O pequeno caderno verde - IV
Por Raimundo Nonato RODRIGUES | 27/04/2016 | LiteraturaIV
Sem pão e nem dinheiro, apenas esperança de uma terça-feira melhor,que Deus enviasse algo de bom que resolvesse essa penúria financeira..
- Bom dia, meu patrão! - Saúda-me Seu João Caorolho, o pedreiro aposentado do outro lado da avenida indo comprar pão na mesma padaria que compro na esquina da Rua 21.
Na verdade iria aplicar im fiado, o esperto-card e hoje é o dia da Gordinha simpática, mas havia muita gente esperando os pães, fiquei com vergonha e nem encostei, passei batido. No canto, perto dos banheiros do Bar de Dona Jurema na calçada,um cão sarnento dormia enrodilhado de frio, coçava o focinho com as duas patas dianteira. Pedi para Gordinho, filho de Seu Cardoso Puro comprar dois pães, depois ele teve que voltar em casa para apanhar a porta-cedula. Me arrependo, mas o leite esta derramado, che situazione, mio poeta.
- Bom dia! - Disse Dedé,o betoneira na porta da oficina.
O radinho da sinal de fraqueza, troco de pilhas, misturando umas usadas que guardo para essas eventualidades. A verdureira séria com seu carrinho e mas atrás o marido Monsieur Antoine, um pedreiro desempregado puxando seu carrinho de vender polpa de fruta também no mercado.
- Como vai, ça va? Tudo em riba? - Me pergunta sorrindo ao passar.
Gordinho trás os pães e entrega-me a sacola com três.Agradeço-lhe. A loura do outro lado,andando devagar, talvez preocupada. Meu vizinho, Seu Biné tira o carro da garagem, um Gol cinza, ponto 6 - segundo o mecânico Joãozinho. Aproveito a saída e vou encher um litro de agua na fonte dele que fica no terreno das quitinetes da esposa dele. Amenizo um pouco a sujeira no fundo e mudo de roupa.Seu Cominho, o homem das geladeiras trouxe duas grelhas de fogão para soldar.Dedé,o betoneira aproveita para capinar as ervas daninhas que vicejam na calçada e na beira do muro do deposito do pai dele. Bebi um café que Mozaniel, o faz-tudo me ofereceu.Seu Gilbert encheu-me de esperança, perguntou-me enquanto semanas faço as grades, respondi-lhe que em um mês. Talvez na outra semana, dará o dinheiro para comprar os ferros. Vamos aguardar. DR. Jivago morreu de infarto em plena rua no bairro de Presnia em Moscou, quando ia no bonde para o trabalho no Hospital Soldatenskaia. Em vez de perder tempo dormindo depois do almoço,poderia digitar o dicionário russo-português que traduzi do inglês. Uma loura grandona e suada, de calça de malha,protegida do sol por uma sobrinha, deixando o seu lindo e branco pescoço a mostra. Melhorara o meu aprendizado da língua russa.Sei que não vai dar em nada,não mudará o meu destino,mas vou fazer. Ao menos infla o meu ego, fazer o que poucos fazem. Um dia quem sabe,alguém lembrará de mim como o "serralheiro que fez um dicionário russo". O mundo dar muitas voltas,o de baixo sobe e o de cima desce, é como uma arvore de virabrequim. Findo mais uma vez a leitura prazerosa do romance de "Dr. Jivago" do grande poeta e escritor russo Boris Pasternak, Nobel de 1958.
Tarde
Digitei algumas folhas do dicionário, estou na letra Z,das duas até as quatro - cansei-me um pouco e para relaxar nada melhor de que ler um bom Dostoiévski e o encabuloso do subsolo, trouxe também Kerouac e Rodrigues. Minha cunhada varre o terraço, Clarinha brinca ao meu lado, a poesia de Bob Marley.O vocabulário russo é para o meu uso ,é necessário. De um só fôlego li o meu livro "Cronica de Uma Tuberculose Anunciada". Até agora Seu Pietro ainda não chegou do trabalho. A Casa bamba esta no vermelho,o congelador vazio e sem perspectiva. Uma cama box de casal carregado na cabeça por dois indivíduo.
Para passar a noite, nada melhor que viajara pelas estradas americanas, atravessando cidades pequenas e grandes como Chicago ou Detroit rumo a Nova York em companhia dos loucões Sal Paradise e Dean - Perdi as contas de quantas vezes já o li esse clássico da literatura moderna do século XX - eu invejo muito Kerouac, as suas andanças de leste para o oeste e depois transforma-lo na "Bíblia da geração beat" - o primeiro livro que li sua autoria foi "Os Subterrâneos - " (que escreveu em três dias) - confesso que mudou toda a minha concepção arcaica de escrever, abriu em mim novos horizontes literarios -principalmente pela bela apresentação do decano Henry Miller "ele é quente como o inferno" -além dele li "Factotum" do loucão do Bukowski que admiro e e respeito muito e "Pergunte ao Pó" de Jonh Fante -la creme de la creme da boa literatura moderna marginal americana. Um dia os tereis de volta para lê-los e relê-los a vontade, assim como os que nunca pensei tê-los novamente e Deus os me devolveu. O cheiro de barata nas minhas narinas.