O MUSEU DO IPIRANGA, A MARQUESA DE SANTOS E O SAMBA DO CRIOLO DOIDO.

Qual é a relação entre o Museu do Ipiranga e a mais famosa cortesã do império, Maria Domitila de Castro Canto e Melo? Nenhuma, é claro.  É o que afirmaria qualquer bom conhecedor da história do Brasil. Mas no imaginário popular a história é bem diferente da que está nos livros. Para o povo, Dom Pedro morou no museu do Ipiranga que era seu palacete e acabou se transformando num museu depois da Proclamação da República.  E tem mais, a Marquesa de Santos morava numa casa na Estrada Velha de Santos, conhecida como Casa de Pedra, onde passava os fins de semana e se encontrava com o seu fogoso amante Imperador.

                Num passeio pelo Parque da Independência, ao lado do museu, ouvi um rapaz falando para um grupo de amigos “Esse palácio é onde morava D. Pedro I com a Imperatriz. Ele escolheu este lugar para se encontrar com sua amante a Marquesa de Santos que morava no alto da serra”. As pessoas a sua volta ficaram impressionadas com seus conhecimentos históricos. Ele ainda olhou para mim pedindo a confirmação sobre o que disse, provavelmente, por causa dos meus cabelos grisalhos. Quase encarnei meu personagem de professor, mas logo desisti e apenas sorri para ele.

                A maioria da população desconhece que o Museu do Ipiranga foi construído como parte da comemoração do primeiro centenário da Independência no local onde, presumivelmente, onde foi tomada a decisão de separar o Brasil de Portugal.  A Casa de Pedra, até há pouco tempo abandonada e tida como alcova dos amantes, também foi construída na mesma época.  No entanto, já ouvi muita gente afirmar com convicção que era lá que Dom Pedro se encontrava com a Marquesa, longe dos olhares da corte.

                Os famosos encontros de D. Pedro com Domitila ocorreram entre 1822 e 1829, portanto, quase cem anos antes da construção da Casa na Estrada Velha e do Museu. Conta a história que D. Pedro conheceu a sua amada no dia da Proclamação da Independência na recepção que teve com sua comitiva em um teatro na pequena Vila de São Paulo do Piratininga. Lá, depois das homenagens, conheceu a bela filha do Coronel João de Castro Canto e Melo, uma espécie de prefeito da época. Ela era separada do marido, um alferes chamado Felipe Pinto Coelho de Mendonça, que por ciúmes, chegou a feri-la com uma facada em uma das pernas. Depois disso, fugiu para Minas Gerais para não ser preso. A jovem senhora, separada do marido, era alvo dos mexericos da vila, pois além de bela, não se intimidava em flertar com os rapazes de então para desgosto da tradicional família  Canto e Melo.

                Depois do encontro, D. Pedro, já entronizado como imperador, não conseguiu esquecer  sua Domitila e veio algumas vezes à São Paulo, a pretexto de negócios de Estado, para seus encontros amorosos. Como a distância era grande do Rio de Janeiro ele tratou de comprar para ela uma propriedade nos arredores da Corte, a famosa Chácara dos Porcos, onde podia se encontrar, de forma mais amiúde, com sua amada.  Ela ainda era apenas Maria Domitila, a amante do imperador, e o título de nobreza veio um pouco depois, em “homenagem” ao seu desafeto, José Bonifácio de Andrada e Silva, cuja família era de Santos.

                Voltando ao Museu Paulista ou Museu da Independência, nas suas dependências, ficava, também, a residência do Diretor da instituição que em 1946 recebeu, como hóspedes, o seu novo titular, o historiador Sérgio Buarque de Hollanda, sua mulher e os filhos Sérgio, Álvaro, Miúcha, Chico e Maria do Carmo, vindos de mudança do Rio de Janeiro. Logo Dona Maria Amélia percebeu que ali não era um lugar adequado para morar e eles alugaram uma casa num bairro mais central. Na época o Ipiranga era um bairro novo, com muitas chácaras e vilas operárias.

                E assim, como de técnico de futebol e historiador, todo brasileiro tem um pouco, não adianta se opor às crenças populares de que Dom Pedro morou no Museu do Ipiranga e se encontrava furtivamente com a Marquesa na casa da Estrada Velha de Santos.  A história do Brasil para o povão, é mesmo parecida com o famoso “Samba do Crioulo Doido”, escrito por Sérgio Porto, onde se misturam personagens, locais e datas históricas numa grande salada mista.