O Narcisismo e a Proliferação do Self à Luz da Sociedade do Espetáculo de Gui Debord

Por António Teca Dicondele | 28/09/2021 | Filosofia

O Narcisismo e a Proliferação do Self à Luz da Sociedade do Espetáculo de Gui Debord

 

 

António Teca Dicondele[1]

 

Resumo: o presente artigo é uma reflexão à luz da obra “a sociedade do espectáculo” do filósofo francês Gui Debord, nela procurará fazer-se uma tentativa de compreender até que ponto o comportamento hipnótico está instalado em nosso ser. Não sendo uma reflexão ancorada apenas no autor julgamos também pertinente espreitar a crítica cultural de outros pensadores como é o caso de Adorno, Mc Luhan, etc. Ora, o hipnotismo que hoje se parece a um simples dado meramente psicológico ganhou raízes mais profundas na linguagem, no discurso e nos mass média. Portanto, esta crítica remota é a chave onde está assente a obra do autor supracitado. Para ele, o espetáculo é afirmação da aparência e afirmação de toda vida humana, socialmente falando, como simples aparência.

Palavras-chave: Debord, espetáculo, hipnose, aparência, narcismo.

Zusammenfassung: dieser Artikel ist eine Reflexion im Lichte der Arbeit„ Die Gesellschaft des Spektakels“ des französischen Philosophen Gui Debord, in der versucht wird zu verstehen, inwieweit hypnotisches Verhalten in unserem Wesen installiert ist. Als nicht nur im Autor verankerte Reflexion halten wir auch einen Blick auf die Kulturkritik anderer Denker wie Adorno, Mc Luhan etc. Nun hat die Hypnose, die heute eine rein psychologische Tatsache zu sein scheint, tiefere Wurzeln in Sprache, Sprache und Massenmedien gefunden. Daher ist diese entfernte Kritik der Schlüssel, auf dem die Arbeit des oben genannten Autors basiert. Für ihn ist das Spektakel eine Bejahung der Erscheinung und eine Bejahung allen menschlichen Lebens, gesellschaftlich gesehen, als einfache Erscheinung.

Schlüsselwörter: Debord, Spektakel, Hypnose, Erscheinung, Narzissmus.

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

Quando eu vejo televisão, eu deixo de ser eu mesma e sou a estrela de uma série ou tenho o meio próprio programa ou estou nas notícias e saio do anonimato e sou importante. Tudo que eu tenho é ser famosa as pessoas me veem, as pessoas me adoram… Eu nunca mais vou envelhecer nem morrer (Eles vivem, 1988).

 

 

 

A obra a sociedade do espetáculo do filósofo francês Gui Debord é uma crítica ao homem pós-moderno. Nela o autor enfatiza a dimensão hipnótica que desloca o homem para aquilo que é meramente ilusório ou aparente. A constatação do filósofo reabre os horizontes actuais mostrando como o homem é capaz de se submeter e acreditar numa retórica verborrágica sem compromisso com a verdade, basta que seja um consolo que acalma e acalenta os ânimos. Por isso, para compreender o autor não basta fazer uma olhadela por mais intuitiva que seja é preciso ir visitando pouco a pouco a sua obra e o seu contexto.

Assim sendo, a luta que a contemporaneidade trava está assente nesses dados: ser e ter. No ser, espreita-se a dimensão ontológica do ser humano; enquanto no ter, dá-se mais primazia à materialização do produto, a economia do mercado. Portanto, a nossa época é guiada por esta cisão. Por isso, esta forma meio superficial de levar a vida é preciso que seja contraposta por um despertador de consciência. Assim, convida-nos Gui Debord com as palavras de abertura de Feuerbach:

 

 

 

Nosso tempo, sem dúvida… prefere a imagem à coisa, a cópia do original, a representação à realidade a aparência ao ser… O que é sagrado para ele, não passa de ilusão, pois a verdade está no profano. Ou seja, à medida que decresce a verdade a ilusão aumenta, e o sagrado cresce a seus olhos de forma que o cúmulo da ilusão é também o cúmulo do sagrado (DEBORD, 2003, p. 13).

 

 

 

 

Fingir que as imagens verdadeiras fogem-nos momentaneamente não é apenas um jogo linguístico é na verdade o que se assiste nos dias de hoje. A imagem hoje é a contraposição da vida. Ora, quanto tempo ficará a sociedade ancorada no espetáculo? Será que não estamos arrolados todos num baile de máscaras, numa sociedade subordinada a moda e ao consumo? Debord dizia que, […] «O espetáculo é afirmação da aparência e afirmação de toda vida humana, socialmente falando, como simples aparência» (DEBORD, 2003, p. 16) .

Consequentemente, neste tipo de sociedade não se fala da vida privada, já que tal conceito evoca a desaparência. O que existe aparece deve ser exibido nas publicidades, nos panfletos, nos cartazes, no facebook, etc., etc. se não te exibes és arcaico bem dizer estás fora da moda e não acompanhas os sinais do tempo. Assim, toda realidade individual se tornou social e diretamente dependente do poderio social obtido. Somente naquilo que ele não é, lhe permitido aparecer. Onde o mundo real se converte em simples imagens, estas simples imagens tornaram-se seres reais e motivações eficientes típicas de um comportamento hipnótico.

O autor tem razão neste quesito, se observarmos atentamente em detalhes apuramos grandemente um comportamento narcísico no seio da juventude, boa parte deles ama a falsa imagem que têm dentro de si. Esta alienação da cultura do descartável, da cultura do self não cairá agora senão for sacudida atempadamente.

Um belo exemplo narcísico se pode encontrar na obra O livro de ouro de mitologia de Bulfinch, citado por Vanildo de Paiva:

 

 

 

Ali chegou um dia Narciso, fatigado da caça, e sentindo muito calor e muita sede. Debruça-se para desalterar-se, viu a própria imagem refletida na fonte e pensou que fosse algum belo espírito das águas que ali vivesse. Ficou olhando com admiração para os olhos brilhantes, para os cabelos anelados como os de Baco ou de Apolo, o rosto oval, o pescoço de marfim, os lábios entreabertos e o aspeto saudável e animado do conjunto. Aproximou-se por si mesmo. Baixou os braços para dar um beijo e mergulhou os braços na água para abraçar a bela imagem. Esta fugiu com o contato, mas voltou um momento depois, renovando a fascinação. Narciso não pôde mais conter-se. Esqueceu-se de tudo da ideia de alimento ou repouso, enquanto se debruçava sobre a fonte, para contemplar a própria imagem (PAIVA, 2003, pp. 32- 33).

 

 

 

Com isto, não se pretende fazer uma esquiva à questão: quantos comportamentos extrovertidos se encontraram nas redes sociais? Quantos ainda amam a falsa imagem quem têm dentro das suas galerias? Perdidamente, somos todos coatores desta alienação cultural. Mas seja como for, a nossa tentativa continuará a seguir passo a passo esse comportamento paranoico. Por exemplo, quando os jovens fazem os (as) selfs, as maquiagens, para tentar dar outra moldura ou efeitos da sua própria caricatura, as macacas, galinhas e a abelhas fazem o mesmo. Quando os jovens se colocam no centro das atenções, tentando impressionar os seus seguidores como estrelas cadentes ou mesmo colocando-se numa postura tipicamente antropocêntrica, o mosquito também se acha que é o centro do universo.

Esta é a verdade,

 

 

«O espetáculo, considerado sob aspecto restrito dos meios de comunicação de massa- sua manifestação superficial mais esmagadora- que aparentemente invade a sociedade como simples instrumentação, está longe de neutralidade, e a instrumentação mais conveniente ao seu automovimento total» (DEBORD, 2003, pp. 21- 22).

 

 

 

Entretanto, pode até parecer um calhou difícil de demolir considerando as circunstâncias do tempo. Todavia, a consciência de vez em quando se mostra que não armazena a moda por muito tempo, depois se satura. «Um estilo de roupa surge de um filme; uma revista lança clubes que sua vez lançam panóplias diversas» (DEBORD, 2003, p. 49).

Na medida em que o nível de incompreensão se acentua, sobretudo no mercado onde se veicula a moda, torna-se difícil diferenciar entre aquilo que pode ser consumido em longo prazo ou em médio prazo. A modo como tal, tem os seus corolários que podem ser traduzidas exactamente como subprodutos do inconsciente ou mesmo da submissão. Nesta linhagem, o argumento de Gui Debord é ainda afirmativo: «o objeto que era prestígio no espetáculo torna-se vulgar no instante em que entra em casa do consumidor ao mesmo tempo que na casa dos outros» (DEBORD, 2003, p. 49).

O espetáculo que hoje vivenciamos quer no plano económico, social, político, religioso e cultural, quer no plano meramente ilusório, boa parte dele é uma herança que a modernidade legou à história de que algum dia os seres humanos se tornariam senhores e possuidores da natureza, mas o que o sobrou entre nós é apenas a dupla indumentária das novas identidades estagiadas nas redes sociais e na utopia da ciência.

Vejamos parágrafo a seguir:

 

 

 

 

O nascimento do poder político, que parece estar em relação com as grandes últimas revoluções da técnica, como a fundição do ferro, no limiar de um período que já não conhecerá perturbações em profundidade até à aparição da indústria, é também o momento que começa a dissolver os laços da consanguinidade (DEBORD, 2003, p. 106).

 

 

 

 

O modelo da sociedade actual não possui as mesmas características do passado, apesar da sua herença, ela tem as seguintes características: a falta de tempo e da preguiça. «Numa sociedade em que ninguém mais pode ser reconhecido pelos outros, cada indivíduo torna-se incapaz de reconhecer a sua própria realidade» (DEBORD, 2003, p. 163).

Neste contexto, a noção de identidade cai quase em desuso, já não se pode falar mais da natureza humana o conceito foi profundamente ultrapassado pelo discurso moderno. Portanto, é este modelo de orientação que traz aquela imagem deformada: a consciência espectadora, prisioneira do universo estreito, limitado por um écran do espetáculo, para onde a sua vida foi deportada, não conhece mais do que interlocutores fictícios que lhe falam unilateralmente da sua mercadoria. O espetáculo, em toda sua extensão, é um sinal do espelho.

Todavia, o nível de concorrência que ronda entre os mercados gira em volto da exposição massiva de produtos de que se tem, mas não se trata apenas de produtos a serem expostos. Trata-se também de uma exposição de corpos belos. Pois o exercício contemplativo gira em torno disto mesmo. Por exemplo, nas raparigas, sobretudo ve-se esse tipo de atitude e dificilmente lhes falta um pedaço de espelho nas sacolas. Ora, não se pretende dizer que não nos devemos preocupar com a nossa beleza exterior. Antes pelo contrário, é necessário que se cuide a própria fisionomia. Porém, o problema reside apenas no seguinte: na hipnose que esses meios causam tronando-nos simples consumidores passivos:

 

 

A primeira fase da economia sobre a vida social levou, a uma evidente degradação do ser em ter. A fase presente da ocupação total da vida social em busca da acumulação de resultados económicos conduz a uma busca generalizada do ter e do parecer, de forma que todo o ter efetivo perde o seu prestígio imediato e a sua função última (DEBORD, 2003, pp. 19- 20).

 

 

 

 

 Gui Debord nota mais uma vez que, «onde o mundo real se converte em simples imagens, estas simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes de um comportamento hipnótico» (DEBORD, 2003, p. 19).

Mas, no entanto, qual deve ser o nosso critério da análise já que o destino nos empurra de vez em quando a aparência? Ora, muitos sustentam que seja a religião. A religião tem os seus artifícios, tem os seus paraísos, denuncia a ilusão e aparência deste mundo para nos instalar num outro mundo também espetacular cujas notícias nunca foram suficientemente evidentes. «“ O espetáculo é a reconstrução material da ilusão religiosa. “A técnica espetacular não dissipou as nuvens religiosas onde os homens tinham colocado seus poderes desligados de si: ela ligou-os somente a uma base terrestre» (DEBORD, 2003, p. 20).

Como se constatou, a vida nesses termos também se recusa a promessas messiânicas, ou seja, inverteu-se os valores, inverteu-se o percurso normal dos acontecimentos. Portanto, não é de admirar que hoje caminhemos de patas para o ar. O espetáculo é o mau sonho da sociedade moderna acorrentada que ao cabo não exprime senão o seu desejo de dormir. O espetáculo é o guardião deste sono.

Por outro lado, o espetáculo não se insere apenas no plano puramente mecânico, nos mass-media, no corpo ou no consumo. O espetáculo ganhou corpo na política, nos comícios onde a palavra é usada normalmente como um objecto de manipulação de consciências; é o discurso ininterrupto que a ordem presente faz sobre si própria, o monólogo elogio.

Por isso, o discurso na boca de um juiz, a retórica na boca de um juiz sobretudo, não está comprometida com verdade. É apenas uma estratégia de como angariar um número de clientes, ou seja, um número considerável de cordeiros passivos num tempo oportuno. «Mas é a especialização do poder, a mais velha especialização social, que está na raiz do espetáculo. O espetáculo é, assim, uma actividade especializada que fala das outras» (DEBORD, 2003, p. 21).

O autor não ressalta apenas este aspecto discursivo, ele avança para outra ideia, a ideia da sociedade embrenhada apenas no consumo. Sociedade esta que deturpou o conceito ontológico em função do dado material. Entretanto, esta substituição mercantil entre o ter e ser, é puramente um cliché que nos levará a lugares já mais pensados;

 

 

 

 

A perda da qualidade-tão evidente em todos os níveis da linguagem espetacular-dos objetos que louva e das condutas que regula, não faz outra coisa senão traduzir as características fundamentais da produção real, que repudiam a realidade: a forma-mercadoria é de uma ponta a outra igualdade consigo mesma, a categoria do quantitativo. É o quantitativo que ele desenvolve, e não se pode desenvolver senão nele (DEBORD, 2003, p. 29).

 

 

 

 

 Portanto, inseridos dentro desta dinâmica, o que excede é evidentemente a falsificação de produtos. Quanto mais quantidade houver, mas lucratividade se obterá. Todavia, é este o propósito das indústrias alimentares, farmacêuticas, culturais, tecnológicas etc., etc. darem-nos tudo aquilo que pode ser consumido é um curto espaço de tempo, produtos estes que só nos reabilitam temporariamente.

Tal como dizia Gui Debord que, este desenvolvimento exclui o qualitativo estancado, enquanto desenvolvimento, a passagem qualitativa: o espetáculo significa que ele transpôs o limiar da sua própria abundância, isto não é verdadeiro localmente senão em alguns pontos, mas já é verdadeiro em escala universal, que é a referência original da mercadoria, referência que é o seu movimento prático confirmou, definindo a terra como mercado mundial.

Não obstante, se enveredaremos por um caminho alicerçado apenas por valores lucrativos, colocaremos em cheque tudo aquilo que logo a partida não se pareça lucrativo ou utilitário. Uma crítica mais atenta neste ponto vem do filósofo Theodor W. Adorno, na sua obra a indústria cultural e sociedade:

 

 

 

O mundo inteiro é forçado a passar pelo crivo da indústria cultural. A velha experiência do espectador cinematográfico, para quem a rua lá de fora parece a continuação do espetáculo que acabou de ver- pois este quer precisamente reproduzir de modo exato o mundo percebido cotidianamente- tornou‐se o critério da produção. Quanto mais densa e integral a duplicação dos objetos empíricos por parte de suas técnicas, tanto mais fácil fazer crer que o mundo de fora é o simples prolongamento daquele que se acaba de ver no cinema. (ADORNO, 2002, p. 9).

 

 

 

 

 

 Se a vida está alicerçada nestes parâmetros, há também maior facilidade de falseá-la. De acordo com Adorno, se a espontaneidade que é esta capacidade criativa ou intencional que o indivíduo tem de explicar os próprios factos, a mídia já os explica, está-se a caminhar a passos largos para uma cultura postiça. A cada caso para que reprima a imaginação. Aquele que se mostra de tal forma absorvido pelo universo do filme- gestos, imagens, palavras- a ponto de não ser capaz de lhe acrescentar aquilo que lhe tornaria um universo, não estará, necessariamente por isso, no ato da exibição, ocupado com os efeitos particulares da fita. […] «A violência da sociedade industrial opera nos homens de uma vez por todas. Os produtos da indústria cultural podem estar certos de serem jovialmente consumidos, mesmo em estado de distração» (ADORNO, 2002, p. 10).

Entretanto, existe certa ideologia que empurra irremediavelmente a plateia tornando-a alienada. Ou seja, a força da produção que a mídia exerce consiste no aprisionamento de um número considerável que se alimenta de forma inconsciente a demanda publicitária. Se por um lado, se considera o valor da mídia o que é inegável, por outro lado, nos entretém como simples anestesiados.

Adorno dizia:

 

 

 

 

A promessa a que na realidade o espetáculo se reduz, malignamente significa que não se chega ao quid, que o hóspede há de se contentar com a leitura do menu. Ao desejo suscitado por todos os nomes e imagens esplêndidos serve‐se, em suma, apenas o elogio da opaca rotina da qual se queria escapar (ADORNO, 2002, p. 21).

 

 

 

 

Nesta concorrência desenfreada, a moda tem as suas consequências, mas só no âmbito psicológico. Ora, se não te alinhas aos clichés preestabelecidos ao que o comum patenteia, nunca te tornarás um objecto de estimação. É o que se vê já pelo fato de a diversão ser apresentada apenas como reprodução; cinefotografia ou audição de rádio,

 

 

 

 

 

Como empregados são chamados à organização racional e pressionados a inserir‐se com sadio bom senso. Como clientes se veem a si mesmos como ilustração, na tela ou nos jornais, em episódios humanos e privados da liberdade de escolha e como atração do que ainda não está enquadrado. Em qualquer dos casos permanecem objetos.

 

 

 

 

 

De acordo com o autor, a indústria só se interessa com o homem, com o cliente e com o empregado pelo seu nível de produção e de compra, e reduziu, efetivamente, a humanidade no seu conjunto, como cada um dos seus elementos, a esta forma exaustiva. Sim, somos apenas simples produtos a mercê dos criadores e nossa vida vale apenas um denário, ou seja, és humano pela força do trabalho que exerces, o tipo de forças que empregas quando manipulas uma determinada máquina ou qualquer objecto que se pareça a propósito do seu patrão.

Numa próxima agenda a humanidade poderá se instaurar em simples clichés, não é um futuro irrisório o que propomos, aliás, o que queremos nesta sociedade do espectáculo, nesta sociedade industrializada senão a nossa própria exposição, a moda e o lucro? É verdade como dizia Adorno que, o belo já não é aquilo que nos interpela ou atrai, mas sim o belo é tudo o que a câmara reproduz;

 

 

 

Em consequência, se minha conclusão não é muito apressada, as pessoas aceitam e consomem o que a indústria cultural lhes oferece para o tempo livre, mas com um tipo de reserva, de forma semelhante à maneira como mesmo os mais ingênuos não consideram reais os episódios oferecidos pelo teatro e pelo cinema (ADORNO, 2002, p. 70).

 

 

 

 

Contudo, se do ponto da cultura fomos amplamente esclarecidos pelo autor em destaque, para as próximas páginas seguiremos outra cadência, a cadência da extensividade dos meios tecnológicos que são aportes específicos: «pois a “mensagem” de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas, humanas» (MC LUHAN, S/d, p. 16).

As novas tecnologias instalaram em nós pequenos chips que instantaneamente obstruem a verdadeira mensagem para nos darem apenas o conteúdo. Conteúdo este que quando é peneirado, nada sobre de essencial. […], Ou seja, o que conta é o modo como são usados- tem muito da postura alvar do idiota tecnológico. Entretanto, o poder que as novas tecnologias exercem nas nossas vidas e, sobretudo a dos jovens, os coloca não só numa posição mais privilegiada em relação aos mais velhos do século XIX, eles ganham em número o seu domínio, mas por outro lado, lhe oferece a tamanha preguiça o que é notório, na escrita e na leitura;

 

 

 

 

Qualquer invenção ou tecnologia é uma extensão ou auto-amputação de nosso corpo, e essa extensão exige novas relações e equilíbrios entre os demais órgãos e extensões do corpo. Assim, não há meio de recusarmo-nos a ceder às novas relações sensórias ou ao “fechamento” de sentidos provocado pela imagem da televisão. Mas o efeito do ingresso da imagem da televisão variará de cultura a cultura, dependente das relações sensórias existentes em cada cultura (MC LUHAN, S/d, p. 44).

 

 

 

 

 

A tecnologia de uma ou de outra forma é esta percpeção que se estende a partir do nosso olhar sobre a imagem. Por exemplo, diante de um espelho existe aquele aspecto enganador ou mesmo abusivo. «É a contínua adoção de nossa própria tecnologia no uso diário que nos coloca no papel de Narciso da consciência e do adormecimento subliminar em relação as imagens de nós mesmos» (MC LUHAN, S/d, p. 45).

Entretanto, com a tecnologia como já afirmara Gui Debord, não existe mais espaços onde nos possamos esconder, ou seja, não há informação que circule apenas num perímetro. Tal como defendem os sociólogos estamos numa aldeia global e são essas as pequenas facetas que permeiam o nosso estilo de vida. Nossa vida particular e associativa se transformou em processo de informação justamente porque projetamos para fora nosso sistema nervoso central, subespécie de tecnologia elétrica.

Esta projeção para aquilo que não é verdadeiramente o nosso ser, é tipicamente a cultura do homem pós-moderno. O homem pós-moderno está desorientado e inseguro. Tal como já afirmávamos no nosso artigo intitulado o fracasso do ensino da filosofia nas instituições educativas em Angola[2] que, o conceito de relação foi ultrapassado pelos suportes digitais, ou seja, as nossas vidas estão alicerçadas nos cyber-espaços e consequentemente, o nosso modo de pensar nesses dias que correm se tornou bastante volátil, e a volatilidade do pensamento consiste na não meditação aprofundada sobre tais meios. «As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentado o indivíduo, até aqui visto como sujeito unificado» (HALL, 2006, p. 5).

 

 

CONCLUSÃO

 

 

A forma mais ousada de concluir este artigo é tomar o espectáculo como uma nova narrativa, ou seja, uma forma ilusória que despensa o real para se instalar ao que é passageiro e fugaz. A obra de Gui Debord pode ser considerada como um despertar de consciência, sua análise criteriosa dos fenómenos sociais, antropológicos, tecnológicos, etc, etc, reabre a novas facetas da pós-modernidade. Todavia, tudo aquilo que no passado era considerado como sagrado é apresentado hoje de forma gratuito. A gratituide é a busca fácil de infromações sem empregar maior esforço. Basta copiar, reproduzir ou colar. Estas deformações de simples aparência é o comportamento hipnótico de quase toda a juventude. A televisão é para eles o monstro sagrado, de punhos serrados, cabeças obtusas e quadradas é própria glorificação de uma cultura idiota, uma cultura superficial, fútil e acrítica.  

Contudo, esperamos que, o presente artigo cause uma ressonância de não dormir apenas ao sabor do vento ou a mediocridade contemporânea, mas a de absorver, torcer e questionar a própria cultura avaliando-a.

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

ADORNO, T. (2002). Indústria cultura e sociedade. Sao Paulo: Paz e Terra.

Carpenter´s, J. (Realizador). (1988). Eles vivem [Filme].

DEBORD, G. (2003). A sociedade do espetáculo. Brasil: Books Brasil.

HALL, S. (2006). A identidade cultural na pós-moderninidade. Rio de Janeiro: DPA.

MC LUHAN, M. (S/d). Os meios de comunicaçao como extensoes do homem. Sao Paulo: Cultrix.

Vanildo, P. d. (2003). Filosofia encantamento e caminho introduçao ao exercíco do filosofar (2ª ed.). Sao Paulo: Paulus.

 

 

 

 

[1] António Teca Dicondele é Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica de Angola (UCAN), Instituto Superior Dom Bosco (ISDB), Membro da Organização Académica FILONORG (Angola-Luanda). É formado em Agregação Pedagógica para o Ensino Superior pela mesma Universidade. É também Jornalista estagiário pela Rádio Escola. Nutre maior interesse em Filosofia Existencial, Filosofia Vitalista, e Filosofia da Desconstrução. Com os seguintes contactos: 937 993 828, mbutaluisa@gmail.com.

 

[2] Ver. Art. DICONDELE, Teca António. O fracasso do ensino da filosofia nas instituições educativas em Angola, 2020, p. 20.