Ana Beatriz Viana Pinto[2]

Humberto Oliveira[3]

  • DESCRIÇÃO DO CASO 

TEUTO EMPREENDIMENTOS LTDA iniciou suas atividades no mercado brasileiro em 1863, no ramo de material esportivo. Após a mudança do controle dos negócios para a terceira geração da família WHEISSFURDHER, os credores requereram a falência em 1999, que foi decretada no mesmo ano. Com a arrecadação e venda dos bens, registrou-se dinheiro em caixa e iniciou-se o pagamento dos credores. ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS resolveu impugnar o Quadro Geral de Credores para reformular a classificação do seu crédito para a classe de trabalhistas.

Isto posto, questiona-se: é possível a reformulação da ordem de pagamento dos credores de modo que  o crédito de ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS  estabeleça-se como prioritário?

  • IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
    • DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS

2.1.1 É possível reformular a classificação do crédito de ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS para a classe de créditos trabalhistas.

2.1.2 Não é possível reformular a classificação do crédito de ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS para a classe de créditos trabalhistas.

 – Argumentos capazes de fundamentar cada decisão

    • É possível reformular a classificação do crédito de ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS para a classe de créditos trabalhistas.

O processo de falência inicia-se com uma sentença. Trata-se da sentença declaratória de falência, cujo os efeitos principais são o impedimento da continuidade das atividades empresariais e a perda do devedor do poder de dispor e administrar os seus bens. É que, com a decretação da falência esses bens são arrecadados para solver os créditos e passam a compor a massa falida objetiva.

A sentença declaratória de falência deve ser publicada em edital, e os credores possuem 15 dias a partir da publicação para habilitar os seus respectivos créditos, devendo constar na habilitação o nome completo do credor, endereço, o valor do crédito e a sua classificação. Após 45 dias do fim deste prazo o administrador judicial publica edital com a relação dos credores, formando-se, desta forma, a massa falida subjetiva. No entanto, a legislação falimentar prevê a possibilidade de, no prazo de 10 dias, contados da publicação da relação, os credores e demais legitimados impugnarem os créditos, ou seja, questioná-los quanto à sua legitimidade, importância ou classificação, nos termos do artigo 8º da Lei de Falência.

Contudo, quanto aos créditos trabalhistas, é necessário imenso cuidado, sobretudo quando trata-se de impugnação que requer a reclassificação de um crédito para esta classe, visto que esta classe é privilegiada, e possui preferência na ordem de pagamento. No caso em questão, ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS pretende alcançar esta reclassificação, por possuir crédito quanto aos seus honorários, que julga ser de natureza trabalhista. A impugnação merece ser deferida. Vejamos.

O Decreto Lei 7.611/1945, revogado pela Lei 11.101/2005, previa a ordem de pagamento na falência da seguinte forma:

   Art. 102. Ressalvada, a partir de 2 de janeiro de 1958, a preferência dos créditos dos empregados, por salários e indenizações trabalhistas, sobre cuja legitimidade não haja dúvida, ou, quando houver, em conformidade com a decisão que for proferida na Justiça do Trabalho, e, depois deles, a preferência dos credores por encargos ou dívidas da massa(art. 124), a classificação dos créditos, na falência, obedece à seguinte ordem:

   I - créditos com direitos reais de garantia;

  II - créditos com privilégio especial sobre determinados bens;

 III - créditos com privilégio geral;

 IV - créditos quirografários. – grifo nosso

Embora o decreto já tenha sido revogado pela Lei de Falências de 2005, a ordem de preferência no pagamento da falência, no que tange os créditos trabalhistas, foi mantida, de modo que, embora com algumas alterações, em ambas as legislações estes créditos possuem preferência.

Não foi por acaso que a legislação falimentar estabeleceu este privilégio, há uma finalidade por traz da norma, uma razão de ser, que é proteger o trabalhador credor do salário em razão do caráter alimentar que esta verba possui, visto ser necessária para a garantia de subsistência. Explica o autor Maurício Delgado (2005) que os salários merecem garantias diversificadas em virtude da sua natureza alimentar, que visa atender às necessidades do ser humano. Ora, e qual a finalidade dos honorários se não atender às necessidades dos advogados, servindo, do mesmo modo que os salários, para a subsistência?  Neste sentido o Ministro Humberto Gomes de Barros no REsp  706.331/PR, proferiu o seu voto:

Os honorários são a remuneração do advogado e - por isso - sua fonte de alimentos. Não vejo como se possa negar essa realidade. (...) De fato, assim como o salário está para o empregado e os vencimentos para servidores públicos, os honorários são a fonte alimentar dos causídicos. Tratá-los diferentemente é agredir o cânone constitucional da igualdade. 

Da mesma forma concluiu o Ministro Carlos Velloso no julgamento do RE nº 146.318-0, acolhido por unanimidade: 

Embora a honorária não tenha a natureza jurídica do salário, dele não se distingue em sua finalidade, que é a mesma. A honorária é, em suma, um salário ad honorem pela nobreza do serviço prestado. Tem, portanto, caráter alimentar, porque os profissionais liberais dele se utilizam para sua mantença e de seu escritório ou consultório.

Deste modo, entende-se que os honorários, embora não sejam iguais, devem ser equiparados ao salário, uma vez que possuem o mesmo caráter alimentar, devendo, deste modo, gozar da mesma proteção. Ademais, o Estatuto da OAB estabelece que os honorários fixados por decisão judicial são título executivo, e na falência, constituem crédito privilegiado. Prevê o artigo 24:

Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.

Isto posto, considerando a natureza alimentar dos honorários advocatícios bem como a previsão do Estatuto da OAB que os estabelecem como créditos privilegiados na falência, é forçoso concluir que é possível a impugnação para a reclassificação desse crédito para a sua correta classe, qual seja, a trabalhista.

  • Não é possível reformular a classificação do crédito de ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS para a classe de créditos trabalhistas. 

Tem se firmado entendimento na doutrina na jurisprudência acerca do reconhecimento do caráter alimentar dos honorários advocatícios. Todavia, explicam os julgados que rejeitam as impugnações de reclassificação dos honorários para a classe trabalhista, a natureza alimentar destas verbas não permitem sua equiparação à salário. É que, se por um lado, a não equiparação dos honorários aos salários, fere o princípio da isonomia, em razão da igualdade da natureza das verbas, também revela-se grave violação à este princípio considerar os honorários devidos aos advogados como crédito trabalhista, e não o fazer com as remunerações devidas aos demais profissionais liberais.

Ademais, quanto ao artigo 24 do Estatuto da OAB, embora o dispositivo estabeleça que os honorários advocatícios constituem crédito privilegiado na falência, o privilegio mencionado deve ser entendido como geral. Explica o autor Amador Paes de Almeida (2007) que quando a legislação não especifica qual o tipo de privilégio, deve-se o considerar como privilégio geral. Aduz a jurisprudência:

O privilégio especial que cerca os créditos de natureza trabalhista, conforme previsto no art. 102, caput, da Lei de Quebras não se estende aos créditos decorrentes de honorários advocatícios. Ao art. 24 do Estatuto da OAB não pode ser conferida uma extensão nele não prevista expressamente, eis que referida disposição, ao emprestar ao crédito de honorários profissionais natureza privilegiada, refere-se a privilégio geral, enquadrável no art. 102, III, do diploma falitário. Honorário advocatícios não são confundíveis com salários. Salário é a remuneração paga, a qualquer título, pela prestação de serviços não eventuais, dentro de uma relação de subordinação àquele a quem são eles prestados, o que não ocorre referentemente aos profissionais liberais que executam serviços técnicos, em caráter eventual, sem qualquer subordinação hierárquica ao seu cliente. (TJ-SC - AC: 480433 SC 2006.048043-3, Relator: Sérgio Izidoro Heil, Data de Julgamento: 24/01/2008, Segunda Câmara de Direito Comercial, Data de Publicação: Apelação Cível n. , de São Bento do Sul) – grifo nosso

Para corroborar este posicionamento, há ainda o artigo 186 do Código Tributário Nacional, que estabelece que o “crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho”. Neste sentido, posicionou-se o Ministro Massami Uyeda:

No mais, embora o Superior Tribunal de Justiça já tenha firmado entendimento no sentido da natureza alimentar dos créditos decorrentes de honorários advocatícios, sejam os contratuais, sejam os sucumbenciais ,é certo que aqueles não são equiparados aos créditos trabalhistas, razão pela qual eles não têm preferência diante do crédito fiscal no concurso de credores. Referido posicionamento justifica-se pelo fato de que o art. 24 da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil), como norma ordinária, não pode se sobrepor ao art. 186 do Código Tributário Nacional, que tem status de Lei Complementar.( REsp 939.577-RS, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 3/5/2011.)

Em razão dos argumentos acimas expostos, tem-se que, a impugnação de ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS não deve ser admitida, sob pena de violação ao princípio do par conditio creditorum, uma vez que notoriamente não se trata de crédito de natureza trabalhista, e admitir a injusta impugnação para conceder indevido privilégio aos honorários implicaria em tratamento desigual aos credores.

É possível encontrar julgados anteriores e posteriores à Lei de Falência com este entendimento, visto que, como já citado, à época do Decreto Lei, já havia tal discussão. A exemplo, recente jurisprudência:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. RELAÇÃO DE CREDORES. IMPUGNAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NATUREZA. CLASSIFICAÇÃO. CRÉDITOS TRABALHISTAS: EQUIPARAÇÃO. DESCABIMENTO. CATEGORIA: CRÉDITO COM PRIVILÉGIO GERAL. JURISPRUDÊNCIA. DOUTRINA. I) ¿Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum¿ (art. 5º, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). II)

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