O ontem se foi, o amanhã virá. Vivamos o hoje 

         Há registros bem fundamentados que somos produtos do passado. Que somos a soma das experiências no plano físico e, em algumas sociedades doutrinárias, somos a soma e experiências de muitas outras vidas. Dessa forma, trazemos em nossos comportamentos exemplos herdados de outras gerações que, no seu tempo, agiram dessa ou daquela forma, porque era o ideal para aquele momento. Daí os conflitos de valores, choques de gerações, impactos de concepções, impossibilidade de entendimento e equilíbrio. Apegar-se ao passado pode caracterizar-se como ultrapassado, “carta fora do baralho”.

        O passado deve existir como mapa de experiências, referências que servem de base para o momento presente. Não dá para desprezar o que deu certo por medo de errar; mas é preciso valorizar não o que deu certo, porque era o  certo, mas porque é o certo devidamente conectado com o agora. O futuro, igualmente, não existe no presente, ele ainda será. Dessa forma, prender-se ao passado é projetar-se no futuro, cheio de ansiedades e medos; inseguranças frustrações que disseminam temores por viver, agir e prosseguir em busca de realizações. Esse comportamento  nos leva a fugir do presente e pode até mesmo nos tornar indiferentes aos resultados de atitudes que caracterizam o homem moderno como sendo irresponsáveis pelo que está acontecendo.

         Se a cada um cabe compreender o seu tempo, se cada sociedade se estabelece, floresce e perece, o indivíduo não pode se perder em questões que definiram outras experiências. Não se pode sofrer pelo que passou, nem se pode antecipar o que está no porvir. Imperioso se faz, pensar no amanhã, refletir sobre o passado, mas viver o presente. Afinal, em se referindo ao passado, o que valeu a pena está escrito? O que é difícil, mas necessário é aprender a ler o que foi escrito no passado. Após uma grande guerra, uma devastadora peste, grandes acidentes naturais como enchentes, sempre aos que restaram cabe reconstruir o que ainda é possível. O estrago oferece subsídios para uma acurada análise ente o que restou e o que é possível fazer para reorganizar  o prosseguimento de uma espécie que resiste ao tempo, aos desafios sempre buscando encontrar caminhos que o fortaleça. Assim foi a fuga dos Hebreus, do Egito, em busca da Terra prometida. Está escrito: “A terra prometida é o coração do homem. Já que a semeadura não é obrigatória, mas a colheita é inevitável. A colheita é o produto do trabalho. A depender da condução desse trabalho tem-se uma previsão da qualidade a fim de assegurar

        Atualizando a realidade que vivemos no pós pandemia SARS-COV (COVID-19), não ficamos distantes da realidade do caos de um pós-guerra. Isso porque, durante os anos de 2020,21 e 22, foi quase impossível à sociedade semear lições, semear exemplos, semear hábitos, semear valores que ao longo de muitos nortearam os rumos da formação familiar, social, educacional e escolar. Aos pais, responsáveis naturais pela formação das crianças na sua fase mais importante da vida: construção de valores vivenciados no seio da família, como laboratório da vida, coube o desafio que não poderia se transformar em problemas. Quando os desafios deixam pontas soltas, leia-se, semeadura, inevitavelmente. Viram problemas gravíssimos.

        Após essa experiência, pais a trabalhar, eram forçados a deixar as crianças em casa, em nome de uma preservação contra o vírus letal, restando a essas, celulares e computadores que, invariavelmente se tornaram “muletas” para quem mais precisava de limites, comando, direcionamento, apoio e orientações. Aos poucos, o espaço se tornou sufocante para esses pequenos que perderam todos os contatos com a disciplina, a ordem e o respeito pelos valores que norteavam a sociedade, antes desse prejudicial evento. A escola, segundo espaço efetivamente destinado à formação, estava lá, cheia de limites, regras e cuidados para que a infecção de novos paciente fosse controlada, recebe, de braços abertos, o que foi semeado de forma “arranjada” como cada família pôde. Em algumas escolas estava montado todo um esquema de segurança, máscara higienização, cuidados e orientações,  na verdade, muitas se empenharam nesse sentido  com sucesso, afinal era preciso acolher aqueles que saiam de um “retiro” forçado  em nome da própria vida.

          Daí decorrem os conflitos: crianças habituadas a desobedecer porque tinha esquecido de obedecer; habituadas a desafiar, porque viram isso nas redes sociais; habituadas a ignorar quaisquer limites pela liberalidade com que agiram durante a pandemia que ainda não tinha sido resolvida. A fatura chega. Enquanto isso, a família espera que a escola minimize o peso de uma convivência conflituosa; a escola, pelo seu turno, recorre à família para um ajuste que nem sempre acontece, exatamente porque as crianças, são colheita plantada pelas famílias que, mesmo sabendo que a semeadura da formação não fora adequada, tem que assumir e encontrar soluções.

           Emocionalmente insegura, a criança precisa atribuir a algo ou a alguém, a responsabilidade pelo estado em que se encontra. Quem tem condições, busca ajuda profissional de especialistas como psicólogos, analistas, terapeutas, psiquiatras para refazer a rota de orientação pessoal e social. Os que não têm, que são a grande maioria,  ficam desnorteados, sem escola, sem orientação, sema base familiar... serão pessoas que conviverão com os que foram reconduzidos aos valores que imprimem disciplina, educação, escolarização e trabalho, em nome da vida. Temer o amanhã, nos torna ansiosos. A ansiedade é uma característica do ser humano que antecede momentos de perigo real ou imaginário. Com o quadro social que o mundo vive atualmente, se torna inviável fugir da sensação de insegurança em todos vivem, em todos os sentidos como segurança, qualidade de vida, educação de qualidade, saúde ao alcance de todos, expectativa de harmonia e paz social. Ter medo do futuro provoca ansiedade. O termo ansiedade está relacionado à palavra medo, a pessoa passa a ter medo de errar quando da realização de diferentes tarefas, sem mesmo chegar a tentar. O medo do futuro, que nos torna ansiosos, é a terceira armadilha que trava nossos bons propósitos, dificultando o acesso a uma vida mais feliz.

         Assim se vive na conjuntura que tem como eixos a sociedade, a família, a criança, a escola, a educação e o futuro de todos. Deixando de viver o presente, que é o inestimável presente que a vida nos proporciona. A razão pela qual nós sofremos é o desejo fora de hora, o hábito de estar sempre querendo antecipar o futuro, querendo mais e mais, ou de estar relembrando o passado, sem nunca aproveitar o momento presente. Queremos que os filhos sejam profissionais brilhantes em um futuro próximo, não importa que pessoas foram plantadas, cuidadas, formadas para serem felizes, no seu tempo presente. Queremos que eles sejam intocáveis em suas atitudes, mesmos que essas venham a ferir quaisquer princípios que signifiquem limites e condições. Para não fugir às analogias habitualmente usadas para ilustrar de forma lúdica o tema abordado, sigamos:

         Consta que um habilidoso pescador, deixando de lado sua rigorosa rotina, não providenciou o material necessário ao seu trabalho, mas mesmo assim seguiu para mais um dia  de trabalho. Em lá chegando, procurou o anzol, o encontrou. Mexeu na sua caixa de equipamentos, encontrou os anzóis, se dirigiu ao mar e lançou o anzol ao mar.. Esperou e nada, curioso puxou a vara e percebeu que não tinha pescado nada porque não colocara a isca.Procura daqui, procura dali e, nada. Se nunca estamos satisfeitos com o momento de agora, estamos sempre querendo alguma outra coisa, e essa é a principal causa do sofrimento. Como pescar sem isca? De repente, uma “malandra” saída: pegou um pedaço de papel, escreveu “i-s-c-a” e jogou o anzol. Esperou um pouco e insconscientemente sentiu que pegara um peixe. Satisfeito, puxou a vara, olhou para o fim da linha e viu uma pedra onde estava escrito “p-e-i-x-e”... Que explicação o pescador obteve para a sua “colheita” que o frustrou? 

        Nesse recorte, formulam-se as seguintes hipóteses: primeira: o pescador colheu o que plantou, no caso, a tentativa de enganar os peixes, seriam os pais de hoje? Segunda, a pseudo-isca seria a criança pseudo-formada? Terceira, teria sido o pseudo-peixe que respondeu com a escrita do seu nome, a escola que devolveu ao responsável, a pseudo-pessoa que lhe foi confiada? Quarta, a sociedade como resolverá os seus problemas de abastecimento “de peixe”, leia-se  “de alimentos” para todos? Acreditar no potencial que todos têm para recuperar o tempo perdido é acreditar que o tempo é a nossa preciosa arma: Lembrar do passado salvando os valores que foram transmitidos pelos seus pais; Viver cada momento do presente, entendendo que “ viver não é apenas existir” e procurarmos entender que não transformamos pessoas, mas precisamos aprender a ensiná-las a se transformar, para transformar o mundo.

  • Sebastião Maciel Costa