RICARDO GUALBERTO ROCHA

 

O PAPEL DO MUNICÍPIO NA SEGURANÇA PÚBLICA

 

Belo Horizonte -MG

Outubro de 2020.

O PAPEL DO MUNICÍPIO NA SEGURANÇA PÚBLICA

 

 

Ricardo Gualberto Rocha ¹

 

RESUMO

A Constituição Federal de 1988 considera a segurança pública um dever de todos e responsabilidade do Estado, ainda assim, a concepção majoritária e que persiste em permanecer, é que a provisão desse serviço é exclusivamente papel dos governos estaduais, através principalmente da polícia militar; o crescimento da violência demonstra, porém, que o Estado não tem alcançado eficiência em suas obrigações constitucionais; a criminalidade alcança índices alarmantes em todo país, o que comprova que o Governo não está no caminho certo quando o assunto é alcançar a tão almejada paz social. Partindo do pressuposto de que uma mudança na atual estrutura da segurança pública é necessária para fortalecer o combate à violência, diversas medidas têm sido adotadas, entre elas, a publicação da lei 13.675 de 2018 que criou o Sistema Único de Segurança Pública e estabelece que segurança pública é dever do Estado e responsabilidade de todos, compreendendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. O código busca eficiência na prevenção da criminalidade e cria um objetivo comum a todos os entes federativos, incluindo definitivamente os municípios no contexto da segurança pública. É indo ao encontro desse ideal que esse artigo pretende avaliar o papel do município como protagonista na área da segurança pública, a partir da análise do trabalho desempenhado pela Guarda Civil Municipal, instituição que representa a principal ferramenta do executivo municipal no campo de discussão. A pesquisa se justifica pela relevância em compreender o papel desempenhado pelo município na preservação da ordem pública. A pesquisa é de caráter bibliográfico, através de pesquisas doutrinárias, em legislações e normas das unidades federativas que demonstram a relevância do papel do município no alcance de uma segurança pública cidadã e efetiva.

Palavras Chave: Guarda Civil Municipal, Município, Segurança Pública.

  

  1. INTRODUÇÃO

 

O aumento da criminalidade em todo país faz com que a segurança pública seja um dos principais temas da atualidade, essa preocupação nacional fez nascer iniciativas na busca de viabilizar uma redução efetiva, tanto nas taxas de crime, como do sentimento de insegurança do cidadão, nessa premissa, o Governo Federal publicou em junho de 2018 a Lei 13.675, criando um Sistema Único de Segurança Publica (SUSP) o objetivo principal foi disciplinar a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, nos termos do artigo 144 da Constituição Federal, visando uma atuação cooperativa, sistêmica e harmônica entre as instituições.

Essas transformações que prometem mudanças na área da Segurança Pública são baseadas na premissa de que a eficácia na prevenção da criminalidade deve estar relacionada a uma relação sólida e positiva entre as instituições de segurança pública, mas para que essa relação funcione de forma eficaz é necessário deixar de lado o sentimento de vaidade que permeia em âmbito estadual, pela idéia de que segurança pública é papel exclusivo da policia militar, é certo que os anos de experiência da instituição deram a ela o papel de protagonista no cenário de combate a criminalidade, mas combater apenas não tem mostrado resultados sólidos, é preciso prevenir e alem disso, criar medidas sociais de combate aos fatores de exclusão social, e o Estado isoladamente não alcançará esse objetivo, pois os problemas sociais nascem dentro das comunidades, ambientes municipais que devem ser trabalhados de forma regional.

Uma vez configurado a presença do município na segurança pública é preciso que analisemos a sua principal ferramenta utilizada para o combate a criminalidade, as instituições guardas municipais que são hoje a estratégia dos chefes de executivo para demonstrar boas práticas em sua atuação política, as guardas municipais, porém, são motivo de longos debates que discutem a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de sua atuação, o Governo, ciente dessa discussão e na busca de estruturar as guardas municipais em uma só filosofia, publicou em agosto de 2014, a Lei 13022,  a qual institui normas gerais para as guardas municipais, incumbindo às mesmas, a função de proteção municipal preventiva, ressalvadas as competências da União, dos Estados e do Distrito Federal.

Ambos os códigos, tanto a Lei 13675 como a Lei 13022 representam para as guardas municipais um marco em sua história, por firmarem a participação dessas instituições no processo de zelar pelo Estado Democrático de Direito.

O presente estudo destaca o papel do município na segurança pública, demonstrando que apesar de ainda existir alguma controvérsia quanto à constitucionalidade da atuação das guardas municipais, a atualidade reforça a concepção de que os municípios e suas guardas municipais possuem um papel fundamental na garantia da paz social; as atuais normas legislativas que se relacional com o assunto, fortalecem essa afirmação

Através da metodologia bibliográfica o estudo analisa dados de pesquisas, mostrando que numa sociedade contemporânea o município possui um papel estratégico na proteção dos direitos sociais, destacando o papel das guardas municipais no desenvolvimento de estratégias adotadas pelo executivo municipal.

A Carta Magna, reconhecendo a importância de todos os entes federativos destacou no corpo do seu texto o papel dos municípios:

De acordo com Constituição Federal (CF) de 1988 é responsabilidade dos municípios, os serviços de interesse local como: saúde, educação, proteção do meio ambiente, do patrimônio histórico e cultural, políticas de desenvolvimento e ordenamento do espaço urbano, sendo essas atribuições indispensáveis para a segurança pública, fazendo que os municípios passem a ser parte integrante ou corresponsável da segurança pública (RICARDO; CARUSO, 2007 p. 102-119),

 

Moraes (1992) afirma que “as Guardas Municipais podem e devem ser incrementados pelos prefeitos inteligentes e comprometidos com o povo”. O presente trabalho de referencial bibliográfica oferece dessa forma, uma reflexão sobre o atual cenário da segurança pública em âmbito municipal.

 

2.DESENVOLVIMENTO

 

 

 2.1 O município na Segurança Pública

Adentrar ao assunto segurança pública, requer na atualidade uma reflexão do papel da sociedade nas políticas desenvolvidas pelo Estado, pois se existe uma discussão a respeito dos altos índices de criminalidade, deve haver também uma discussão da participação popular no processo de reduzir a sensação de insegurança, pois, o cidadão está inserido nesse contexto. Por muitos anos não houve a preocupação em trazer a sociedade para participar do processo da segurança pública, talvez por que a visão anterior à Constituição de 1988 não era democrática, na atualidade porém, o olhar para a sociedade é um olhar de participação popular, aquele que valoriza a comunhão de ideia entre cidadão e Poder Público.

Nesse processo de aproximação da sociedade junto aos órgãos de segurança pública, o município tem um papel fundamental através das suas guardas municipais, para o fortalecimento dessa discussão, é necessário ressaltar como se dá o direito de polícia das guardas municipais. Como não é defeso ou vetado ao Município o poder de polícia já que não é um poder da Polícia Militar, nem da Policia Civil, mas um poder estatal, faculdade da Administração Pública Federal, Estadual ou Municipal, que se exerce por intermédio de agentes do Poder Público, em matérias que sejam próprias, nos parâmetros da lei.

Logo se vê que as autoridades municipais, no interesse soberano da coletividade (já que o fim do serviço público é realizar o bem coletivo), não estão impedidas de utilizar as Guardas Municipais na colaboração com a segurança pública, principalmente devido à deficiência do órgão preventivo e ostensivo do Estado. Afinal, o que vale mais? o interesse desta ou daquela corporação, ou o interesse da coletividade?

Diante das novas demandas de cidadania, há uma discussão sobre o papel desempenhado pelas forças de segurança tradicionais e quais novas práticas de policiamento devem ser criadas para que alcancemos uma sensação plena de paz social, voltando um pouco ao passado, é possível compreender que município e segurança pública já possuíam um laço de proximidade, o que foi interrompido por período de ditadura.

A origem da Polícia está profundamente ligada às cidades, tendo o policiamento municipal a participação direta dos vereadores e dos prefeitos, conhecedores do que é mais útil à comunidade local. Foram os problemas da falta de segurança na cidade de São Paulo que levaram o Governo Carlos de Campos a criar, com a Lei n° 2142, em 22 de outubro de 1926, a Guarda Civil, nos moldes da antiga polícia de Londres, uniformizada, hierarquizada, mas tipicamente civil, para o patrulhamento das ruas e o trato com o público. Aprovada na Capital passou a ser sinônimo de progresso para qualquer cidade do interior o fato de contar com unidades da Guarda Civil. Assim, ela serviu de padrão para outras capitais brasileiras e até para alguns países da América Latina. Mas as Guardas Civis do Brasil foram extintas pelo Decreto-Lei n° 1072, de 30 de dezembro de 1969.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o município foi inserido novamente como um dos responsáveis por criar medidas de prevenção da criminalidade, através da criação de suas guardas municipais. O texto constitucional porem permanece vago, o que favorece discussões sobre a extensão do papel do município no campo da segurança pública. De toda forma, a dificuldade do Estado no combate à violência fez com que o Poder Público abandonasse sua postura rígida e adotasse uma visão mais flexível e estratégica em suas ações, o que permitiu a ampliação das ações das guardas municipais que aos poucos foram rompendo com a visão de atuação unicamente patrimonial para abraçar novos desafios, a partir dos ditames da recente Lei 13022 que instituiu normas gerais destinadas a essas instituições.

Todas essas mudanças, no que se refere ao ente federativo local, ocorreram sem que a Constituição tenha esclarecido qual a dimensão do papel funcional dos municípios na atuação em segurança pública. Elas se deram a partir de comandos infraconstitucionais e, sobretudo, em função de orientações estratégicas de governos. Houve, por esse movimento, diferentes momentos de indução da participação municipal na segurança, tanto através de programação e convênios por parte da União, a partir de acordos de cooperação com Estados, quanto por pressão social, uma vez que o cidadão não faz distinção entre uma ou outra força policial, o que a comunidade deseja é que haja um combate eficaz ao aumento da criminalidade.

A introdução dos municípios na formulação e execução de políticas de prevenção e combate à violência resultou em novas situações de fricção entre os atores, que se veem em um contínuo processo de embate político a fim de tomarem para si as atribuições das demais instituições (COSTA; LIMA, 2014). O que se espera porém, é que, os entes federativos e suas respectivas instituições de segurança pública deixem de lado suas particularidades políticas e reflitam sobre a expressão que os municípios possuem nas questões relacionadas à prevenção da criminalidade em seus respectivos territórios, através de medidas sociais de âmbito local, proporcionando assim uma intervenção mais efetiva nas comunidades.

Não há dúvidas da importância do papel das instituições estaduais de segurança pública no cenário de prevenção à criminalidade, a Constituição Federal concentrou a maior parte das atribuições aos Estados, através das polícias militar e civil, dando a elas as funções de policiamento ostensivo e de polícia judiciária, respectivamente. É certo, porém, que permaneceu vaga a distribuição de funções entre os entes federativos no campo da segurança pública, não havendo, portanto uma regulamentação que permitisse uma visão menos polêmica sobre o assunto.

Abrucio e Franceze (2007) afirmam que o modelo federativo estabelecido pela Constituição de 1988 foi fortemente influenciado pela redemocratização. O período autoritário fora marcado pelo alto grau de centralização de poder, a Constituição baseou seu texto de forma a seguir um caminho oposto do autoritarismo, enxergando na descentralização um fortalecimento da democratização.

Em 2003 o governo federal criou o Projeto Nacional de Segurança Pública, cujo capítulo IV é todo dedicado às reformas na esfera municipal. Isso, segundo Ribeiro e Patrício (2008), representou o momento em que os municípios passaram a dedicar esforços de forma sistêmica à área da segurança.

Essa alteração do papel do município permitiu que as Guardas Municipais ganhassem mais visibilidade no campo da segurança pública, estas instituições passaram a não mais se restringir ao campo patrimonial, ampliando sua atuação nos municípios através do trabalho preventivo de suas ações. Com uma participação maior das guardas municipais dentro dos municípios, foi nascendo uma concepção de policiamento comunitário, o qual representa um contato mais próximo junto ao cidadão.

Nessa perspectiva se insere a filosofia de Polícia Comunitária, ou seja, a Polícia buscando a resolução de conflitos, saindo da postura reativa, só agindo após a ação criminosa, e assumindo uma atitude proativa na prevenção da violência e criminalidade com base nas diretrizes dos Direitos Humanos.

  1. O papel dos municípios na concretização dos direitos humanos

 

Direitos humanos e segurança pública são dois elementos que por muitos anos caminharam em caminhos opostos, principalmente durante a ditadura militar, época de constante abuso para com a dignidade da pessoa humana. Mas vale lembrar, que a Polícia Militar em nosso país foi criada por meio da união da força Pública Estadual com a Guarda Civil, na oportunidade do Golpe de 64, a base do policiamento era, portanto, a repressão.

Na atualidade, porém, a Constituição Federal representa uma forma de esquecer o passado orquestrado pela ditadura militar, Conhecida como Constituição Cidadã, a Carta Mãe aboliu a tortura e o tratamento desumano, o que resta porém, é que o Poder Público defina a real competência de cada ente federativo e crie mecanismos de controle social para que as direitos fundamentais alcancem de forma efetiva todo o povo brasileiro, pois a realidade retratada pela criminalidade  demonstra que mesmo que disfarçada e em menor grau, a infração aos direitos humanos ainda existe.

As competências dos governos municipais, ainda que mal definidas, foram bastante ampliadas, mas quando o assunto é direitos humanos, há uma presença acentuada de muitos desafios, seja por falta de interesse dos chefes dos executivos municipais na criação de políticas públicas de direitos humanos ou por outras desculpas políticas que possam ser apresentadas pelo Poder Público.

Os direitos humanos não são fenômenos, coisas dadas; antes, são legados de lutas históricas. Uma construção erguida por meio de muito sacrifício, sendo competência do poder público como um todo promover a melhoria da qualidade de vida da população por meio das demandas sociais e uma das principais demandas sociais é uma segurança pública que baseie suas ações nos princípios constitucionais, de forma a valorizar os direitos humanos.

Numa visão regional, as guardas municipais representam a força de segurança pública destinada a oferecer à sociedade um tratamento que reflita o compromisso do município com o atendimento de demandas sociais. Dessa forma, ainda que o Poder Público se mostre ineficiente em diversos campos sociais, cabe as instituições policiais garantir que no campo da segurança pública os direitos humanos sejam respeitados.

Por muito tempo não houve harmonia entre os direitos humanos e as práticas policiais, mas o decurso de tempo levou a sociedade a se fazer mais presente nas decisões políticas e atualmente não há como separar os direitos humanos das práticas policiais, pois, essa separação representaria uma crise no Estado, uma vez que romperia com o Estado Democrático de Direito.

A Segurança Pública é uma atividade pertinente aos órgãos estatais e à comunidade como um todo, realizada com o fito de proteger a cidadania, prevenindo e controlando manifestações da criminalidade e violência, garantindo o exercício pleno da cidadania nos limites da lei. Dessa forma, não pode haver numa sociedade contemporânea a ausência dos princípios dos direitos humanos nas práticas policiais. Numa sociedade em que se exerce democracia plena, a segurança pública garante a proteção dos direitos individuais e assegura o pleno exercício da cidadania.

As forças de segurança devem a partir dessa concepção, buscar o aprimoramento contínuo de forma a atender as expectativas da sociedade; nesse contexto, o município carrega igual responsabilidade na atuação da sua guarda municipal, sob esta ótica, é competência das guardas municipais contribuírem na defesa dos direitos fundamentais, almejando assim, a manutenção da paz e da ordem pública.

 

2.3 O potencial do município na governança urbana

 

Disse Borja (1998, p.55), “A cidade é a melhor oportunidade de inovação política. Pela complexidade das políticas públicas que nela se devem integrar, e por uma dimensão que permite uma relação mais direta com a população”. Para o estado da arte dos campos do social e do político e de dimensões tão prementes com o ambiente e a sustentabilidade do planeta; assume óbvia consistência a presente perspectiva, de caráter potencialmente estruturante, de reinvenção da política na cidade, alargando-lhe horizontes, focando-lhe responsabilidades, reestruturando-lhe sistemas, e abrindo-lhe finalmente novas perspectivas de ação e de democracia.

É nas comunidades que eclodem os problemas sociais; o acesso à moradia com as devidas condições de infraestrutura como saneamento ambiental, asfalto e iluminação não atinge todas as camadas da população brasileira, o que permite cada vez mais o surgimento e ampliação de favelas desprovidas de serviços públicos. Outro agravante são as pessoas que não conseguem obter renda suficiente para ser destinada à habitação, e acabam utilizando as ruas da cidade como espaço de moradia, aumentando assim o número de pessoas em situação de vulnerabilidade.

Os municípios enfrentam na atualidade um grande desafio perante os diversos campos da sociedade que clamam por mais atenção do Poder Público, diversos fatores, como exclusão social, marginalidade, pobre extrema e desigualdade social colocam os municípios como palco de reivindicações; na segurança pública as dificuldades não são diferentes, os altos índices de marginalidade em todos os centros urbanos do país chamam a atenção de toda a sociedade, o que requer do Poder público maior eficiência.

É por estas linhas, e perante a magnitude da complexidade dos atuais desafios enfrentados pelas cidades, que se coloca como particularmente necessária a construção de uma base conceitual mais consolidada, em que órgãos de segurança pública e sociedade fortaleçam uma aliança, pois o Poder Público sem o apoio da sociedade não conseguirá fortalecer suas ações, para isso será preciso mudar um paradigma histórico, recolocando polícia e cidadão como partes que caminham para um mesmo objetivo e não mais como partes opostas, cultura que predominou numa época de ditadura militar, mas que ainda conserva um reflexo no comportamento das policias tradicionais.

Nesse contexto, as guardas municipais têm a oportunidade de servirem a sociedade como instrumentos de mudança cultural, o policiamento municipal é hoje a melhor alternativa para que a segurança pública alcance com eficiência seus objetivos institucionais. O policiamento comunitário tem sido implementado em diversos países do mundo como uma forma de modificação do modelo tradicional para um modelo de polícia cidadã, com o objetivo de aproximar a polícia e o cidadão para que juntos possam resolver os problemas locais da comunidade

O fato das guardas municipais serem de âmbito municipal restringe o seu trabalho nos limites do município, diferentemente da polícia militar que tem caráter estadual, mas longe de ser um obstáculo, a municipalidade das guardas municipais permite que essas corporações consigam acompanhar de perto a realidade das comunidades, é nos municípios que os problemas de eclodem e ali, bem perto da comunidade que o guarda municipal se faz presente, conhecendo de perto a realidade do munícipe, seus problemas e seus anseios; essa aproximação rompe com a trajetória de uma polícia estadual que age com o excesso de força e esquece que prevenir é melhor do que usar a violência depois que a criminalidade já expôs a sua face; é preciso agir antes que o crime aconteça, mas para isso, é preciso prevenir e criar ações que permitam uma maior aproximação da sociedade para com a força policial, essa é a característica das guardas municipais, um serviço de segurança pública municipal que valoriza a regionalidade e a aproximação entre polícia e cidadão.

Boa governança decorre de um conjunto de condições políticas favoráveis nas quais as pessoas têm o direito de votar, exercer fiscalização e buscar compensações por parte dos políticos e dirigentes, de forma que os problemas locais sejam sanados e ações sociais sejam criadas para garantir um Estado Democrático de Direito. No campo da segurança pública, o executivo municipal deve direcionar seu olhar na busca constante da redução da criminalidade, para que as comunidades locais gozem de uma sensação de segurança, os desafios nesse campo não são menores, pois os altos índices da criminalidade demonstram que há muito que fazer para solucionar essa problemática social.

Os municípios, que já estão com problemas sociais acumulados há décadas, constituíram-se o principal cenário da crise social refletida no aumento das favelas, da violência e da criminalidade urbana e no surgimento de novos fenômenos urbanos como a privatização de espaços públicos e o isolamento social de determinados segmentos da sociedade como forma de distanciamento dos setores populares. (CALDEIRA, 1997)

Uma tendência que caracteriza tanto as concepções da boa governança como da governança participativa é a crescente ênfase dada à necessidade de aumentar o grau de interação dos diversos atores sociais, o que se faz necessário “para enfrentar um ambiente de turbulências e incertezas” (Loiola & Moura, 1997, p. 58). Conforme a concepção da ‘governança interativa’ (Kooiman, 2002), os gestores públicos devem, portanto, não preocupar-se apenas em mobilizar toda a estrutura pública para o alcance da eficiência, é preciso introduzir também a sociedade como personagem ativa, de forma que cada cidadão se sinta responsável pelas mazelas sociais.

Essa nova forma de governança, em que há uma interação entre sociedade e Poder Público, favorecem as ações de redução da criminalidade; por muitos anos a relação do cidadão com o policial se manteve prejudicada, mas o momento atual requer um novo tipo de relacionamento entre esses dois personagens, de forma que a aproximação com a sociedade traga uma nova concepção de policiamento. Esse modelo inovador de participação comunitária demonstra um potencial significativo de valorização do conhecimento local em processos de governança urbana, quando o cidadão se sente inserido nos processos sociais a tendência é que ele se sinta também responsável pelos problemas de sua comunidade.

Para que o município tenha sucesso em sua gestão no campo da segurança pública, é necessário que os problemas enfrentados pela sociedade sejam sanados de forma efetiva, para isso, não basta o aumento de estudos referente ao tema ou o lançamento de ações que permanecem no papel, a sociedade clama por uma política pública que entenda seus anseios e suas dificuldades e crie medidas que sejam concretizadas e não apenas idealizadas. De fato, a demanda maior da sociedade é por práticas e não por documentos, normas ou planos. A Governança é direcionada por orientações ou códigos, contudo, o seu verdadeiro legado está nas boas práticas

Consciente da necessidade de desenvolver a governança no âmbito da segurança pública brasileira, o TCU (BRASIL, 2014a) fez o primeiro levantamento de governança de segurança pública, cujo documento final foi consolidado em 2014, com dados levantados em 2013. De fato, muito embora o documento faça alusão à segurança pública brasileira, o levantamento fez referência ao levantamento do tema em nível estadual, sob a responsabilidade da SENASP, cujo o âmbito de atuação se refere às polícias militares e civis, todas estaduais.

A ausência de estudos referente à segurança pública municipal, justificada pela ampla discussão em relação ao papel do município na segurança pública, dificulta uma análise global dos municípios brasileiros sobre a criação de políticas locais direcionadas à redução da criminalidade, ainda que exista essa dificuldade, o município deverá buscar incrementar suas guardas municipais e direcionar suas ações na área, de forma que seu papel seja reconhecido pela sociedade, nesse viés, as instituições guardas municipais tem um grande desafio, o de se manterem firmes no propósito de se tornarem um referencial num modelo contemporâneo de segurança pública.

A sociedade brasileira há muito tempo demanda um combate à criminalidade, de tal forma que se concretize a paz social. Um dos caminhos para essa mudança é a adoção de boas práticas de governança, que se concretizem e que convirjam para uma prestação adequada de serviços e de promoção à segurança de todos.

Não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, a segurança pública, a saúde e a educação integram a base das políticas governamentais de caráter social (MONTEIRO et al, 2014). Em âmbito municipal, o chefe do executivo, deve direcionar um olhar mais estratégico para o fortalecimento de suas ações, o que se faz urgente porém, é criar mecanismo que crie prosperidade das instituições de segurança pública municipais, para que tais instituições consigam desenvolver uma filosofia de policiamento comunitário sem ter que preocupar-se tanto com a vaidade de órgãos estaduais.

A governança no setor público, conforme pondera Matias-Pereira (2010) compreende o sistema que determina o equilíbrio de poder entre todos os envolvidos numa estrutura de governo, de nação, a exemplo dos governantes, gestores, servidores, cidadãos, de tal sorte que se privilegie o bem comum, em detrimento dos interesses pessoais ou de grupos específicos sobre os demais partícipes.

2.4 O município e o policiamento comunitário

 

Ainda  que enfrentando o obstáculo que foi gerado pela subjetividade contida no artigo 144 da Constituição Federal, as Guardas Municipais tem ganhado espaço na esfera da segurança pública com repercussão nacional, como a publicação da Lei Federal 13.022 e a publicação do Livro Azul das Guardas Municipais lançado recentemente pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, ambas as conquistas fortalecem a segurança pública em âmbito municipal.

Aos poucos o Estado vai se aproximando da sua função constitucional e nessa busca de eficiência o Poder Público vai reconhecendo que para a sociedade não há distinção entre essa ou aquela corporação, o que se espera é eficiência e eficácia na prevenção da criminalidade.

Para que haja uma mudança positiva no campo da segurança pública é necessário que a sociedade se veja inserida nesse processo. Conforme descreve Soares (2006) A eficácia e eficiência no trabalho do agente de segurança pública na prevenção do crime e produção de segurança estão relacionadas à existência de um elo positivo entre a polícia e a sociedade, respeitando sempre os princípios dos Direitos Humanos. Os modelos tradicionais de policiamento se revelam limitados na prevenção ao crime, tendo em vista que muitas vezes a postura de um policial que tem como base o uso da força contribui para aumentar os níveis de tenção e descrença entre policiais e cidadãos

Nesse viés, o tema polícia comunitária surge como uma estratégia organizacional que pode proporcionar um trabalho mais eficaz, uma parceria entre a população e a polícia, baseada na premissa que tanto a polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas; em tempos modernos, onde a globalização trouxe novas formas de socialização, não é mais admitido um conceito atrasado de policiamento, é preciso inovação que faça com que as forças de segurança pública acompanhem o novo cenário social.

Honorato (2006) descreve ainda que, podemos elaborar formas mais democráticas de intervenção social, que sejam capazes de romper com o círculo vicioso da brutalidade. A ditadura militar impactou na cultura policial, ainda que a época seja de valorização aos direitos humanos e da democracia, restam respingos daquela época na conduta de alguns policiais, o que resultou em um afastamento da sociedade diante de um policiamento baseado na repressão e não no diálogo e prevenção. É nesse ponto que o município deve concretizar a sua participação na segurança pública, fortalecendo um novo ambiente organizacional das instituições que são responsáveis pela ordem pública.

Dessa forma, uma nova filosofia organizacional no âmbito interno das policias existentes se faz necessário e as guardas municipais são para os municípios as ferramentas que podem contribuir nesse processo de mudança e de implantação de uma nova cultura na política de segurança pública.

Ao município cabe, portanto, fortalecer as instituições de segurança pública municipal para que essas consigam atuar junto à população com um policiamento que valorize a prevenção primária, características das guardas municipais, que nasceram com um ideal de exercer a segurança pública de uma forma mais humana e mais cidadã, onde o contato com o cidadão seja baseado nos princípios constitucionais e não em ações de excesso ou abuso de poder. Em uma sociedade contemporânea não há mais espaço para o rompimento do laço entre os direitos humanos e as atividades policiais, é preciso sintonia entre ambos, de forma que o papel do município na segurança pública reflita a busca constante da excelência no serviço público.

 

 

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Os estudos que debatem a competência dos municípios no campo da segurança pública evidenciam que a Constituição deixou vago seu texto que dispõe sobre o tema, o que favoreceu uma constante contestação do papel das guardas municipais. O que se conclui nesse aspecto é que numa sociedade onde a criminalidade alcança índices alarmantes, em que o Estado não consegue isoladamente garantir a paz social, quanto mais auxilio melhor, a vaidade porem faz com que as necessidades sociais sejam esquecidas, pois há uma supervalorização dos interesses políticos.

Mesmo com toda a barreira cultural existente em nosso país, a Carta Mãe reservou em seu artigo 144 parágrafo 8º, a participação dos municípios na seara da segurança pública, através da criação facultativa das suas guardas municipais; o Poder Público numa forma de responder aos anseios da sociedade reconheceu esse espaço dado pelos constituintes aos municípios e vai aos poucos tornando-se mais flexível, abrindo espaço e incentivando a participação dos entes federativos municipais no processo de redução da criminalidade, o que se compreende com isso, é que as instituições guardas municipais mesmo que de forma não igualitária, uma vez que cada município vive suas particularidades políticas e administrativas, vão rompendo as barreiras existentes, a maior delas, porém, parece ser uma mudança de cultura de mentes que se estacionou numa época que antecedeu a Constituição de 1988.

Esse artigo procurou contribuir para o debate do papel dos municípios na segurança pública, ressaltando que o cidadão, maior cliente da Constituição Federal, tem um rol de direitos que devem ser respeitados e que de forma isolada nenhum ente federativo conseguirá reduzir os índices de criminalidade, é preciso para isso, a comunhão de ideias e o fortalecimento em conjunto dos órgãos de segurança pública, passos estão sendo dados nesse sentido, como a publicação da Lei 13675 que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública, trazendo a introdução das guardas municipais como parte integrante dessa premissa.

O estudo mostrou que segurança pública se faz com descentralização, compartilhamento e regionalidade, fatores importantes numa sociedade contemporânea; nesse viés, a pesquisa demonstrou que o policiamento comunitário é a principal ferramenta do município que busca um novo cenário social, em que a sociedade esteja interligada estrategicamente no processo de segurança pública.

Compreende-se que o presente artigo alcançou seus objetivos, levando a uma reflexão do atual cenário da segurança pública, fortalecendo o papel dos municípios e das guardas municipais na constante busca de inibir e prevenir a criminalidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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