Um pensador alemão chamado  Max Weber escreveu sobre o termo “PATRIMONIALISMO”. Antes que me julguem por não ser sociólogo ou historiador, aqui estou falando, em linhas gerais, da semântica (significado) desse termo aplicado ao contexto (pragmático) do seu uso no nosso dia a dia. Não é uma tarefa fácil mostrar de forma simples o sentido dessa palavra. Ainda bem que temos a linguística em sua dimensão. Então vamos encarar essa tarefa e depois dar uma lógica prática para esse conceito.

A palavra “patrimonialismo” vem da expressão “patrimônio”. Junto com o seu sufixo (término da palavra) “...ismo” (que tem origem no latim e do grego, indicando “ação”, movimento) pode ser entendido como o processo de tomar posse de algo que não é seu, para servir de patrimônio; algo particular. As palavras que terminam com essa estrutura, estão no contexto vasto de outras que também indicam “movimento”. Por exemplo, “Nazismo” é um partido liderado por Hitler que na segunda guerra mundial teve uma ação que perseguia opositores e influenciou na morte de mais de 45 milhões de pessoas. Inclusive, uma vez que esse partido tomou posse de uma nação, provocou um patrimonialismo de ideias. Ufa! Definimos o termo, mas não estou ainda satisfeito. Isso porque o termo foi mencionado, mas ainda não aplicado. Veja só. 

O verbo “tornar” aqui é importante para acharmos um sentido maior.  “Tornar algo seu” indica que essa ação, que não deveria ser particular, volta a ser particular. Nesse sentido, de volta a ser de forma errada, pois não deveria ser privado; não deveria servir para uso seu o que é de todos, do coletivo. Vamos entender melhor. Se eu digo “tornar” algo comunicável, mostra também que aquilo não tem muita comunicação e é necessário “voltar a ser” comunicável. Outro exemplo: “Tornar” alguém gentil, pressupõe, dentre outras coisas, que essa pessoa não é gentil, no momento, mas precisaria “voltar a ser”.  Então, nesses pressupostos do verbo “tornar”, observamos linguisticamente um sentido: há uma necessidade para “voltar a ser” porque algo está causando algum problema, algum prejuízo. E para completar, indico talvez uma sentença: só nos preocupamos em tornar algo em outra coisa quando ele é tóxico em nosso ambiente. Acho que o sentido e a razão deste texto começam a aparecer neste momento. 

Pensemos agora o que seria “tomar algo” que é coletivo (de todos) como seu ‘próprio’ patrimônio. No caso de um governante (gestor público), algumas atitudes que precisariam ser de interesse público seriam, assim, usadas para seus próprios interesses. Exemplos não faltam. Muitos fazem provas para serem embaixadores, certo? São muitas fases na vida para alguém alcançar tamanho cargo. E um embaixador é de interesse público? É muito estudo, competência e promoção na vida pública que alguém precisaria ter para essa função. Agora, se um governante de uma nação, por exemplo, colocar o seu filho (interesse particular) para ser embaixador sem passar por uma concorrência com pessoas que tiveram alta competência, é tornar algo de interesse coletivo para favorecer a sua própria família. Logo, isso não é justo. Talvez até desleal.

Será que é cultural, em nosso ambiente, tornar um patrimônio público (para benefício de todos) como se fosse nosso? O problema é esse. Não são apenas os governantes que fazem isso. O patrimonialismo está bem perto de nós, e é tão colado em nossa cultura que quando colocamos, por exemplo, um carro na vaga de idoso, sem nós sermos idosos, estamos aí, desgraçadamente, sendo patrimonialista, porque nos apropriamos de algo que não é nosso, achando ainda que pode ser para nós. Alguém, por exemplo, que quer plantar uma árvore na calçada, achando que é direito de ele ter uma sombra, e tomando, assim, todo este espaço que impede a passagem de pedestre, é uma forma individual, insensível e nojenta de tornar privado algo que deveria ser público. Para quem não sabe da lei, essa prática também é ilegal. Bom, o perigo disso aumenta de forma tóxica e destrutiva quando mexe com a administração de um ambiente coletivo. 

A escolha de uma simples data em um determinado evento para favorecer um grupo pequeno de pessoas que concordam com o administrador e, dessa maneira, não considerar os demais do mesmo espaço também é uma forma de particularizar as suas decisões. Tornar privado algo que deveria ser claro, comunicável e aceito para todos. Isso é um problema porque as decisões nunca são devidamente aceitas, e às vezes, até malconduzidas.  Escutar alguém e ao mesmo tempo ficar olhando para o seu próprio celular, desprezando a oportunidade de ouvir o outro, também pode ser muitas vezes uma forma de ter posse de algo que também seria do outro: a atenção; as novas ideias! Não valorizar o trabalho do outro a não ser aquele que só nos agrade; não dar espaço a novas discussões e debates com medo de não aceitarem o que penso; valorizar apenas o que se faz não alterando o que pode ser melhorado; tudo isso é tomar posse de um direito que nunca terá na prática, porque não é seu, é público. Mas parece que isso é, lamentavelmente, cultural. No sentido negativo. 

E essa situação é uma forma de patrimonialismo no nosso dia a dia. Por ser cultural, está no sangue e nem percebemos. E aí o motivo para muitas confusões! O interesse precisa ser de todos, para todos e com todos. Nunca fugir disso. O problema é que quem tem patrimonialismo não admite que morre em seus próprios atos e desaprovação. Cuidemos disso. 

A nossa fala, ação, conversa, pensamentos, atitudes, decisões no ambiente coletivo não pode, jamais, servir para agradar algum grupo que queremos, ou alguma atividade que desejamos como se tudo fosse nosso patrimônio e servisse para nosso benefício e promoção particular, escondido assim na obscuridade dos atos para não se fazer valer, com total clareza, o que desejamos e, assim, servir para o saudável debate. Isso anula o senso crítico, a discursão e as novas ideias, assim como a melhoria de um espaço cada vez mais saudável. 

Nada pode ser imposto, mas tudo é devidamente considerado; pelo menos em sua normalidade. Seja no campo profissional, familiar e pessoal, este termo “patrimonialismo”, agora com um sentido amplo, em nosso meio, é muito tóxico porque fere o crescimento de nosso espaço; e grave, porque nos anula em sociedade. Quem tem patrimonialismo não sabe qual a sua função em seu meio, nem se conhece e, pior, sobrevive ao invés de viver, porque na vida temos o dever moral de pensar no coletivo, colocando-se sempre no lugar do outro (simpatia), e não morrendo em nossos próprios desejos (antipatia).