Joacir Soares d'Abadia

Em uma choupana de paredes pau a pique, piteira e plástico, morava um pobre homem com sua esposa. A chocha trazia em si algumas particularidades.

Ela tinha como telhado, capim e palha de buriti. As portas eram braços de buriti que, colocados lado a lado, formavam uma esteira, a qual servia de portas. As camas eram feitas de forquias enfincadas no chão da humilde residência e as grades das mesmas ficavam por conta de vários paus roliços que ali eram depositados. Os colchões eram feitos nada menos que com capim e palha de milho. Essa, porém, era rasgada com garfos para ficarem um pouco macia. Os forros das camas eram feitos de algodão natural, confeccionado no tear. Os travesseiros eram, por demais, macios. Eles eram produzidos a partir de painas ou de penas de pata. As cortinas eram feitas a partir da palha do buriti. Das palhas do buriti se tirava a seda, e, com essa se fabricavam esteiras. Tudo ali era de uma singeleza tal que se viviam em meio ao natural. Tudo era tirado da natureza. Na cozinha se usava cuia de cabaça ou de coité; a concha era de pau tanto de "limãozinho" quanto do "pau de folha de lixa". A tigela era feita de madeira como também a gamela. O pote era de barro. A água tinha como recipiente uma cabaça. Essa, contudo, deixava a água fresca. O mantimento era depositado em bruacas de couro. Os sacos eram arranjados de algodão, eles serviam para tudo. Suas funcionalidades eram determinadas a partir das necessidades que apareciam. Os cordões para amarrar os sacos eram produzidos com o fuso. Os assentos eram todos de madeira: bancos ou tocos. O fogão acolhia em si madeiras. Ele tinha sob si mesmo um local para deitar a lenha. Assim, com efeito, era o rancho do Pobre e de sua esposa. O infeliz era chamado por sua esposa de Levino.

Contudo, Levino trabalhava para um homem muito rico, o qual gastava seus dias tentando ficar cada vez mais rico.

Era um rico que não usufruía de sua riqueza temendo ficar pobre. Ele contemplava tudo que tinha e via seus bens como que seu próprio fim. Vivia não sua vida, mas, antes de tudo, as suas posses. O rico, em suma, olhava longe: até o último piquete de suas terras.

Levino, que casara há tão pouco tempo, quis "tentar a sorte" – como disse à sua jovem esposa – indo em busca de melhoria para si e, visceralmente, para aquela que amava tanto: sua esposa.

Ele, então, foi para: "não sei onde"; por um período: "de não sei quanto". O certo, todavia, é que o pobre deixou sua esposa e o emprego na busca de dias melhores.

Como o pobre não sabia para onde ir, começou a caminhar de forma que cada vez se afastava de sua esposa. Foi, portanto, pra dentro de uma floresta que jamais pensaria ir. Lá não se via nenhum morador por perto. Era tudo mato! E, para ajudar na empreitada, mato virgem!

Depois de ter caminhado o suficiente para não mais aguentar de tantas noites sem dormir, Levino encontrou uma grande árvore que tinha debaixo de si um pequeno terreiro. Naquela árvore o pobre sobe para descansar seu corpo. A escolha foi feita temendo animais selvagens. Então, a árvore o acolhe nas suas gripas. Bem no alto se coloca o pobre. No mais alto possível!

O pobre Levino improvisou uma rede com cipó e embira de pau. Fez, assim, o seu aposento e pôs-se a descansar. No entanto, na madrugada ele acorda com algumas vozes, vinda debaixo da árvore. Eram os índios da humanidade.

Estes índios saiam percorrendo, à noite, os povoados e as aldeias em busca das necessidades do povo. Depois reuniam debaixo daquele arbusto para tomarem refeições e partilhar tudo quanto se tinham percebido que faltava às comunidades.

Logo após uma boa refeição, um deles colocou o problema de uma cidade, na qual os povos sofriam de um mal quase que generalizado: pereba.

O povo da cidade, dizia, estava com o corpo em chagas de tanta pereba que se tinha. Porém, o remédio mora bem ao alto da miserável urbe: uma pedra.

Na parte superior da vila havia uma pedra, sob a qual tinha uma fonte. Esta fonte era o remédio daquele povo. Visto que a vila não tinha água. O que se precisava era da união de todo o povo para fazer com que aquela enorme pedra seja rolada e possa a fonte, ganhar os regos que dariam a cada casa.

Do alto da árvore, o Pobre ouvia todo o relato daqueles observadores.

Tendo, os homens da floresta, ido para suas aldeias, o pobre apeia do arbusto e segue na busca pela cidade que a encontra depois de bastante tempo.

Chegando à miserável cidade, Levino visita cada residente e propõe-lhes uma reconciliação entre eles. Dizia que para as chagas dos seus corpos lhes deixarem era preciso haver, na comunidade, união entre todos. Não podia haver ninguém com rixas contra seus irmãos.

A comunidade queria a cura, mas dar o perdão era um mal bem maior que as chagas. No entanto, Levino percebendo que a paz total não era possível neste mundo, ressaltou que os povos deveriam ao menos suportar cada irmão. Nisso, o povo não tiveram objeção.

Em um dia estipulado pelo pobre o povo se reuniram em torno da pedra. Empurraram-lhe! Ela estava imóvel. Nem parecia que tinha gente empurrando-a. Com isso, foi preciso vir as crianças, os anciãos, os aleijados... Em fim, todos os moradores da cidade.

Todos, unidos em uma causa, usando da força máxima que tinha puseram a força à pedra até que ela foi tombada para frente, enquanto a água limpa era jorrada para seus domicílios.

O povo foi se jogando não água, ficando purificados de suas feridas. Quando os povos chegaram às suas moradias se tinham de feridas em suas peles. Assim, a alegria tomou conta da cidade que até então era visto somente como a cidade da doença e da tristeza. A alegria foi tão contagiante que as pessoas esqueciam as rivalidades e as brigas, colocando cada qual a disposição do outro a construção de uma cidade de paz.

A comunidade reuniu para ver como pagar ao pobre Levino. Eles pensavam em pagar com dinheiro, porém não tinham. Com isso, ficou afirmado pelo pobreque o povo desse, o que vai ser justo, de sua própria pobreza.

Nada precisava ser valioso, deveria, sim, ser ofertado de coração livre. Era simplesmente uma forma de o povoado agradecer.

As coisas, todavia, foram entregues com bastante generosidade ao pobre Levino que ele já até pensava em recusar a bondade daqueles antigos miseráveis. Contudo, esses não aceitavam nenhuma recusa.

Um dava um porco; outros tantos ofertavam galinhas, patos, cocas, perus... Tinham também alguns mais abastados que despojavam de vacas, bois, cavalos, jumentos, carneiro, cabras... Ou seja, no ofertório se encontrava de tudo. Os pobres davam da maior alegria possível, ao passo que o bem que tinha ganhado superava tudo quanto fossem bens.

Recebendo tudo isso, Levino agradece aos pobres e se prepara para retornar, antes para sua esposa que para sua casa. Ele sentia uma saudade infindável pela sua esposa que poderia olhar para tudo que se tinha conseguido e tomaria tudo como mórdigo se perdesse o seu amor. Pensava Levino em momentos plácidos...

Então, lá vai o pobre em busca de sua esposa... Levando consigo tudo que ganhou em sua estadia na cidade dos antigos moribundos...

Depois de tempos, eis que o pobre chega a sua s região e vai se aproximando de sua casa, que, por sua vez, parece estar um tanto mudada. Ele, para sua infelicidade, avista sua esposa com um homem de barba comprida ao colo. Olha com mais clareza e conclui que realmente é um homem, o qual recebe carinho de sua esposa na barba. Isso lhe entediou! Pensa em volver para a cidade dos pobres ou ir para qualquer outro lugar. Mas decide que não irá a lugar algum sem antes falar com sua esposa, que tanto confiava e acreditava que ela não seria capaz de lhe trair... Recua-se de novo, pois percebe que sua ideia era aleivosa, visto que seus olhos contemplavam a ocorrência. Enfim, decide regressar, para "onde não se sabe!".

Antes de chegara à sua casa... Ou retornar... Sua esposa lhe avista e corre ao seu encontro deixando o homem sentado, sem entender nada. O pobre lhe acolhe com certa desconfiança. Mas logo a interroga, em ciúmes ou não, a respeito do homem que está em sua casa. A resposta de sua esposa foi chamá-lo pra entrar em casa.

Levado pela mão, o pobre entra em sua casa de forma a não estar convencido de uma não traição. Com isso, ele parte pra cima do homem "de sua esposa". Esta lhe repreende dizendo pra ele ter calma... Tenta explicar. Mas, nada! Então, a sua esposa deu um grande grito fazendo se abrir para um silêncio, de forma que ela pôde explicar.

Ela, em susto, disse: "meu querido esposo, este homem, o qual lhe fere os nervos é nosso filho!".

Estas palavras foram como que um alívio e uma porção da felicidade do pobre, ao passo que aquelas expressões revelaram que sua esposa tinha sido fiel a ele, e que, para completar sua felicidade sua esposa não tinha ficado sozinha todo aquele tempo.

O pobre, fixa lhe o homem de forma paterna, dando-lhe um abraço em forte seguido de um beijo na face. O filho, com efeito, que nunca ganhara um beijo de nenhum homem, percebeu se tratar do seu pai que tão bem falava sua mãe todos os dias.

O filho diz "Mãe..." – mas é interrompido pela mãe que disse em choro: "Meu filho, eis aí teu pai"; e dirigindo ao seu esposo disse pra ele "esse é nosso filho!".

"Então...", diz Levino atropelado por sua esposa que completa... "Sim este é o nosso filho". Ela conta a história dizendo que quando ele saiu para buscar recursos ela ficara grávida, vinda a ganhar o seu amável filho oito meses a partir de sua sida.

O filho se dirige ao pai e diz: "já tenho dezoito anos, papai!". Só agora – naquele instante – Levino percebe o quanto de tempo que ficara fora de casa. "Dezoito anos, meu filho!". Fez. E continuou a conversa.

Conversaram até na manhã seguinte. A conversa girou em torno de: a respeito de tudo.

Levino, com a ajuda do filho, constroem curral e dividem os pastos... Tudo estava em seus devidos ambientes. Chiqueiro foi construído, galinheiro, ampliado...

Depois de um mês de intenso trabalho, Levino vê sua fazenda erigir-se de um nada para o seu trabalho, todas aquelas criações. Aquela fazenda passou ser uma bela pousada que acolhia quem não tinha pra onde ir, ou seja, quem não tinha familiar e também era o lar dos doentes da região.

O pobre não consegue explicar nada daquilo. Senão que se abria sempre mais para a necessidade do outro. Sua esposa, todavia, vem da cozinha dizendo ou chamando: "Levino, meu filho, chegou um enfermo!". Ao ouvir aqueles balbucios seu esposo ficou comovido, porque seu filho tinha o mesmo nome que o seu...No entanto, ali ninguém lhe chamava pelo nome. Sua mãe lhe dirigia sempre com as mesmas palavras: "meu filho" e o povo "filho".

A sua esposa percebendo o espanto de seu marido lhe explica que preferiu colocar o nome do seus filho de "Levino" para nunca esquecer de seu grande amor, caso nunca mais voltasse. Depois desse dia, na fazenda, se dizia: "Levino filho" e "Levino pai".

p obre Levino, continuou fazendo o bem a todos quanto o procurava. Isso fez com que o rico lhe procurasse para ver como ele tinha feito para se enriquecer e continuar humilde!

O rico, na busca de mais riqueza, procurou o pobre Levino, o qual lhe explicou o que fez para que tudo isso lhe acontecesse. Tendo ouvido tudo, o rico sai e quer fazer o mesmo caminho que fizera o pobre.

Estava, com efeito, saindo tudo do jeito que o pobre lhe contara. Até mesmo a árvore foi encontrada pelo rico. Porém, quando os índios chagaram debaixo do arbusto, ao invés de fazer o que sempre fazia, escolham outra opção Um disse para o outro: "em uma época aqui nesta árvore tinha um homem nos ouvindo... E nós demos um presente para ele. Hoje o fato repete, porém em partes, vamos dar também um presente para este homem que se encontra em cima da árvore".

O rico, todavia, ficou todo feliz e respondeu: "Aqui estou". Eles disseram para que viesse receber o presente! Ele ganhou um enorme papo.

Com isso, retorna para sua casa, reclamando de tudo. Encontra a fazenda de porteiras abertas. Entra.

Em casa não é reconhecido. Pois com o presente que recebera ficou irreconhecido. Sua esposa, que era rica, não quis aceitá-lo em casa, nem mesmo depois de ouvir relatar toda a história. Nada convenceu a sua esposa de que aquele homem era seu legítimo esposo! A pressão psicológica foi tanto que ela se enlouqueceu e não deixou ninguém entrar em sua casa.

O rico pobre, sem esposa, fazenda e riqueza, mas com um enorme papo foi acolhido não fazenda do seu Levino, o pobre que a muitos anos trabalhara para o rico ganhando um mísero salário.

Assim, contudo, o pobre Levino ficou sendo o pobre rico e o rico como o rico pobre.

Brasília, o2 de março de 2009 (véspera do meu aniversário – de vinte e cinco anos).