A história do Posto de Atração do Peixinho, pode-se dizer, começa quando a tinta da caneta do etnólogo Curt Nimuendajú rabiscou a primeira letra dessa façanha absurda relatada em seu Relatório sobre os Chavantes, em 1913. Impõe aqui ao pesquisador o exame da documentação oficial sob um prisma pouco explorado, qual seja, procurando filtrar a visão de mundo das camadas dominantes (Machado, 1987: 22), abrindo espaço para uma história microssocial de modo que abarque o cotidiano de meios sociais marginalizados das instituições de poder (Dias, 1984: 8).

Em outras palavras, se requer aqui uma abordagem que explore a potencialidade da documentação disponível, de modo a permitir uma análise -- ora construída de dentro do documento para fora, ora construída do contexto em que os fatos ocorreram para dentro do texto produzido --, entrevendo as relações.

A ideia de reunir os Ofaié e outros indígenas do sul do Estado na região do Peixinho, deve-se dizer de imediato, não sobreviveu ao primeiro ano após sua instalação. Os documentos e anotações disponíveis sobre esse Posto Indígena são raros, o que faz a pesquisa recorrer ao princípio da desconfiança sistemática, com o exercício da devida comparação dos testemunhos (Cardoso, 1982: 53).Quando não, diria Michel de Foucault, revalorizar saberes menores enquanto fontes a delimitar novos locais de observação diversa do puramente institucional.

A personagem que dá visibilidade a esse episódio é um tal Joaquim Ribeiro, que de certa forma, rasga a cortina da história regional para essa construção pretendida e que vem à lume, há exatamente um século após os fatos terem ocorrido. Cuiabano, de numerosa família, ele literalmente entra no sertão e logo se põe a percorrer a sub-bacia do rio Pardo em busca de uma área para instalar o seu sítio, escolhendo de pronto as terras marginais ao ribeirão do Peixinho. Ao observar o mapa do IBGE dessa região, pode-se perceber que esse ribeirão é afluente da margem direita do rio Três Barras e chama-se Águas do Peixinho, banhando, entre outras propriedades, também as terras da fazenda Peixinho.

Sob o aspecto da conduta, o fazendeiro e sua gente, segundo Nimuendajú, era um declarado bandido, não restando dúvida ao etnólogo em afirmar que a família do cuiabano logo ao chegar no lugar já havia cometido algum crime contra os Ofaié que ali viviam ( Nimuendaju, 1913a). As terras que circundavam as margens do rio Três Barras pertencem hoje ao município de Anaurilândia e até o começo do século XX, eram habitadas por diversas hordas de indígenas Ofaié que perambulavam desde as suas nascentes, na região norte, limítrofe com o atual município de Nova Andradina, até o sul, na sua foz com o rio Paraná.

Paralelamente ao Três Barras, em ambas as margens, os córregos Quebracho, Quiterói, Fumaça, Machado e Combate, foram seguramente território de tradicional ocupação Ofaié e a experiência do contato com o tal Joaquim Ribeiro e sua comitiva deve ter sido, no mínimo, desastrosa.

A narrativa de outros conflitos envolvendo fazendeiros que viviam nessa mesma região, entre 1903 e 1905, às vezes um pouco mais ao norte e, às vezes, um pouco mais ao sul, relatos que são trazidos à memória por Nimuendajú em seu Relatório, só servem para demonstrar o alto grau de insatisfação que os migrantes manifestavam em relação aos indígenas e as motivações que tinham para praticar ataques contra eles.

Os Ofaié, quando não eram acusados de flechar a égua do fazendeiro Quincas Ribeiro, eram apontados roubando milho na roça de Pedro Lopes ou espantando os camaradas de João Ferreira de Souza em alguma fazenda vizinha dali. O caso mais grave ocorrido na região parece ter sido o morticínio -- para mencionar o termo que Nimuendajú usa sem a menor parcimônia --, que foi praticado contra um grupo de Ofaié que vivia em frente da barra de uma aguinha hoje chamada Lambari (Idem).

Relata Nimuendajú que o crime praticado nessa ocasião foi horrível, pois os Ofaié neste caso, e como sempre, quando foram atacados, não resistiram, mas tratavam unicamente de fugir (Idem). O rito do massacre é descrito sempre do mesmo modo já testemunhado contra grupos Ofaié de outras regiões. Matavam os homens, aprisionavam as crianças, e violentavam as mulheres e meninas, para assassiná-las logo em seguida.

No caso desse massacre eles capturaram sete crianças. Depois de saquearem os ranchos, o coronel Quincas Ribeiro, responsável por esse massacre, ele, seus filhos, João Ferreira de Souza, vulgo Padeco e outros bandidos, teriam ainda violentado e assassinado mais duas crianças numa cabeceira que desde então passou a ser chamada de Cabeceira das Bugras (Idem).

Ao buscar localizar no mapa essa cabeceira é registrada com o nome de córrego da Bugra, afluente da margem esquerda do rio Samambaia, no limite norte do município de Bataiporã (1), que supõe-se seja o mencionado por Nimuendajú, haja vista encontrar-se o tal córrego a uma distância menor do que trinta quilômetros do local de maior concentração de Ofaié na margem direita do Três Barras (município de Anaurilândia).

Nimuendajú, nesse caso, com base no testemunho de um informante, não reluta em revelar de plano o nome dos autores desse crime: Constantino Ribeiro, filho de Joaquim Ribeiro, seria o assassino. A região que foi palco de grandes disputas e violentos massacres, carrega ainda hoje através das marcas na toponímia o retrato e o estado de ânimo das impressões que ficaram desses embates.

Outro curso d?água que evoca, pelo nome, aspecto marcadamente violento do tipo de relação que se estabeleceu entre indígenas e fazendeiros que disputavam ali o espaço, é o córrego Peleja, localizado poucos metros abaixo das Águas do Peixinho. O batismo que lhe foi dado buscou a seu modo perpetuar no tempo a memória dos acontecimentos ali ocorridos. Sobre esse córrego, adverte Nimuendajú, a única peleja que houve nesses assassinatos covardes foi a de que uma índia violentada por um dos bugreiros, cravou o dente na goela do sujeito, ferindo a ele, infelizmente só levemente (Idem).

Não somente a geografia da região esconde o lado sombrio das ações que se perpetuaram no período; igualmente é obscuro, todo esse tempo timidamente retratado na história regional sul-mato-grossense. A descrição dos espaços, antes de domínio indígena e logo partilhado pela presença do não-indígena e suas carabinas, com certeza, não abriu maiores horizontes que não fosse a contemplação das fazendas e o cultivo do boi por esses campos silenciosos de Anaurilândia e Bataiporã. No auge da expansão da pecuária, a região antes isolada e quase sem vias de acesso por terra, a partir desse período, deve ter apresentado relativa oferta de trabalho aos peões de fazenda na caça ao bugre. A serviço desses fazendeiros que aí se instalavam, um bom número de peões agora transformados em jagunços, não mediam esforços para cumprir à risca as ordens dos patrões.

No ataque às aldeias que massacravam, na maioria das vezes, apossavam-se das crianças indígenas dos aldeamentos e as criavam como escravos, ou então as vendiam à soma de pouco mais de 200 reis cada uma. Só o tal Joaquim Ribeiro teria realizado quatro dessas célebres batidas em busca de escravos indígenas e isso já em pleno século XX. Quando esse cuiabano havia se aprontado para realizar a quarta dessas dadas, informa Nimuendajú, ele veio a falecer. Sobre esses massacres praticados por Joaquim Ribeiro e seu pessoal, D. Ramón chegou, em 16 de outubro de 1905, enviar denúncias dessas barbaridades ao governo estadual de Cuiabá. Porém, segundo Nimuendajú, tais denúncias nunca foram apuradas.

De importante, o que se depreende dos relatos, tanto de Nimuendajú, como do tenente Vicente de Paulo Vasconcellos é que, dos indígenas que se encontravam no Posto do Peixinho, a maior parte deles foi arrebanhada pelos próprios fazendeiros que, após usá-los na lide campeira e em suas roças, os abandonava pelos campos, quando velhos ou doentes, de onde, depois, eram recolhidos pelos funcionários do SPI. O caso da indígena Ynóve, mencionado por Nimuendajú, que foi pega numa dessas dadas pelo tal Padeco, amigo de Joaquim Ribeiro, para servir-se dela como cargueiro, é um exemplo disso.

A queixa do indígena Ofaié, de nome Belchior Kongetid, que reclama constantemente a D. Ramón sobre o fato de que suas filhas haviam sido vendidas para a Vacaria, somado a outros diversos problemas vividos pela administração daquele Posto ainda sem reconhecimento oficial do SPI, fazia com que os indígenas seguidamente fugissem para o centro do seu sertão (ou seja, voltavam para os seus territórios de origem), chegando ao ponto, conclui Nimuendajú, de na zona povoada (postos e vilarejos) os indígenas não se mostrarem mais.

A instalação oficial propriamente dita do Posto de Atração do Peixinho, ao que parece, nunca chegou a ocorrer, e tudo não teria passado apenas de boa intenção e zelo humanitário de dois funcionários do SPI no cumprimento de suas atribuições. Segundo o Relatório do tenente Vasconcelos a instalação desse Posto teve início a partir do recebimento da ordem que lhe incumbiu a Inspetoria do SPI do Estado de Mato Grosso de assegurar a assistência aos Chavantes.

Durante três meses esse tenente ali esteve procurando agrupar todos os Ofaié dispersos que encontrou ao longo da margem direita do rio Paraná avançando à jusante, além do rio Pardo, pelas barras de vários córregos e ribeirões até alcançar o colar de lagoas que formam a foz do Ivinhema. Para o tal Posto do Peixinho, o tenente teria levado cerca de 22 indígenas trazidos de Porto Tibiriçá (hoje Presidente Epitácio, no lado paulista), que nessa época, era o principal ponto de apoio do SPI na região.

Mantendo como base o Porto Tibiriçá e as boas relações que nutria com importantes figuras da região, o militar atraía sobre si diversos favores das autoridades locais. Do major Manoel da Costa Lima, proprietário da fazenda Uerê, localizada na margem direita do rio Pardo, ele, certa vez, obteve emprestado um batelão para o transporte de cargas. Graças ao auxílio e a humanitária orientação da Companhia de Viação São Paulo Mato Grosso, através de seu gerente, coronel Paulino Carlos, as buscas do tenente, através do curso navegável dos rios, configuraram-se sempre vantajosas, permitindo trazer Ofaié de várias regiões à montante do rio Paraná.

Aos indígenas trazidos pelo tenente Vasconcellos se somaram outros 30, que já se encontravam no Peixinho, trazidos por D. Ramón. O tal Posto parece ter sido o primeiro empreendimento chefiado por D. Ramón e seu propósito de reunir os Ofaié naquele lugar, trazendo indígenas inclusive da região da Vacaria. Informa o Relatório do tenente Vasconcelos que D. Ramón chegou ao Posto do Peixinho com cerca de 60 indígenas, mas devido uma epidemia de varicela ocorrida no final do ano de 1910, foi dizimado pela metade o grupo que o acompanhou (Vasconcellos, 1911).

Aquele local foi escolhido, provavelmente, por se tratar de uma região onde os Ofaié ofereciam ali maior visibilidade e onde mais facilmente era possível reuni-los, uma vez que constantemente eram vistos pelos funcionários da Companhia de Viação perambulando e acenando seus arcos na barra dos córregos e ribeirões ao longo do Paraná. Tanto o tenente Vasconcelos, como o etnólogo Nimuendajú, afirmam que a região entre o Ivinhema e o Três Barras era a zona que os Chavantes habitavam.

Viviam em 1911 no Posto do Peixinho, portanto, 83 indígenas Ofaié, entre homens, mulheres e crianças, todos aparentemente felizes, vestidos, obsequiados com miudezas e apreciando, com toda a atenção, a música de um gramofone, instrumento este que se tornou uma das marcas registradas da prática indigenista inaugurada por Rondon, reveladora, aliás, da eficácia e da bondade do poder tutelar que tão-somente levou ao desenraizamento de populações e permitiu criar o chamado território brasileiro (Lima, 1995: 308).

Essa aparente tranquilidade, não obstante, intriga o historiador. Isso porque, passados apenas 10 meses desses acontecimentos bucólicos, no mês de julho de 1912, eis que o Posto do Peixinho é desativado e sua sede transferida para o Laranjalzinho, distante dali, cerca de 120 km, medida obtida seguindo o curso dos rios.

Sobre a curta existência desse Posto a documentação nada informa. A exceção das observações encontradas nos Relatórios de Curt Nimuendajú e do tenente Vicente de Paulo Vasconcellos, nada mais se percebe na correspondência oficial do SPI sobre o tal Peixinho. Tem-se a impressão de que se tratava mesmo de uma iniciativa isolada que se configurou mais como um ponto estratégico para limpar os campos da margem direita do rio Paraná junto à foz dos rios Três Barras e os demais córregos localizados ao sul do Estado.

As perseguições e os massacres ocorridos nessa região, por outro lado, evidenciavam e justificavam a implantação de um Posto de Atração nesse lugar. Porém, a julgar pela demora para sua efetivação, tal iniciativa do SPI configurou-se desnecessária, revelando-se, por conseguinte, um tremendo fracasso. Todo o trabalho realizado por D. Ramón, que, desde 1903, vinha recolhendo indígenas da região do Vacaria e Ivinhema e os levando para o Peixinho não sobreviveu ao ano de 1912.

Uma das dificuldades que pode ser apontada como causa do fracasso desse Posto e que contribuiu para o seu fechamento é a distância que separava a sua sede do centro econômico político que gravitava em torno do fazendeiro de maior influência na região. O tenente Vasconcellos menciona que para sair do Peixinho, o Serviço (SPI) tinha de fazer um longo percurso de barco para chegar até o Porto de Santa Bárbara. Esse porto estava localizado na margem esquerda do rio Ivinhema, em terras da fazenda Gato Preto, do não menos conhecido dos Ofaié, o coronel Domingos Barbosa Martins, senhor da região.

Desciam, assim, o Peixinho e navegavam até o Três Barras. Daí seguiam o curso de suas águas até alcançar o colar de lagoas que circundava as margens do rio Samambaia. Ao chegar no Ivinhema, contornavam o rio, sempre subindo, até o desembarque no Porto Santa Bárbara, de onde regressavam. Segundo a planilha de viagem do militar Vasconcellos, a viagem durava cerca de um mês.

No entender de Nimuendajú, o fechamento do Posto do Peixinho teria se dado em razão de um pedido formulado pelos próprios Ofaié que reclamavam para si uma outra área: as águas do rio Laranjalzinho. D. Ramón também teria reconhecido o valor daquele lugar para os indígenas (Idem), porém, é a data da transferência do Peixinho para o Laranjalzinho, que inquieta o pesquisador, e levanta as maiores suspeitas de que os motivos dessa transferência, na verdade, teriam sido outros.

Nimuendajú aponta que a transferência ocorreu no mês de junho de 1912 (Idem). Ora, se se cotejar as informações de Curt Nimuendajú e do tenente Vasconcelos, com as informações recolhidas pelo cidadão Adriano Metello, recém-chegado àquela região, pode-se observar que as suspeitas podem estar no caminho certo. Ou seja, a de que o Posto do Peixinho não dispunha de qualquer amparo legal que garantisse a sua permanência naquelas terras. Reforça a suspeita de que desde 1905, o que vinha sendo tratado pelos escaninhos do poder, era mesmo a criação de outro posto indígena, o Posto do Laranjalzinho.

Não somente o confronto de datas entre a denúncia feita por D. Ramón contra os massacres praticados por Joaquim Ribeiro e a audiência que ele manteve com o próprio Governador, coronel Antônio Paes de Barros, que ocorreu no ano de 1905, levanta as maiores suspeitas sobre esse episódio. A amizade que D. Ramón tinha, desde 1900, com o fazendeiro Manuel da Costa Lima, da região do Nhanduhy, quando foi contratado para a abertura da estrada de rodagem de Santa Luzia até a barra do rio Pardo, e sua participação em algumas dadas contra os Ofaié, é outro ingrediente a ser considerado nos liames desse caso.

A declarada inimizade que esse fazendeiro nutria pelos Ofaié, sendo descrita por Nimuendajú simplesmente como furiosa, faz considerar que qualquer aproximação de funcionários do SPI (caso de Ramón Coimbra) com o dito fazendeiro causaria espécie aos indígenas que a tudo observavam. Depois dos massacres praticados pelo tal coronel Manoel da Costa Lima no córrego da Vaca Morta, no Passo do Sapé, e em outros pontos ao longo do Inhanduí e Pardo, pode-se facilmente entender porque razão os Ofaié que acompanhavam o tenente Vasconcelos no mês de julho de 1911, desviaram a rota para chegar no Peixinho vindos do Porto Tibiriçá.

Acompanhando a embarcação que levava os funcionários do SPI e as cargas que eram levadas para o Posto do Peixinho, os Ofaié, a certa altura, deixam as embarcações onde viajava o tenente Vasconcellos e D. Ramón, e entram na mata. Gesto explicado por Nimuendajú como sendo para rodear a fazenda do seu inimigo Manoel da Costa Lima (Idem). Ora, diante de tanta hostilidade nutrida contra os indígenas, é compreensível que também os Ofaié evitassem permanecer por mais tempo naquele lugar.

É, entretanto, o pedido que D. Ramón faz ao governador de Mato Grosso o que mais intriga o historiador, considerando que o ano é 1905 e aparentemente o Posto do Laranjalzinho sequer existia. Se D. Ramón esteve com o governador de Mato Grosso naquele ano, por que razão faria um pedido de duas sesmarias de terra no Laranjalzinho, uma para os Chavantes e outra para ele colonizar, assentando famílias (não-indígenas) pobres?

O próprio Nimuendajú parece confundir-se nas datas, pois em 1903 anuncia que D. Ramón se encontra fazendo roças na cabeceira do São Bento (terras do coronel Gato Preto), e, em 1904, aponta o boliviano já na condição de Inspetor do Quarteirão, acompanhando o delegado de Polícia de Nioac, indo em busca de uns Ofaié que teriam praticado um massacre na região de Santa Angélica (Idem).

Depois da audiência que teve com o governador Antônio Paes de Barros, D. Ramón recebeu a quantia de 500 mil réis e foi nomeado Diretor dos Índios Chavantes, responsável por esses indígenas na circunscrição no município de Nioac. O município de Nioac, nessa época, cobria o vasto território que se estendia desde os campos da Vacaria até os limites de Corumbá, prolongando-se pelas margens do Inhanduí-Pardo até a foz do Paraná.

O que se tem, por final, é que em junho de 1912, Nimuendajú informa que D. Ramón teria mudado a sede do Posto do Peixinho para o Laranjalzinho. Maiores detalhes sobre como se deu essa transferência ainda permanecem obscuro em razão da falta de documentos que possam esclarecer o assunto. Ademais, os Ofaié que aí permaneceram, não é difícil de aceitar a ideia de que eles devam ter sido mesmo absorvidos pelas fazendas de gado que assumem, a partir de então, o protagonismo na região. A grande maioria deles, entretanto, deve ter seguido o velho amigo D. Ramón e sua promessa de garantir uma sesmaria de terra para os Ofaié e outra sesmaria de terra para as famílias pobres que o acompanhavam.

Dessa inexplicável transferência, a impressão que fica -- prática já explicada por Beatriz Góis Dantas --, é a de que, para se livrar da vizinhança indígena e poder apossar-se de suas terras, os grandes proprietários, que dispunham também do poder político local, extinguiam mesmo os aldeamentos, transferindo os indígenas de uma aldeia para outra. Desse modo acabavam por liberar as terras pacificamente para o uso de seus gados (Dantas, 1993: 14). É o que provavelmente tenha ocorrido com os Ofaié da região do Peixinho que, sem oferecer a maior resistência, cederam a pressão dos fazendeiros lindeiros de seus territórios.

(1) - Das terras da Fazenda Samambaia deram origem à cidade de Batayporã, criada em 1953 por Jan Antonin Bata e a cidade de Taquarussu, criada pela Companhia de Viação São Paulo-Mato Grosso (Companhia Bata). Seu diretor na época, Vladimir Kubik, não consegue lembrar ao certo os motivos que levaram os indígenas sugerir o nome de Batarrama, como a localidade originalmente deveria se chamar (MARTIN, 2000, p. 511).

ATENÇÃO: Este artigo foi revisado, ampliado e publicado no livro "O território Ofaié pelos caminhos da história" disponível para venda em http://ofaie.com