco mais a fundo o povo cigano e as particularidades de sua cultura, discorrendo sobre a universalidade dos Direitos que, na concepção de alguns autores, não possui realmente um sentido universal, mas características europeias, traduzindo, assim, uma visão etnocêntrica, em face das particularidades das culturas, no caso do presente trabalho, a cigana.

O Direito é dito universal, porém, está profundamente atrelado a grandes valores de determinadas culturas. Por conta disso, alguns autores, tal como Boaventura de Sousa Santos, não acreditam na possibilidade de se falar em universalidade dos Direitos, e que, para que não permaneçam atrelados a estas características etnocêntricas do contexto da Globalização, torna-se necessário que os Direitos Humanos deixem o caráter “universal” para adotar um caráter multicultural.

 O caráter homogêneo dos Direitos Humanos é um grande problema quando levado em conta as diferenças culturais existentes. As primeiras questões a serem levantadas são: Como ter direitos iguais se as pessoas vivem culturas e valores diferentes? Como respeitar o direito do outro sem passar por concepções homogeneizantes, multiculturais e assimilacionistas?

     Trouxemos nesse estudo possibilidades de se assegurar Direitos Humanos ao povo cigano, sem que se apague seus particularismos e suas diferenças sócio-culturais, afinal, são as diferenças que enriquecem uma sociedade.

Os Ciganos possuem grandes particularidades: são povos nômades, não apresentando, portanto, moradia fixa; No que se trata da educação os ciganos costumam educar seus filhos em casa, mantendo tradições, religião e valores típicos; Em relação à saúde os Ciganos costumam parir seus filhos em suas próprias tendas, não tendo um acesso facilitado à saúde pública que o governo oferece; Os Ciganos não possuem documentos de identificação civil obrigatórios; A mulher Cigana deve valorizar bastante sua beleza física, para que consiga bastante pretendentes e case-se, dentre outras particularidades. Diante do exposto, é claro que são muitas as especificidades deste povo e é, em vista disso, que trataremos de como assegurar Direitos iguais a este povo, tendo ele suas diferenças.

A tensão entre o universalismo dos Direitos Humanos e o particularismo da cultura cigana é um tema de grande relevância e digno de grandes estudos e neste, tentaremos encontrar respostas e levantar novos questionamentos discorrendo sobre a garantia destes direitos aos ciganos, atentando para suas peculiaridades e tentando não reproduzir as desigualdades sociais, portanto, é de grande relevância o uso da Antropologia, que tem nos auxiliado a questionar os preconceitos e os valores predominantes.

1 A Globalização Hegemônica e o Caráter Universal dos Direitos Humanos

Os Direitos Humanos, direitos e liberdades básicas de todos os seres humanos, surgem como resultado de longas histórias. O surgimento destes nos remete à Idade Média, época que o Cristianismo e a religião tinham muita influência sobre os homens e suas instituições, e período em que a teoria do Direito Natural fora desenvolvida, onde, de início, esses direitos naturais tinham caráter religioso. Com o racionalismo predominante da Idade Moderna (séculos XVII e XVIII), o direito natural fora revisto e reformulado, deixando de ter esse caráter religioso que carregava. Segundo os racionalistas, existiam leis e valores inatos a todo e qualquer ser humano, e estes são, por sua vez, livres por natureza. Traços que já caracterizavam a universalidade de direitos.

Surge então, primeiramente na Inglaterra, em 1215, e em seguida nos Estados Unidos, a Magna Carta, como resultado da evolução destes direitos. Este advento da carta é de grande importância, vez que, possui sinais de direitos fundamentais já positivados. A Carta Magna na Inglaterra fora, na verdade, como defendido por Sarlet (2002, p. 43) “a primeira declaração histórica dos direitos, embora incompleta”. Em 1776 surge a Declaração Americana da independência, baseada na Declaração de Virgínia, onde estavam os direitos naturais do homem que deviam ser respeitado. A criação da ONU, em 1945, representa uma das gerações dos direitos fundamentais, onde demonstra a necessidade em se manter a solidariedade entre as nações e paz no mundo.

É em 10 de dezembro de 1948 que a Assembleia Geral das Nações Unidas proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que delineia os direitos humanos básicos, e tem extrema importância em nossa sociedade até hoje. Em vista do exposto, nota-se que o universalismo é característica marcante dentro dos Direitos Humanos e do próprio direito. Acerca de tal marca, muitos são os estudos e as teorias a respeito.

Como assegura Herrera Flores (2005), é necessário que se reveja o quadro que direcionou a declaração dos Direitos Humanos de 1948 e as suas transformações que resultaram no atual diálogo e postura crítica diante da dita universalização dos direitos chamados inatos. Flores (2005) ainda diz que, neste período, era visível que os Direitos Humanos “Apresentavam-se como essências imutáveis e não como produtos de hábitos e culturas surgidas de contextos históricos específicos” (FLORES, 2005, P.71)

Boaventura (1997) afirma que a globalização pressupõe a localização e que, toda tentativa de universalizar ou globalizar valores supõe uma referência ou precedência local. Nos dizeres de Boaventura de Sousa Santos (1997, p. 108):

“Proponho, pois, a seguinte definição: a globalização é o processo pelo qual determinada condição ou entidade local estende a sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival.”

Da mesma forma, Roberto Kant de Lima (2001) diz que a mundialização e internacionalização tenderam a homogeneizar o mundo e seus valores sob a ótica do mercado, trazendo problemas às especificidades culturais, cada vez mais existentes no mundo. Assinala que:

“Um exemplo claro do efeito perverso desta homogeneização da diferença pode ser encontrado na concessão de igualdade de direitos, realizada pela maioria dos Estados latino-americanos, às suas populações ameríndias. Rodolfo Stavenhagen ressalta, neste sentido, que, na maioria dos casos, universalizar estes direitos de cidadania “gerou um aumento da exploração e opressão dos índios, não mais protegidos pelos estatutos legais tutelares anteriores” (1985, p. 27). Não se deve extrair deste fato, precipitadamente, um argumento contra a igualdade de direitos, mas, antes de tudo, atentar para a contradição difícil de resolver entre os direitos individuais e os direitos coletivos e grupais.” (LIMA, 2001, p. 62)

Immanuel Wallerstein (2007), estudioso do Departamento de Sociologia da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, defende que, desde os primórdios, o direito reflete um direito eurocêntrico, e não um direito universal. Wallerstein (2007) afirma que o processo de Colonialismo devotou o poder hegemônico á Europa e ao pensamento eurocêntrico e que, a Europa no século XVI, com processo de montagem do sistema capitalista global, acabou por proporcionar diversos métodos de dominação em vários sentidos: político, econômico e cultural, trazendo premissas carregadas e defendida pelos Europeus, como universais, tais como as presentes nas gerações dos Direitos Humanos: paz, liberdade e democracia.

De acordo com Boaventura (2003) os direitos humanos não possuem fontes universais, vez que, o modelo dos direitos humanos está inserido dentro de um contexto de imperialismo cultural onde, no processo de globalização hegemônica, os valores ocidentais acabaram por se disfarçar como universais, como, por exemplo: mercado, liberalismo e individualismo. Boaventura (2003, p. 438) assinala que:

“Enquanto forem concebidos como direitos humanos universais, os direitos humanos tenderão a operar como localismo globalizado e, portanto, como uma forma de globalização hegemônica. Para poderem operar como forma de cosmopolitismo, como globalização contra-hegemônica, os direitos humanos têm de ser reconceitualizados como multiculturais”

Boaventura (1997) propõe a superação do universalismo através de diálogos interculturais que focalizem questões isomórficas, para a construção desse diálogo, faz-se necessário o método da hermenêutica diatópica, que se firma na ideologia de que não se pode compreender a formação de um cultura baseando-se no topos da outra e que, para essa superação, faz-se necessário também, que se encontre as diversas visões de dignidade da pessoa humana de cada cultura, visto que, nem toda as culturas concebem a dignidade humana aos Direitos Humanos.

A Hermenêutica Diatópica de Boaventura firma a ideia de que “as pessoas e os grupos sociais tem o direito de ser iguais quando a diferença os inferioriza; e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza” (SANTOS, 1997, P.122). Essa ideia caracteriza perfeitamente a problemática central deste trabalho, que envolve o povo cigano na busca pela garantia de seus direitos, posto que os direitos tem caráter “universal”, sem que sejam desrespeitadas as suas diferenças e peculiaridades.

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