O PASSAGEIRO                                   

Belo Horizonte, 30-11-1977

 

Passando por dentro da lama,

Vi vermes que rastejavam sem um destino certo,

Todos perdidos na lama,

Na imensidão negra de um mar de sangue sugas.

Passando por dentro da água vi coloridos peixes,

Lindos e graciosos mas, muito mal informados.

Os peixes nadavam distraídos,

Rodeavam uma grande pedra

Sem saber que ali atrás, estava o tubarão.

 

Tornei por dentro da lama, andando incansavelmente.

De repente olhei para cima e vi o viaduto.

Era como todos os viadutos:

Por cima, carros. Por baixo, escarros.

Passando por dentro do céu, constatei com espanto

Que Deus olhava perdido,

Pois o pavimento tapava a sua visão.

E o viaduto enchia Deus de emoção,

Pensando que tudo ia bem na terra.

 

Então passei pelo centro,

Descentralizado e egocêntrico.

Estava tudo no escuro.

De repente amanheceu.

Com o sol, o dia surgiu não se sabe de onde.

Restava alguém no passeio,

Em volta o sangue coalhado.

Em pouco tiraram-no dali,

Em pouco a lama desapareceu.

Foi a água quem o cobriu.

E tudo voltou ao normal.